Na altura em que escrevemos este artigo, ainda não sabemos se Meryl Streep voltou a ganhar o Óscar de melhor atriz. Sabemos contudo que, apesar da concorrência de alto gabarito de Judi Dench (Filomena) e sobretudo de Cate Blanchett (Blue Jasmin), a estatueta calhar-lhe-ia muito bem.Um Quente Agosto, de John Wells, é um filme de atores, não fosse uma adaptação de uma peça de teatro de Tracy Letts (vencedor de um Pulitzer). E é um dos mais injustos esquecidos da noite dos Óscares (na categoria de melhor filme), embora faça o pleno nas nomeações de atrizes. Para Meryl Streep tudo parece desenhado para sua conveniência, como aquelas equipas que de futebol que só jogam para o ponta-de-lança. Apontem-se-lhe as luzes, deem-lhe boas deixas, que ela faz o resto. O registo é melodramático, a história de família, o tom agridoce, mais amargo do que doce. Logo de início, a estrutura desafia as convenções. “Eu bebo, e a minha mulher toma comprimidos”, diz Beverly (Sam Shepard). E o filme começa com a perspetiva de um homem cáustica e intelectual de um homem que não sobrevive ao genérico. Começamos pela causa. Sobrevivendo a ideia que a disfuncionalidade de Beverly permitia a funcionalidade relativa do lar.De resto, como alguém disse, todas as famílias são disfuncionais, só que algumas exageram. Nos bastidores da família de Um Quente Agosto está um submundo de maldade, de uma mãe que não evita atacar cruelmente as filhas e todos aqueles que a rodeiam. Mas há sempre um traço bipolar e uma sinceridade crudelíssima, sobretudo quando está sobre o efeito dos comprimidos, nos quais está viciada. O problema físico de Violet é sofrer de cancro na boca. Metáfora perfeita: todas as palavras lhe saem envenenadas.A riqueza desta personagem é um paraíso para uma atriz como Meryl Streep brilhar. Faz teatro improvisa, ri e chora na mesma cena, compadece-se e exalta-se. É brilhante, ficando apenas a um pequeno passo do melodramatismo em excesso. Os outros também brilham à sua volta, sobretudo Julia Roberts, que regressa a um grande papel e a uma nomeação para os Oscars. Ela própria, enter a libertação do jugo materno, e a inevitável herança, cresce na procura de pontos de equilíbrio, até ao drama final. E um conjunto de grandes atores que sustentam o filme, como Ewan McGregor, Chris Cooper, Benedict Cumberbatch ou Juliette Lewis.Todas as personagens se fecham nos seus próprios dramas. Um Quente Agosto é um melodrama sem grandes sinais de esperança. Ao contrario de Os Amigos de Alex (Lawrence Kadan, 1983), em que a morte provoca a união e fortifica o grupo de amigos, no realismo pungente e duro de Um Quente Agosto, ao terremoto segue-se o tsunami.O argumento é bem construído, de forma invulgarmente linear, sem espaço para analepses, com diálogos bons e cenas fortes, em que os atores têm que saber ser atores. E são.
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