No meio de um dia cheio de entrevistas e de conferências de imprensa que culminaria num encontro com os fãs portugueses de The Walking Dead no Teatro Tivoli BBVA, o produtor e make-up artist Greg Nicotero e os atores Norman Reedus (Daryl) e Jeffrey Dean Morgan (Negan) encontraram-se com a VISÃO, numa conversa que surpreendeu mesmo antes de começar. Já ao longe se ouviam as gargalhadas do trio, que conversava energeticamente, por entre cigarros, numa varanda do Ritz, e a entrevista serviu para confirmar a animação cúmplice entre os três, acabados de chegar de Londres e prontos para partir, já nessa noite, em direção a Madrid.
Andrew Lincoln só se juntaria a este grupo à tarde, para o encontro com os fãs. Mas mal pisou a passadeira vermelha, deu de caras com uma multidão que gritava o seu nome e da sua personagem, Rick, e que implorava por um autógrafo ou uma selfie. Depois de percorrer toda a passadeira, confessou à VISÃO que estava completamente estupefacto com a receção que teve em Portugal.
Esta é a vossa primeira vez em Lisboa?
Todos: Sim.
Jeffrey Dean Morgan (J.D.M.): Nós vamos explorar hoje. Temos quatro horas para isso.
Norman, se fosse o Negan e tivesse que matar duas personagens, quem escolheria?
Norman Reedus (N.R.): Matar-me-ia a mim mesmo, duas vezes. (risos)
Greg, se tivesse de criar um look de um walker ou uma ferida com apenas três ingredientes, como faria?
N.R.: Como no MacGyver…
Greg Nicotero (G.N.): Sim, faria como no MacGyver. Deixe-me ver… Iria à mesa do craft service, tiraria aveia, ketchup e – estou a pensar em coisas comestíveis…
J.D.M.: É bom, é bom!
G.N.: E manteiga de amendoim. Depois mexia tudo e arremessava para a cabeça de alguém.
J.D.M.: Então, para o Halloween, teria tudo para fazer o meu disfarce, assim à mão… (risos)
G.N.: Também podias usar xarope de chocolate, geleia, para jogar com as cores. Na verdade, se fosse um zombie era melhor usar xarope de chocolate, por causa do sangue ser mais escuro.
The Walking Dead passa por um fenómeno curioso, talvez numa dimensão que se vê acontecer com poucas séries ou filmes e que tem a ver com a curiosidade levada ao extremo por alguns fãs. Já se falou, por exemplo, de um drone ter sobrevoado as gravações. O que pensam sobre isto?
G.N.: As pessoas param-me na rua e pedem-me para lhes dizer o que vai acontecer. E eu pergunto: queres mesmo saber? E a maioria das vezes dizem que não. As pessoas que realmente querem spoils são uma fração da nossa audiência. Isso não valoriza a série, porque o que é entusiasmante é viagem que se faz até chegar àquele momento. Podemos dizer a alguém ‘sim, o Glenn morre’, mas nunca é igual a ver a emoção a ser construída e a forma como os atores a interpretam. Portanto, pessoalmente, às pessoas que me perguntam o que é que acontece, eu pergunto se querem realmente saber e, quando vou para contar, dizem logo ‘não, não, não!’. Elas gostam dessa viagem.
N.R.: As pessoas que usam os drones e tudo o resto têm websites e querem ser populares, querem visualizações… Não são realmente fãs das série, só querem ser populares na internet.
G.N.: Sim, não querem saber da série, só querem ser famosas. Estão a usar-nos.
Jeffrey, apesar de o Negan ser uma personagem tão má como é, o Jeffrey já revelou ter um certo carinho pelo ele. Porquê?
J.D.M.: Porquê? Porque é uma personagem com mais do que uma dimensão. Se o Negan fosse apenas um vilão, acho que não serviria a série. Este é um grande aspeto positivo da série, o facto de ter personagens com múltiplas dimensões e o vilão não deve ser diferente. Se o Negan tivesse aparecido simplesmente como o “mauzão”, ao fim de um ou dois episódios, toda a gente diria ‘já chega’. Mas acho que as pessoas ficaram fascinadas, porque ele é mais do que isso. Ainda vamos descobrir mais sobre ele, mas quando vocês o viram naquela situação com o Carl, aquilo foram sentimentos genuínos. Mostra que ele é, também, simplesmente um homem…
É emocional…
J.D.M.: Sim, claro, é uma pessoa emocional que calhou de estar viva quando o apocalipse dos zombies chegou e conseguiu ficar vivo todo este tempo. Isto mudou-o, como mudou o Daryl ou o Rick. Os ideais morais mudaram. Mas, algures ali, há um pouco do que o Negan era antes do apocalipse. Ele era um professor de educação física. O Negan não é só malvado e essa é a parte que nos queremos agarrar.
