O corpo está inerte, Encontrarei mas o sangue é vadio;
O sopro é coisa passageira.
Levanta-te, homem: quando a caminhada terminar
Tempo terás para descansar.
A.E. HOUSMAN
ANTES
Los Angeles, 2/24/64
DE REPENTE:
A carrinha do leite fez uma curva apertada e galgou o passeio. O condutor perdeu o controlo. Carregou a fundo nos travões. Provocou uma derrapagem em marcha-atrás. Um carro blindado da Wells Fargo embateu de frente contra a lateral da carrinha do leite.
Tomem nota:
Sul de L.A., 7h16, esquina da 84ª com Budlong. Bairro residencial negro. Casas miseráveis com pátios de terra à frente. O embate fez parar os dois veículos. O condutor da carrinha do leite foi bater contra o painel. A porta do condutor saltou. O condutor deu uma guinada e foi bater no passeio. Era um homem negro com cerca de quarenta anos.
O carro blindado tinha algumas amolgadelas no capot. Três guardas saíram dele e avaliaram os estragos. Eram homens brancos com fatos justos de caqui. Tinham cintos Browne com coldres para pistolas. Ajoelharam-se junto do condutor da carrinha do leite. O tipo esperneava e tossia. A pancada no painel tinha-lhe aberto um lanho na testa. Escorria-lhe sangue para os olhos.
Tomem nota:
7h17. Nuvens de inverno. A rua em sossego. Ninguém a circular. Antes do tumulto do acidente. A carrinha do leite estava empinada.
O radiador tinha rebentado. O vapor esguichava, silvando. Os guardas tossiram e limparam os olhos. Três homens saíram de um Ford 62 estacionado a dois blocos de passeio, mais atrás.
Traziam máscaras. Traziam luvas e sapatos com sola de crepe. Traziam cintos com granadas de gás enfiadas em bolsas. Tinham mangas compridas e estavam abotoados até acima. Não se via a cor da sua pele.
O fumo envolveu-os. Avançaram e puxaram de pistolas com silenciador. Os guardas tossiam. Isso abafou o som. O condutor da carrinha do leite puxou de uma pistola com silenciador e deu um tiro na cara do guarda mais próximo.
Ouviu-se uma pancada. A testa do guarda rebentou. Os dois outros guardas levaram as mãos aos coldres. Os homens mascarados dispararam-lhes para as costas. Eles empinaram-se, caindo para a frente. Os homens mascarados deram-lhes tiros na cabeça, à queima-roupa. Os estalidos e o som dos crânios a racharem abafaram-se mutuamente.
São 7h19. Continua tudo em silêncio. Continua a não circular ninguém, nenhum tumulto a seguir ao acidente.
De repente um barulho – dois tiros e os seus ecos intensos. Uma arma com cano de forma estranha dispara da ranhura do carro blindado. Os tiros fizeram ricochete no passeio. Os homens mascarados e o condutor da carrinha do leite atiraram-se de frente para o chão. Rebolaram na direcção do carro blindado. Estavam ao alcance das balas. Ouviram-se mais quatro tiros. Quatro mais dois – um carregador de revólver.
O Homem Mascarado nº1 era alto e magro. O Homem Mascarado nº2 era de estatura média. O Homem Mascarado nº3 era encorpado. São 7h20. Continua a não circular ninguém. Um grande balão lá no céu arrasta atrás de si uma bandeira a anunciar grandes armazéns. O Homem Mascarado nº1 levantou-se e agachou-se debaixo da ranhura. Tirou da bolsa uma granada de gás e arrancou-lhe a tampa. Esguichou fumo. Enfiou a granada na ranhura. O guarda, lá dentro, guinchou e soltou vómitos intensamente. A porta traseira abriu-se com estrondo. O guarda saltou e foi cair de joelhos no pavimento. Estava a sangrar do nariz e da boca. O Homem Mascarado nº2 deu-lhe dois tiros na cabeça.
