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O contexto social e a forma de trabalhar de Pedro Costa deu muitas pistas no cinema português. Basil da Cunha parece ser um dos que lhe está mais próximo, embora também possamos encontram caminhos paralelos em Filipa Reis e João Miller Guerra ou João Salaviza (para não falar dos últimos filmes de João Canijo, que é um caso à parte). Basil, um prodigioso jovem realizador luso-suíço, que deixou o meio espantado com a qualidade das suas curtas-metragens (filmes premiados em Vila do Conde e nomeações para Cannes), traça um caminho original e eficaz com a mesma ascendência eficácia. As personagens de ficção são construídas no próprio meio, pelos atores-habitantes da Reboleira. Mas são acima de tudo personagens de ficção. O lado documental vem apenas do contexto realista (não fabricado) em que a ação se desenrola.
Não há uma mera incorporação da pessoa na persona como faz Pedro Costa. Em Basil prevalece a vontade de contar histórias. Tal acontecia nas curtas, progressivamente mais longas, e tal é feito aqui, neste Até ver a Luz, mas com algumas cedências. Se um dos méritos de Basil era mostrar as ‘histórias’ dos bairros, de forma humana e afastada dos clichés que os marginalizam (um pouco como fez Rui Simões em Ilha da Cova da Moura), aqui a droga, mas sobretudo a violência é um contexto subjacente – o bairro aparece mais como um local horrendo para viver do que como um ambiente familiar. Mas também, diga-se, sem qualquer tipo de condescendência paternalista.
Isto embora faça de forma exemplar a humanização das personagens, sem que para isso precise sequer de um contraste ação/dialogo ao estilo Pulp Fiction. As personagens dão ricas porque têm efetivamente densidade emocional e vivem com as suas ambivalências, sem que tal as torne incoerentemente contraditórias. E é com essa inteligente construção de personagens que o filme se ocupa durante grande parte, vagueando por um contexto, sem se apressar no desenvolvimento da trama. Tudo vai acontecendo, à medida que a câmara nos convida a entrar naquele mundo suburbano e escondido.
O conhecimento de causa (saber o que está a filmar) afasta radicalmente Basil das Zonas J e empreitadas semelhantes. Há uma sensação de verdade transversal ao filme, para a qual contribui certamente o trabalho com os atores e a liberdade na criação o guião. É por isso que o aparente realismo curiosamente coexiste com um plano fantástico, mágico, de feitiçarias e superstições, que faz parte da cultura africana daquele pedaço de África em Portugal.
A personagem central é sombra. Uma espécie de Drácula bonzinho, que não morde o pescoço de ninguém, apenas não suporta a luz. Envolve-se quase de forma involuntária (é o ambiente que o envolve) em esquemas perigosos, que o levam a esta aventura de dealer mais inocente que culpado.
Mas há outras personagens ricas, neste universo predominantemente masculino, como Ojos, o chefe do bando, Nuvem ou Machine. Para não falar na tia e nos velhos do bairro. E há ainda um fantástico domínio arquitetónico do local, das suas esquinas, pontos de fuga e vigilância. O bairro apesar de labiríntico (e por isso com aparentes pontos de escape), não deixa de ser claustrofóbico.
A saída que se encontra peca por tardia. Tudo diverge em direção à praia, ao mar, o espaço sem fim que Mix, o irmão de Olos, nunca viu. E é onde Sombra vai ver a luz pela primeira vez. E o cinema é isso mesmo: luz, sombra e um realizador que as saiba moldar.
Até ver a Luz, de Basil da Cunha, com Pedro Ferreira, João Veiga, Nelson da Cruz Duarte Rodrigues, Paulo Ribeiro, Francisco Mota, Pedro Diniz, 95 min
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