N.R.: O Negan era um professor de educação física?
J.D.M.: Sim.
N.R.: Eu não sabia disso.
J.D.M.: Era o treinador da equipa de pingue-pongue. É mesmo fixe (risos).
Norman, qual seria, do ponto de vista do Daryl, um final justo para o Negan?
N.R.: Acho que o Daryl já só o quer matar. Ele age muito de cabeça quente. As coisas ou são pretas ou brancas, não há cinzentos, ele ou gosta de ti ou não gosta, e aquilo que o Negan fez aos seus amigos fê-lo sentir muito culpado. Eles quereriam que ele lutasse. Por isso, acho que o Daryl só quer que o Negan morra, simplesmente.
Embora seja uma personagem fechada, o Daryl desfez-se em lágrimas no terceiro episódio desta temporada, depois de ver uma fotografia do Glenn. Esta morte mexeu muito com ele…
N.R.: Sim. Quando o Daryl se torna prisioneiro, ele sente que merece e não luta contra isso. E quando vê a fotografia, pensa muito sobre o assunto e conclui que o Gleen não quereria que ele desistisse. E, a partir desse momento, assim que ele consegue uma oportunidade de sair, ele tenta. Quer reunir de novo o seu grupo para lutar.
J.D.M.: Falando deste assunto do Daryl, não nos podemos esquecer que ele matou 10 pessoas do meu grupo com uma bazuca…
G. N.: Foram 22, para ser preciso…
J.D.M.: Eu matei duas pessoas do grupo dele. Só isso.
N.R.: Mas tu nem sequer querias saber dessas pessoas.
J.D.M.: Fat Joey? Eu amo o Fat Joey…(risos)
G.N.: Por acaso o Fat Joey colocou-nos em apuros. Deu uma entrevista a dizer que tínhamos gravado uma morte gloriosa e que depois a cortámos porque era demasiado. Mas isso não foi verdade. Aquele momento era sobre o Daryl e sobre o que ele estava a passar e nós já tínhamos visto aquele tipo de morte com o Glenn e o Abraham.
Greg, The Walking Dead aparece numa época em que se fez muita ficção sobre zombies. De onde retirou a inspirição para criar os walkers e o que fez para se demarcar dos outros?
G.N.: Bom, eu comecei a fazer make-up effects com o George Romero e o Tom Savini, trabalhei no Day of the Dead… E, quando olhava para os portefólios de qualquer pessoa que trabalhava na área, via um zombie, um gorila e o Freddy Krueger (personagem). Portanto, os zombies sempre foram fascinantes do ponto de vista dos make up effects, porque podemos criar grandes looks. O Thriller, do Michael Jackson, também tem muito disso. Pontanto, ao trabalhar com o Frank Darabont, que queria criar uma série com uma história com significado, não apenas sobre zombies, para mim tornou-se interessante e desafiador poder jogar com os limites dos efeitos, que é o que faço com a minha equipa todas as semanas. O meu cérebro é mesmo estranho (risos). As coisas que me surgem…
Cria histórias à volta dos zombies?
G.N.: Eu tinha esse hábito. Sempre disse aos meus make-up artists para não colocarem o sangue com uma escova, mas para o arremessarem, de forma a deixar o sangue contar uma história por si próprio. Houve uma vez que criei um tipo que tinha uma faca espetada e, depois na cena, o Rick tira essa faca para espetar noutro zombie. Essa faca, que tinha sido espetada na pessoa, não ia sair quando o zombie se levantasse. De vez em quando criamos histórias deste género…
O momento mais malvado do Negan ainda está para vir?
J.D.M.: Acho que a introdução inicial ao Negan, com a morte do Glenn e do Abraham, é, provavelmente, o momento mais malvado. Agora o público conhece-o – algumas pessoas gostam mesmo dele, outras nunca o vão perdoar. Ainda estão para vir mais maldades, sim, mas não sei se alguma deles ultrapassará o momento inicial, porque foi uma introdução e tanto. Ele chega e tira duas personagens à série…
N.R.: Foi muito mau.
J.D.M.: Sim, foi muito mau. Mas se conhecesses melhor o Fat Joey… (risos)