Whisky, o título do filme da dupla de realizadores uruguaios Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll (estreia-se hoje, dia 1), não é despejado em nenhum dos copos desta história. Que, não por acaso, se encontram meio vazios. Bem podem esperar. As três personagens (dois homens e uma mulher de meia idade) não são dados a excessos. Nem alcoólicos nem a outros pequenos delírios domésticos. Que mais delirantes se tornam por nunca chegarem a acontecer. Mais deprimente ainda: o título do filme é apanhado daquele pedido que os fotógrafos costumam fazer no Uruguai (noutros países usa-se o Cheese) àqueles que estão a posar para a fotografia e têm de manter um sorriso forçado, que dura o tempo de um click – e logo se desfaz em seguida. Por isso, este título é fascinante e se cola tão bem, não só à história do filme, como à forma como está narrada, sempre com uma câmara imóvel e conscientemente sóbria. E a história é tragicamente simples: há um esboço de um sorriso, uma promessa de vida melhor, um esgar de felicidade possível, mas o estalar de um qualquer obturador das circunstâncias da vida faz com que o bom auspício se recolha, a segunda oportunidade se esgote e o tal sorriso regresse à sisudez dos quotidianos cheios de pó, rotina e enfado. Há uma convergência que se anuncia, mas que depois diverge, daí o riso amargo, que desmascara ainda mais o tédio. E então temos dois irmãos judeus de meia idade, que se reúnem para uma cerimónia fúnebre no primeiro aniversário da morte da mãe. O mais velho herdou o negócio da família, uma fábrica decrépita de meias obsoletas. É um homem de hábitos ossificados. Todas as manhãs conduz o seu desinvestido carro, ergue as grades grafitadas da fábrica e carrega no botão da maquinaria da mesma forma mecânica com que acciona as suas rotinas: a papelada no escritório, a inspecção de um estore que nunca está reparado, um chá preparado pela assistente Marta, silenciosa e submissa, que começa todas as frases por “permisso” e enceta-as com “si Deus quiere”. Tudo o que nunca te direi A chegada do irmão do Brasil, muito mais solar, gregário e bem sucedido familiar e profissionalmente (embora também no ramo das meias) é o incidente desbloqueador desta (in)ação. Que aliás, se desdobra, sem pressas, sem urgências de chegar ao final nem a qualquer outro lugar. O irmão sisudo vive ainda numa casa carimbada pela velha mãe, os seus biblots, as suas poeiras, a sua botija de oxigénio esquecida a um canto. Para não dar ao irmão a ideia de falhanço celibatário, propõe à triste Marta que se faça passar por sua mulher, enquanto o irmão o visita no Uruguai. Estas três pessoas grisalhas reúnem-se, num triângulo fictício, mas os realizadores não estão nem um bocadinho interessados em explorar o qui-pro-quod, nem na revelação do embuste. Apenas usam esta ideia para dar um retrato da solidão, de vidas crepusculares e das oportunidades perdidas. Claro que a situação é maliciosamente divertida, há silêncios constrangedores, situações absurdas, uma cama que nunca é partilhada mas a sugestão está sempre presente… O irmão do Brasil arrasta o casal simulado para uma estância balnear muito deprimente, em Piriapolis, onde os pais os costumavam levar em crianças. E paira sempre na cabeça dos espectadores (e talvez na de Marta) a hipótese de que algo mude, algo se recomponha, algo consiga quebrar a solidão rotineira das suas vidas. A esperança de um final hollywoodesco é a última coisa que está na cabeça dos autores. É esse o encanto do filme, quase tudo permanece da forma como começou, quase… Tudo fica flutuante, em suspensão, numa espécie de equilíbrio ameno. Sem nostalgias estridentes. Sem epifanias, sem algo declarado que possa surgir das profundezas da sisudez do homem, e das zonas sombrias e silenciosas daquela mulher. Ficamos com uma Montevideo deprimente como a indústria das meias, avistada dos vidros sujos do carro do dono da fábrica, e de ruas incaracterísticas, que desaparecem até à última nesga quando é cerrado o trôpego gradeado do estabelecimento.
WHISKY: Falhar sempre, falhar melhor
Há bens que vêm por mal. Este filme uruguaio põe as suas personagens à beira da segunda oportunidade: é pegar ou largar. Elas largam...