O condutor da carrinha do leite pôs uma máscara de gás. Os homens mascarados puseram máscaras de gás sobre as que tinham no rosto. O gás esguichava para fora da porta traseira. O Homem Mascarado nº1 despoletou a granada de gás nº2 e atirou-a lá para dentro. Os fumos arderam, transformando-se numa mistura ácida – vermelha, rosada, transparente. Começou a ouvir-se um tumulto na rua. Apareceram pessoas a espreitar à janela, outras a abrir portas e alguns negros nos seus alpendres.
São 7h22. Os fumos dispersaram-se. Não há um segundo guarda lá dentro.
Então eles entram.
Couberam lá dentro à justa. Era um espaço apertado. Com sacos de dinheiro líquido e pastas de executivo arrumadas em prateleiras de parede. O Homem Mascarado nº1 contou-os: dezasseis sacos e catorze pastas.
Agarraram tudo. O Homem Mascarado nº2 tinha um saco de serapilheira enfiado nas calças. Puxou-o para fora e segurou nele aberto.
Agarraram tudo. Encheram o saco. Uma pasta abriu-se, e viram conjuntos de esmeraldas embrulhadas em plástico. O Homem mascarado nº3 abriu um saco de dinheiro líquido. Um rolo de notas de cem saltou para fora. Ele puxou pela etiqueta do banco. Foi pulverizado por jactos de tinta que acertaram nos orifícios da sua máscara. Ficou com tinta na boca e tinta nos olhos.
Tossiu, cuspiu tinta, esfregou os olhos e saiu a cambalear pela porta. Borrou-se nas calças e ficou por ali às voltas. O Homem Mascarado nº1 afastou-se da porta e deu-lhe dois tiros nas costas.
São 7h24. Agora sim, há um tumulto. Cada alpendre parece encher-se de ruídos de selva.
O Homem Mascarado nº1 avançou para lá. Pegou em quatro granadas de gás, arrancou as tampas e atirou-as. Atirou para a esquerda e para a direita. Espalharam-se fumos vermelhos, rosados e transparentes. Céu ácido, mini-frente de tempestade, arco-íris. Os tolos dos alpendres saltaram e tossiram e voltaram para dentro das suas barracas. O condutor da carrinha do leite e o Homem Mascarado nº1 encheram completamente quatro sacos de serapilheira. Conseguiram meter tudo: os trinta sacos de dinheiro líquido e as pastas. Foram até ao Ford 62. O Homem Mascarado nº1 abriu a mala. Atiraram os sacos lá para dentro.
7h26.
Uma brisa levantou-se. O vento rodopiou pelas nuvens de gás dissolvendo-as em ténues cores transparentes. O condutor da carrinha do leite e o Homem Mascarado nº2 puseram-se a olhar, absortos, pelos óculos das suas máscaras.
O Homem Mascarado nº1 pôs-se à frente deles. Irritaram-se – O que foi? – não tapes o espectáculo de luzes. O Homem Mascarado nº1 deu um tiro no rosto de cada um. Os vidros dos óculos e os tubos encheram-se de esguichos e inundaram-lhes os pulmões num segundo.
Tomem nota:
7h27. Quatro guardas mortos, três assaltantes mortos. Nuvens de gás cor-de-rosa. Poeiras ácidas. Gases que dão aos arbustos um tom cinzento maléfico.
O Homem Mascarado nº1 abriu a porta do condutor e apalpou debaixo do assento. Estava lá: um maçarico e um saco castanho cheio de pequenas esferas de solda. As esferas pareciam uma mistura de comida de pássaro e gelatina.
Trabalhou lentamente.
Avançou para o Homem Mascarado nº3. Despejou-lhe esferas nas costas e enfiou-lhe esferas na boca. Sacudiu o maçarico e incendiou o corpo. Avançou para o condutor da carrinha do leite e para o Homem Mascarado nº2. Despejou-lhes esferas nas costas e enfiou-lhes esferas na boca e incendiou-lhes os corpos.
