Nada de extraordinário aconteceria… Não é a primeira vez que filmes pouco significantes são galardoados pela Academia. E escândalos maiores já aconteceram. Basta lembrar, não recuando aos prémios que Ford, Hitchcock, Cassavettes não receberam, que Forrest Gump (1994) ganhou no ano de Pulp Fiction e Shakespeare in Love (alguém se lembra?) no ano da Barreira Invisível (1998), de Terrence Mallick.
O Discurso do Rei, de Tom Hooper, e The Fighter, de David O. Russell, os mais nomeados desta edição, são filmes medianamente medianos com os ingredientes que os americanos gostam. Na corrida, não devem passar A Rede Social ou O Cisne Negro, mas nunca se sabe.
O Discurso do Rei é um filme radicalmente cerrado num ângulo: a gaguez do príncipe/rei Jorge VI, que o impede de fazer boa figura em público e até põe em causa as suas valias de monarca. Há um retrato de época, dos anos 30 ingleses, de um aparente conflito entre a tradição e a tecnologia, visível de forma relativamente inspirada no aparecimento da rádio, das câmaras de filmar e dos elevadores. O pobre do rei socorre-se de um terapeuta da fala, algo excêntrico, cuja maior extravagância é ser australiano. O papel parece desenhado para Robin Williams, mas ali é interpretado por Geofrey Rush. Mais do que um terapeuta, é um psicólogo e amigo, cheio de energias positivas. Os ingleses já nos mostraram várias vezes quão pode ser traumática a vida de um rei e nós já nos compadecemos. Aliás, a avaliar pelo que o cinema nos mostra, a realeza justificava toda uma sub-especialidade da psicanálise. Mas o papel de Geofrey Rush também representa o início da política cínica, em que os soberanos deliberadamente passam a comportar-se como se fossem atores, e têm assessores e pontos em seu auxílio.
O filme encerra de tal forma um ângulo que se torna estapafúrdio. Tudo o que aqui interessa é gaguez do rei e o facto da Alemanha invadir a Polónia e a II Guerra Mundial rebentar são apenas pormenores, parte do texto que deve ser lido sem hesitações. Todos se preocupam tremendamente com a dicção do rei e não com o pesadíssimo peso das palavras que profere, o que, dada a gravidade do assunto, torna-se absurdo. Um absurdo que um outro realizador eventualmente saberia usar em proveito do filme, mas que aqui simplesmente o debilita. Estas debilidades não fazem com que Colin Firth não mereça o Óscar de melhor ator, a sua interpretação é, de facto, destacável.
The Fighter retoma um dos temas mais caros dos americanos, logo a seguir ao Holocausto e à Guerra do Vietname: o boxe. Contudo, está longe de ser um Touro Enraivecido. Também não é uma obra desprezível, como o Rocky 3 (aquele da guerra fria). Percorre a vida de Mickey Ward, um pugilista que se tornou campeão mundial de pesos leves. Aqui o lado humano, que no fundo é o que sempre interessou aos grandes filmes de boxe (como Touro Enraivecido ou Belarmino), é dado de forma excêntrica, através do peso familiar. Por um lado há as figuras pressionantes e caricatas da mãe e das sete irmãs, por outro, o irmão/treinador/herói, viciado em crack, que serve de contraponto. Como traços mais relevantes há o documentário que se faz dentro do próprio filme, o uso de gravações em videocassetes, que provoca um interessante contraste, e a própria atuação de Christan Bale. Mas não deixa de ser um filme demasiado bem comportado, algo moralista mesmo, enaltecedor dos grandes valores, como a família. O regresso de uma América que vence.