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Numa altura em que a tropa de elite brasileira ergue com orgulho a bandeira verde e amarela da Ordem e Progresso no alto do Complexo do Alemão, apetece recordar uma experiência recente vivida no Complexo na companhia de um animadíssimo grupo de portugueses, durante o último festival de cinema do Rio, em Outubro passado.
Paulo Portugal, no Rio de Janeiro
A ideia era assistir à projecção do documentário Complexo: Universo Paralelo, de Mário Patrocínio e do irmão Pedro Patrocínio, num clube recreativo daquela famosa favela. Foi assim que um grupo de jornalistas internacionais, uma equipa de reportagem da SIC e ainda o actor Ricardo Pereira e a mulher Francisca Pinto Ribeiro tomaram lugar numa “van” que apenas parou no ‘check point’ à entrada da favela. A estrada estava bloqueada por um segmento de um carril ferroviário colocado numa calha vertical perfurada no chão. Era esse o primeiro ponto de segurança onde os traficantes controlavam quem entrava na favela. 30 metros mais adiante outro carril. Em ambos os casos, Mário saiu da carrinha e ergueu as peças para deixar passar a carrinha. Ao mesmo tempo avisava que era necessário apagar as luzes exteriores e acender a luz interior do veículo. Porquê? Para que os ocupantes pudessem ser vistos do lado de fora.
Como o motorista se recursara a avançar mais, Mário continuou a pé para localizar o seu contacto. Decidi acompanhá-lo à distância por achar mais seguro o movimento do que ficar num grupo de 15 portugas imóveis. Fui percebendo que a circulação pelas vielas estrelas se fazia sobretudo de moto. E quando passa a primeira moto com o pendura armado de metralhadoras às costas, Mário alerta “Não era suposto veres isto”, explicando “eles foram avisados que não haveria armas hoje”. Era uma missão cultural. De paz. De repente entramos numa espécie de loja muito iluminada e sem paredes nem janelas. No centro uma mesa amontoada por sacos brancos, outras com pequenas cápsulas e ainda tabletes devidamente embalada em papel celofane. “Uma boca!”, pensei para dentro. “Oi portuga!”, disse o negrinho de pouco mais de 20 anos abraçando Mário. Após uma breve troca de palavras, o traficante lá ia dizendo: “Portuga, estás à vontade!” Lá fomos. Eu gelado, mas aceitando alguma normalidade. As correrias de moto acima e abaixo com pré-adolescentes de ambos os sexos armados depressa se banalizou.
Entretanto, a calma foi-se instalando e ajudada por umas cervejinhas geladas no botequim local enquanto esperávamos pelos espectadores para dar início ao documentário. O que começara por um videoclip do hip-hoper local, o MC Playboy, acabou por dar origem a um projecto maior que o levou viver na favela durante algum tempo, ganhando assim a confiança de todos para fazer um filme sobre as condições de vida no Complexo e a vontade em fazer algo positivo. Complexo: Universo Paralelo passou entretanto no DocLisboa e foi premiado no passado dia 1 de Novembro, no Artivist Film Festival, com o prémio Direitos Humanos Internacional, o principal galardão do certame.
Ver o filme, sentado no chão daquela instituição desportiva, na companhia de grande parte dos participantes, foi uma experiência única. Sublinhada (e como poderia deixar de ser?) por toda aquela adrenalina. A festa durou algumas horas, em que o nosso grupo, já mais alargado com actores e artistas portugueses a estudar e trabalhar no Rio. No final, Pedro Patrocínio não seguiu na “van” e evoluiu pela noite no Complexo ao ritmo do baile funk local.
Regressamos à realidade da bandeira desfraldada pelo BOPE, como que a apaziguar os membros da FIFA para o Mundial de 2014, para recordar um outro filme que vimos dias depois numa sala do Rio. Era a antestreia mundial privada de Tropa de Elite 2, na companhia de toda a equipa. Não podemos deixar de recordar a frenética conferencia de imprensa que sucedeu ao filme que punha a descoberto, como nenhum outro, a vasta corrupção dos meios políticos. O filme mostra de forma inacreditável como as organizações que receberam as ajudas para reconverter as favelas em lugares, acabaram por formar milícias piores que os traficantes. Ao olhar para a bandeira questionamos: será que tudo isso foi já superado? O incómodo filme de José Padilha não é nada optimista. Fiquemo-nos então com a Ordem e o Progresso possíveis.