Agora o sol já se via bem. Os fumos de gás foram atravessados por raios que transformaram uma pequena faixa de céu num grande prisma. O Homem Mascarado nº1 afastou-se de carro em direcção a sul. Foi o primeiro a chegar. Era sempre o primeiro. Piratava as guinchadeiras de assaltos nos bairros negros captando as frequências da rádio da polícia. Tinha a sua própria caixa multipistas para guinchadeiras. Estacionou perto do carro blindado e da carrinha do leite. Olhou para a rua. Viu uns quantos pretos a espreitarem a carnificina. O ar fedia. O seu primeiro palpite: granadas de gás e uma colisão provocada. Os pretos viram-no. Estavam com a sua expressão regulamentar, tipo “Oh, merda.” Ouviu sirenes. O rádio dizia seis ou sete equipas. Esquina da Newton com a 77ª – duas patrulhas a caminho. Tinha três minutos para ver.
Viu os quatro guardas mortos. Observou os homens queimados. Estavam completamente esfolados, com a pele a estalar e as roupas encaracoladas para dentro. O seu primeiro palpite: traição imediata. Toca a lixar a identidade de parceiros dispensáveis.
O zumbido das sirenes aproximou-se. Um miúdo, ao fundo da rua, acenou para ele. Ele curvou a cabeça e acenou de volta.
Já tinha o retrato todo. É por merdas destas que se espera toda a vida. Quando aparecem, sabemos.
Era um homem alto. Tinha um fato de tweed e um laçarote axadrezado.
Com pequenos 14 espetados na seda. Tinha morto a tiro catorze assaltantes armados.
AGORA
AMÉRICA:
Espreitei da minha janela quatro anos da nossa História. Foi uma longa vigilância em movimento e uma busca ferrenha, de arrombar com as portas. Eu tinha licença para roubar e autorização para avançar. Segui pessoas. Utilizei escutas e gravações e captei grandes acontecimentos em silêncio. Permaneci na sombra. A minha vigilância liga o Antes com o Agora a um nível nunca antes revelado. Eu estava lá.
O meu relato foi reforçado por boatos credíveis e intrigas internas.Podem verificá-lo em quantidades gigantescas de folhas escritas. Este livro é o resultado de ficheiros públicos roubados e diários privados usurpados. É a soma da aventura pessoal com quarenta anos de estudos.
Eu sou um executor literário e um agente provocador. Fiz o que fiz e vi o que vi e abri caminho pelo resto da história. Pura veracidade da escrita e escândalos de imprensa. É essa conjugação que lhe dá o seu picante. Já trazemos dentro de nós a semente da crença. Lembramo-nos da época que esta narrativa descreve e adivinhamos a conspiração. Estou aqui para vos contar que é tudo verdade e completamente diferente do que pensavam.
Irão ler com alguma relutância, rendendo-se no final. As páginas que se seguem hão-de forçá-los a sucumbir.
Vou contar-lhes tudo.
ANTES
PARTE I
MANOBRAS DESASTROSAS
14 de Junho de 1968 – 11 de Setembro de 1968
(Las Vegas, 6/14/68)
HEROÍNA:
Ele tinha criado um laboratório na sua suite de hotel. As estantes das paredes estavam cheias de balões, cubas e bicos de Bunsen. Um fogão de três bicos permitia fabricar pequenas doses. Estava a fazer produto anestesiante. Desde Saigão que não fabricava droga. Uma suite no hotel Stardust, sob a protecção de Carlos Marcello.
Carlos sabia que Janice tinha cancro terminal e que ele tinha conhecimentos de química.
Wayne misturou morfina com amoníaco. Dois minutos de fervura libertaram pequenas micas e sedimentos. Ferveu água a 83º. Acrescentou anidrido acético reduzindo as proporções de fusão. O líquido a ferver expeliu excrescências orgânicas.
