É uma autêntica volta a Portugal para Gregório Duvivier. Começou esta semana com o lançamento do livro de crónicas Caviar É uma Ova (Tinta da China) em Lisboa – algo que vai acontecer, de novo, no próximo dia 23, em Óbidos, durante o festival literário Folio. Já esta sexta-feira, 16, estreou no palco do Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, o seu monólogo Uma Noite na Lua que leva depois em digressão por todo o País (de Braga a Faro…). Em Lisboa e no Porto já ganhou uma data extra: chega a 27 e 28 de outubro ao Teatro Tivoli BBVA e a 31 e 1 de novembro ao Sá da Bandeira, no Porto. O que o faz correr? “Instalar a dúvida onde há certeza”, por exemplo.
Normalmente os brasileiros têm uma ideia de Portugal antes de cá chegarem pela primeira vez e saem daqui com outra. Aconteceu consigo?
Já estive em Portugal algumas vezes e não tinha nenhum preconceito. Sempre fui um fã do País, da literatura, claro, mas também ?do humor, por exemplo. Já há muito tempo que admiro o Gato Fedorento e vi vários DVD que me enviavam amigos. Acho ?o Ricardo Araújo Pereira um génio sem tamanho. O Brasil não tem um comediante assim. Um tipo que leva o humor muito a sério, estuda, lê. No Brasil o humor tem medo de ser político e opta por perpetuar estereótipos. O do Ricardo faz pensar, puxa o tapete. No Brasil houve o Millôr Fernandes mas ele não era ator. E sou fã da música também. Adoro JP Simões, por exemplo, que conheci recentemente.
O humor irreverente hoje só entra no Brasil pela Porta dos Fundos?
[Risos] O Porta está um pouco fora da tradição do humor no Brasil. O humor fazia-se muito nos grandes canais de televisão mas era engessado, previsível. O humor precisa de liberdade para ser irreverente. E não há essa liberdade nas grandes televisões. Nós, do Porta dos Fundos, precisámos todos de sair da Globo para fazer este projeto.
Vai estar em Portugal a apresentar um livro de crónicas. Não tem receio que os portugueses não o entendam bem, por ser sobre um Brasil que geralmente não aparece nas telenovelas?
Tenho medo, sim. Mas da minha experiência sei que os portugueses são muito abertos. As crónicas são sobre o Brasil, um país muito confuso. E a tarefa do comediante é essa mesma, a de confundir, a de instalar a dúvida onde há a certeza.
Além do livro, vai andar por aqui em digressão com Uma Noite na Lua, onde está sozinho em palco num monólogo de uma hora. Que experiência foi esta?
O texto do João Falcão, meu ex-sogro [pai de Clarisse Falcão, ex-mulher de Gregório e também atriz do Porta dos Fundos] é o mais bonito que já li. É uma comédia, tem drama, tem música, suspense, enfim, é uma montanha-russa de emoções e géneros. Eu passeio por esses géneros e pelos vários estados de espírito…
O Gregório defende várias causas sociais como a maioridade penal, a liberalização ?do consumo de drogas, a descriminalização ?do aborto. É visto como um ET, no Brasil?
Acho que sou um ET mesmo. O Brasil é um país muito obscuro, religioso, fanático e extremamente reacionário. Se fizessem um plebiscito aqui eram capazes de aprovar a pena de morte, por exemplo. Isso tem a ver com a nossa história recente. Os nossos primeiros presidentes foram militares. E há uma bancada de deputados cheia de pastores evangélicos que vetam qualquer lei de abertura nessas matérias. É um país muito obscuro. E eu sou um homem de esquerda. A esquerda, mais do que uma ideologia é um lugar onde se deve estar. É o lugar do comediante, porque é o lugar que faz pensar. O que faz a esquerda é essa vontade de mudar. E no Brasil nunca houve um governo de esquerda.
Mas esse seu ativismo social é malvisto? ?Por quem?
Se você é de esquerda as pessoas acham que é do PT. E o PT é um partido de direita. Graças ao PT a direita ganhou o monopólio do discurso anticorrupção. A única maneira que o Lula teve de se eleger foi juntar-se com o que de mais podre existe no Brasil que é o PMDB. É verdade que o PT fez conquistas sociais inegáveis mas também provocou catástrofes incríveis. Sempre que tenta conquistar a oposição o PT aproxima-se mais dela. A oposição já nem precisa de ser oposição porque o governo já está a governar com as ideias dela.