Quinze pontos na Alma, assim se chama o primeiro filme realizado por Vicente Alves do Ó, que tem uma dezena de guiões no currículo, três curtas e um romance, Kiss Me. Ao JL falou de glamour, felicidade, escrita, imagem e da sua próxima obra baseada na vida de Florbela Espanca
Fez todo um percurso no guionismo, porque passou agora para a realização?
Desde que entrei no mundo de cinema que tenha a ideia da realização, mas só consegui ganhar um concurso do ICA em 2008.
A escrita para cinema é ingrata?
Sim. Já tive boas e más experiências. Faz parte do metier saber que um argumento que eu escreva seja apropriado pelo realizador. Mas o maior problema é ser uma atividade pouco reconhecida.
Imagina-se que seja um prazer muito especial ter o poder de controlar a história…
É um maravilha! Claro que é relativo, porque há sempre questões de produção. Além disso fui mauzinho para mim próprio, comecei a cortar coisa, a repor diálogos, aumentar cenas,… O filme é um corpo que vemos nascer, as imagens têm um poder tremendo e muitas vezes deitam por terra outras vontades.
Este filme fala sobre uma mulher que tem tudo para ser feliz, mas há um incidente que muda a sua vida. Que mulher é esta?
A Simone não sabe o que é ser feliz, não encontrou a sua própria felicidade. A mulher utiliza o incidente trágico para se revelar a si própria. Pretendo fazer uma reflexão sobre a própria felicidade, nos dias de hoje. Também sobre a obsessão de estar num sítio qualquer que não sabemos exatamente o que é nem onde é. Aquele homem que se atira da ponte é um MacGuffin hitchcockiano. Tanto podia ser aquele homem como outra coisa qualquer. É um MacGuffin para nós e para ela. Uma desculpa que ela encontra para ir a à procura de si própria. Eu resolvi subverter todas as técnicas de escrita. E fiz um filme sem primeiro ato, o que cria alguma estranheza. E, ao mesmo tempo quis, que o filme tivesse várias camadas de leitura, para criar uma certa intemporalidade. A Simone é uma mulher que sofre uma revolução interior, ao negar uma droga, que é a droga que a sociedade nos dá.
Há também um lado de glamour…
Há uma maior identificação. Não conseguem aceitar que uma mulher daquelas largue tudo. A Simone é o nosso espelho, e por isso criei-a de forma bastante ambígua, bastante esfíngica. Quis dar ao público um objeto de desejo para depois falar-lhes de coisas que não são assim tão glamorosas. Aquelas personagens aparentemente têm glamour, mas estão presas por fios, e basta um toque para aquilo tudo se desfazer.
O seu próximo filme é sobre a Florbela Espanca. De que se trata?
Não é sobre a poesia. É sobre um período muito específico da vida dela. Há um período em que ela para de escrever. Como é que alguém que escreve não escreve. Quando a criação é uma coisa tão íntima e tão necessária, como é que ela opta pelo contrário. Quis recriar a verdade da Florbela, sem incluir um único poema no filme, mas tentando perceber onde está a poesia na vida dela.