A seguir os precipitantes – o método de cocção lenta – diacetileno de morfina e bicarbonato de sódio.
Wayne misturou, mediu, e baixou o lume de dois bicos. Olhou a suite em seu redor. A criada tinha deixado o jornal. Os cabeçalhos eram todos sobre ele.
A morte de Wayne Sénior com “ataque de coração”. James Earl Ray e Sirhan Sirhan na prisão.
A sua foto de primeira página. Sem referência a ele. Carlos tinha abafado Wayne Sénior. O Sr. Hoover tinha abafado as consequências dos crimes de King e Bobby.
Wayne observou a massa de diacetileno a criar-se. Aquela mistura iria semi-anestesiar Janice. Ele estava a tentar obter uma grande encomenda para Howard Hugues. Hugues era viciado em narcóticos farmacêuticos. Havia de lhe fabricar uma mistura privada e levá-la à entrevista.
A massa transformou-se em cubos que se ergueram do líquido.
Wayne viu fotografias de Ray e Sirhan na página dois. Tinha trabalhado no assassinato de King. Tinha-o elaborado todo. Freddy Otash tinha arranjado o culpado Ray para King e o culpado Sirhan para Bobby.
O telefone tocou. Wayne agarrou nele. Ouviram-se cliques de escuta na linha. Tinha que ser uma linha segura federal e o Dwight Holly.
– Sou eu, Dwight.
– Mataste-o?
– Sim.
– “Ataque de coração”, que merda. “Enfarte súbito” era melhor.
Wayne tossiu. – O Carlos está a tratar pessoalmente do assunto.
Tem capacidade de abafar seja o que for por aqui.
– Não quero que o Sr. Hoover se exalte por causa disto.
– Está abafado. O problema é: então e os outros?
Dwight disse: – Fala-se sempre de conspiração. Arruma-se com uma figura pública e costumam surgir essas merdas. O Freddy arranjou secretamente o Ray e o Sirhan às claras, mas perdeu peso e mudou de aspecto. Em termos gerais, eu diria que estamos safos em relação aos dois. Wayne estava a ver a sua droga ao lume. Dwight foi despejando mais notícias. Freddy O. comprou o Casino Golden Cavern. Foi Pete Bondurant que lho vendeu.
– Estamos safos, Dwight. Diz-me que estamos safos e convence-me.
Dwight riu-se. – Pareces um bocado à rasca, miúdo.
– Estou um bocadinho tenso, sim. O parricídio tem esse lado engraçado.
Dwight riu-se. As panelas de droga começaram a ferver. Wayne baixou o lume e olhou para a fotografia na sua secretária. É Janice Lukens Tedrow, amante/ex-madrasta. Em 61. Está a dançar o twist no Dunes. Está sem parceiro, perdeu um sapato e a bainha do vestido soltou-se.
Dwight disse: – Eh, estás aí?
– Estou aqui.
– Ainda bem. E ainda bem que estamos a salvo do teu lado.
Wayne olhou para a fotografia. – O meu pai era teu amigo. Estás a fazer julgamentos muito ligeiros.
– Bolas, miúdo. Ele mandou-te para Dallas.
Grande D. Novembro de 63. Ele estava lá, no Grande Fim-de-Semana. Pegou no Grande Momento e fez a Grande Parada. Era sargento na polícia de Vegas. Era casado. Tinha um diploma de química. O pai era um Mórmon rico e importante. Wayne Sénior estava completamente envolvido em assuntos de direita. Tinha dirigido operações do Ku Klux Klan para o Sr. Hoover e Dwight Holly. Distribuía panfletos intensamente racistas. Era de extrema-direita e mantinha-se actualizado. Estava ao corrente do assassinato de JFK. Era multifacetado: exilados cubanos, bandidos da CIA, máfia. Sénior tinha comprado a Júnior um bilhete de entrada.
