Há uma anedota que é assim: pergunta um velho a outro – acreditas que a vida é mais bela depois da morte? O outro responde: depende de quem morrer. E isto está no cerne do “filme-2015” do quase octogenário realizador americano mais europeu do mundo.
Não é a primeira vez que Woody Allen aborda este tema, sempre desconcertante. Tinha-o feito, por exemplo, em Match Point, que muitos associaram a Crime e Castigo, embora a personagem estivesse mais próxima de Julien Sorel do que de Raskolnikov. E também em O Sonho de Cassandra ou Crimes e Escapadelas. Neste Homem Irracional, Woody ousa uma premissa arriscada e mais do que duvidosa eticamente: se o mundo ficaria melhor se “certas e determinadas” pessoas fossem eliminadas, porque não passar à ação?
É duro, é incómodo, os americanos não vão perceber, em termos de género não é óbvia a classificação, está algures entre a comédia e o drama, mas faz parte da natureza humana ocorrer-nos esta ideia, ainda que por breves instantes e arriscando-se a ser banida do nosso pensamento, rapidamente, como a cauda de um bovino faz às moscas.
O filme, como sempre, é muito sedutor, e exerce logo o seu poder de atração no surgimento do famoso lettering Windsor do genérico, acompanhado de música jazz. Desta vez, quem faz de homem atormentado pela existência, que acha que já nada vale a pena, que bateu no fundo, é um professor de filosofia bloqueado (não consegue escrever, não consegue respirar, não consegue ter sexo), fora de forma e que chega a uma universidade de pronvíncia. Ele é Joaquin Phoenix, num papel inesperado, mas em que não tenta mimetizar os tiques e manifestações de angústia do próprio Allen, o que tantos outros atores caíram na tentação de fazer.
Na sua estreia com o realizador, ele está excelente, absolutamente convicente, assim como o mais que improvável emparelhamento com Emma Stone . Aliás, a apresentação da personagem é daquelas de antologia. Antes de ela aparecer, na verdade já a conhecemos, por todos os comentários entusiasmados, tanto do corpo docente, como das alunas, antecipando a sua chegada à universidade. Ele é uma espécie de lenda decadente – o que ainda lhe traz mais encanto, e que padece de auto-aversão. Os diálogos são excelentes, o ritmo desenvolto, a intriga muito bem esgalhada, a fotografia, a famosa luz, o brilho, a música mantêm a qualidade a que a marca Allen nos habituou. E por mais que a crítica – a norte-americana e seu séquito – não se canse de anunciar que “este” é sempre o pior filme de Woody Allen, é preciso ter em conta o seguinte: qualquer filme menor ou menos conseguido de Woody Allen está a anos-luz de distância da melhor comédia romântica Hollywoodesca.
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LEIA A ENTREVISTA A WOODY ALLEN (UM EXCLUSIVO DAILY TELEGRAPH) NA VISÃO DESTA SEMANA, QUINTA-FEIRA NAS BANCAS