Finanças, injeções de capital, cheques urgentes, preços, lucros, golden shares e offshores, crise… No palco do Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa, são estas as palavras que se ouvem por estes dias. E a culpa, por mais estranho que pareça, é de Vasco Graça Moura, autor do libreto da ópera Banksters, que ali se estreia amanhã, sexta-feira, 18. Foi do escritor a ideia de levar para o palco o mundo da alta finança, quando o compositor Nuno Côrte-Real lhe pediu um libreto a partir da peça de José Régio Jacob e o Anjo. Onde antes havia um rei soberano, há agora um banqueiro poderoso e déspota; onde aparecia o bobo da corte, surge agora um jornalista.
“Vasco Graça Moura fez uma transposição do texto de Régio para os nossos dias”, conta Nuno Côrte-Real. “Um dos problemas do estado da ópera é ser, quase sempre, antiga. Ser atual talvez seja o grande trunfo da ópera, neste momento. Para mim, isso torna a ópera viva. E esta é pertinente, porque, praticamente, só ouvimos notícias de mercados e bancos e mercados e bancos, e depois é o Benfica, e mercados e bancos e mercados e bancos…”, acrescenta o compositor, com ironia. Se o cenário para Banksters (o título remete-nos para banqueiros gangsters) é o mundo da alta finança, o enredo fala-nos de muito mais do que euros e dólares. A Nuno Côrte-Real interessou-lhe, particularmente, a ideia da redenção, a imagem de que “a morte pode ser uma coisa bela”, algo que se descobrirá no final do terceiro ato.
“É, sobretudo, uma ópera sobre a transcendência, a condição humana, que começa muito negra, acaba em branco e, no meio, é muito colorida”, descreve o realizador João Botelho, responsável pela encenação. Não é a primeira vez que o cineasta dirige uma ópera, já o fizera para o seu filme Três Palmeiras e, mais recentemente, em Filme do Desassossego, mas, assim, num palco, sem possibilidade de segundos takes, nunca experimentara. “Interessou-me fazer um espetáculo ainda mais forte do que o cinema, porque tem um bocadinho mais de verdade, no sentido em que é mais artificial: não há desilusão, porque a ilusão está lá, desde o início. Os sentimentos são mais abstratos. O que é verdade são os sentimentos, não o que se passa em cima do palco”, explica.
As ideias de cenografia e encenação foi buscá-las ao cinema, evidentemente: uma representação mais agitada, uma luz direcionada, que vem de um lado só para chamar a atenção para quem canta, um “claro-escuro” que já conhecemos dos seus filmes (“o cinema são luzes e sombras e seres aflitos lá no meio, a tentar sair da sombra para a luz”, diz), noções de silhuetas e sombras de Méliès. “Aqui é sempre plano geral. Encenei a lembrar-me do Jacques Tati, que filmava sempre planos gerais, onde aconteciam muitas coisas. Roubei pintores, como é costume: Goya, Caravaggio, também fui buscar memórias dos vitrais de Gerhard Richter”, conta João Botelho.
A vida e a morte
“Isto só vai à porrada, só o chicote dá leis”, canta o banqueiro Santiago Malpago, interpretado por Jorge Vaz de Carvalho. Fato cinzento e gravata, rodeado por executivos de pasta na mão, o protagonista há de acabar a pedir perdão, às portas da morte, depois de traído pela mulher e pelo irmão. Em Banksters, o misterioso e o tenebroso contrapõem-se ao cómico e ao voluptuoso, numa história que a música acompanha, como quem está a “colorir o drama” (palavras de compositor). “A música contemporânea, neste momento, não tem força, em Portugal, existe, mas na margem. É uma linguagem difícil e não desperta muito interesse. Acho que a culpa é nossa, de quem a faz”, afirma Nuno Côrte-Real. Com Banksters, acredita, será possível levar a ópera a um público mais vasto – e apagar essa ideia de que este é um espetáculo só para as elites. Haverá algo mais abrangente do que uma ópera tragicómica sobre a vida e a morte?