Um trabalho na extradição, com um aviso: matar o extraditado. A polícia dava cobertura às operações. Um chulo negro chamado Wendell Durfee esfaqueou um jogador de casino. O homem sobreviveu. Não importava. O Conselho de Gestores do Casino queria que eliminassem Wendell. Esses trabalhos eram dados aos polícias de Vegas. Eram tarefas opcionais com grandes bónus em dinheiro. Eram testes. A polícia queria agarrá-los pelos tomates. Wayne Sénior tinha influência sobre a polícia. Tinha conhecimentos sobre o assassinato de JFK. Sénior queria que Júnior lá estivesse. Wendell Durfee apanhou um avião de Las Vegas para Dallas. Sénior duvidava que Júnior tivesse tomates. Sénior achava que Júnior devia matar um homem negro desarmado. Wayne apanhou um avião para Dallas a 11/22/63.
Ele não queria matar Wendell Durfee. Ele não estava ao corrente do assassinato de JFK. Juntaram-no com um colega de extradição. Onome do agente era Maynard Moore. Trabalhava na polícia de Dallas. Era um psicopata saloio que fazia uns biscates na área do assassinato. Wayne entrou em conflito com Maynard Moore e tentou não matar Wendell Durfee. Wayne julgou erradamente que aquele assassinato estava ligado à espiral em queda livre que se seguiu ao outro. Ligava Jack Ruby a Moore e ao mercenário de direita Pete B. Tinha visto Ruby acabar com o Lee Harvey Oswald na T.V. em directo. Ele sabia. Ele não sabia que o seu pai sabia. Naquele Domingo rebentou a confusão.
JFK estava morto. Oswald estava morto. Ele foi atrás de Wendell Durfee e disse-lhe que fugisse. Maynard Moore intercedeu. Wayne matou Moore e deixou que Durfee fugisse. Pete B. intercedeu e deixou que Wayne vivesse.
Pete achou prudente o seu próprio acto de misericórdia e precipitado o acto de misericórdia de Wayne. Pete avisou Wayne que Wendell Durfee podia tornar a aparecer.
Wayne voltou para Vegas. Pete B. mudou-se para Vegas para executar um trabalho a Carlos Marcello. Pete fez o relatório sobre Durfee e acrescentou umas dicas: é um sacana violador, e pior. Estávamos em Janeiro de 64. Pete soube que Wendell Durfee tinha voltado de avião para Vegas. Contou a Wayne. Wayne foi atrás de Wendell. Três negros agarrados ao pó meteram-se no caminho. Wayne matou-os. Wendell Durfee violou e assassinou a mulher de Wayne, Lynette.
Era a sua própria queda livre. Começou em Dallas e veio por aí fora até ao Agora.
Wendell Durfee escapou. Wayne Sénior e a polícia trataram de safar Wayne quanto aos agarrados. O Sr. Hoover foi dócil. Dwight Holly, o velho camarada de Sénior, não foi. Dwight trabalhava nessa altura para o Secretariado Federal de Narcóticos. Os agarrados andavam a traficar heroína e estavam prestes a ser incriminados. Dwight barafustou junto do Procurador-Geral. Wayne Júnior tinha lixado a sua investigação. Queria ver Wayne Júnior acusado e julgado. A polícia forjou provas e aldrabou o Júri Supremo. Wayne safou-se dos assassinatos. Ficou queimado. Saiu da polícia e entrou para A Vida.
Mercenário. Traficante de heroína. Assassino.
Lynette tinha morrido. Ele jurou encontrar Wendell Durfee e matá-lo. Lynette era a sua melhor amiga e companheira e era ela que tinha conseguido acabar com o seu amor pela segunda mulher do seu pai.
Janice era mais velha, tinha-o visto crescer, e tinha ficado com Sénior pelo seu dinheiro e influência. Janice correspondia ao amor de Wayne. O afecto circulava nos dois sentidos. Manteve-se e cresceu.
Wayne aproximou-se de Pete e da sua mulher, Barb. Pete era unha com carne com um advogado da máfia chamado Ward Littell.
Ward era ex-FBI e conselheiro do assassinato de JFK. Trabalhava para Carlos Marcello e para Howard Hughes e jogava nas duas direcções, de frente e de lado. Wayne teve Pete e Ward como professores. Aprendeu A Vida com eles. Acompanhou-lhes o percurso em ritmo de queda livre.
Pete tinha sido catapultado para a causa do exílio cubano. O vietname estava a ficar ao rubro. Howard Hughes andava a alimentar loucos projectos para comprar Las Vegas. Wayne Sénior juntou-se a eles com o guarda mórmon de Hughes. Ward Littell criou ressentimentos contra Sénior. Um agente corrupto da CIA recrutou Pete para uma rede de droga entre Saigão e Las Vegas, com lucros para a causa cubana, concedidos por Carlos Marcello. Pete precisava de um químico de drogas e recrutou Wayne. O ódio de Ward por Wayne Sénior aumentou. Ward lixou Sénior. Informou Wayne de que o seu pai o tinha mandado para Dallas.
Wayne cambaleou, agarrou-se ao vazio e mal se aguentou de pé. Wayne foi para a cama com Janice na casa do seu pai assegurando-se de que Wayne Sénior o veria.
“A Vida”, um nome. Um paraíso para mórmones acabados, químicos corruptos, assassinos de pretos.
Wayne Sénior divorciou-se de Janice. Bateu-lhe com uma bengala com ponta de prata para aumentar o valor do acordo. Desse dia em diante, Janice passou a coxear, mas continuou a jogar scratch golf. Ward Littell vendeu Las Vegas a Howard Hughes pelos preços inflacionados pela máfia e deu início a um caso amoroso esporádico com Janice.
Wayne Sénior melhorou o seu pull com Howard Hughes e aturou o antigo Vice-Presidente Dick Nixon. Dwight Holly saiu do Secretariado de Narcóticos e voltou para o FBI. O Sr. Hoover orientou Dwight para que fosse perturbar Martin Luther King e o movimento de direitos civis. Dwight utilizou Wayne Sénior em operações anti-Klan com fraude postal, que não passavam de um suborno para comover o pessoal da Justiça.
Wayne fabricava heroína em Saigão e fazia-a chegar a Vegas. Wayne perseguiu Wendell Durfee durante quatro anos. O país foi percorrido por motins e por uma praga de ódio racial. O Dr. King passou a perna ao Sr. Hoover em todas as frentes morais e derrotou o velho limitando-se a existir. O Sr. Hoover tinha tentado tudo. O Sr. Hoover queixou-se a Dwight dizendo-lhe que tinha feito tudo o que podia. Dwightsoube ler a deixa e recrutou Wayne Sénior. Wayne Sénior queria queWayne Júnior fosse integrado. Sénior achava que precisavam de umpólo de recrutamento. Dwight saiu e encontrou Wendell Durfee.
Wayne recebeu uma informação pseudo-anónima. Descobriu Wendell Durfee nos bairros degradados de L.A. e matou-o em Março.
A matança tinha sido montada. Dwight reuniu provas forenses e forçou-o a participar no crime. Wayne trabalhou com o pai, com Dwight, Freddy Otash e o atirador profissional Bob Relyea.
Diagnosticaram a Janice cancro em fase terminal. As pancadas que tinha levado tinham impedido uma detecção precoce da doença. O negócio de droga de Saigão fraccionou-se e desfez-se num caos. De um lado: gorilas da máfia e exilados cubanos doidos. Do outro: Wayne, Pete e um mercenário francês chamado Jean-Phillippe Mesplede. Abril e Maio foram em queda livre contínua. As eleições estavam no ar. King tinha morrido. Carlos Marcello e os rapazes decidiram abater Bobby Kennedy. Pete foi forçado a participar. Freddy O. veio recambiado do golpe de King. Ward Littell ainda andava a trabalhar na abordagem de Carlos e Howard Hughes. Ward tinha herdado um ficheiro contra a máfia. Tinha-o deixado a Janice por uma questão de segurança.
Wayne foi ver Janice a 4 de Junho. O cancro tinha-lhe tirado as forças e as curvas, e tinha-a tornado indolente. Fizeram amor uma segunda vez. Ela disse-lhe mais coisas sobre o ficheiro de Ward. Ele revistou-lhe o apartamento e encontrou-o. O ficheiro era muito detalhado. Denunciava em especial Carlos e a sua organização em New Orleans.
Wayne enviou-o a Carlos, juntamente com uma mensagem.
“Senhor, o meu pai planeava chantageá-lo com este ficheiro. Senhor, podemos discutir o assunto?”
Robert F. Kennedy foi morto a tiro duas horas depois. Ward Littell matou-se. Howard Hughes deu a Wayne Sénior o trabalho de Ward como contacto de ligação com a máfia. A sua primeira missão: comprar a lealdade do principal candidato republicano às eleições Dick Nixon.
Carlos chamou Wayne e agradeceu-lhe o alerta. Carlos disse: “Vamos jantar juntos.”
Wayne decidiu assassinar o pai. Wayne decidiu que Janice devia espancá-lo até à morte com um taco de golfe.
Carlos tinha uma suite em estilo romano de imitação. Um palerma vestido com uma toga fazia de centurião e deixou entrar Wayne. A suite continha colunas romanas de imitação e objectos artísticos do saque de Roma. Havia etiquetas com preços penduradas nas paredes.
Tinha sido preparado um bufete. O palerma sentou Wayne a uma mesa lacada gravada com as letras SPQR. Carlos entrou. Estava vestido com calções de seda justos e uma camisa de fraque manchada.
Wayne levantou-se. Carlos disse: – Deixe-se estar. – Wayne sentou-se. O palerma serviu comida em dois pratos e evaporou-se. Carlos serviu vinho de uma garrafa com tampa de enroscar.
Wayne disse: – É um prazer, senhor.
– Não finjas que eu não te conheço. És o tipo do Pete e do Ward, e trabalhaste para mim em Saigão. Sabes mais do que devias sobre mim, além das merdas todas que há nesse ficheiro. Conheço a tua história, que é uma história do caraças comparada com as histórias de outros palermas que tenho ouvido ultimamente.
Wayne sorriu. Carlos tirou dos bolsos dois bonecos de cabeça oscilante. Um boneco representava RFK. Outro boneco representava o Dr. King. Carlos sorriu e deu-lhes piparotes nas cabeças.
– Salud, Wayne.
– Obrigado, Carlos.
– Andas à procura de trabalho, certo? Não vieste aqui para um aperto de mão e um envelope.
Wayne provou o vinho. Era vinho especial comprado há pouco na loja de bebidas.
– Quero tomar o lugar de Ward Littell na sua organização, juntamente com o posto da organização de Hughes que o meu pai acaba de herdar de Ward. Tenho os contactos e aptidões necessários para o fazer, estou preparado para o servir em todos os meus negócios com o Sr. Hughes e estou ao corrente dos castigos que você impõe por deslealdade.
Carlos espetou uma anchova. O garfo escorregou. Salpicou azeite na sua camisa de fraque.
– Onde é que o teu pai vai estar no meio de tudo isto?
Wayne fez tombar o boneco de RFK. Um braço de plástico caiu.
Carlos coçou o nariz.
– Okay. Mesmo que eu seja super sensível a favores e capaz de gostar de ti, porque é que o Howard Hughes havia de ir buscar fora da sua própria organização cheia de lambe-botas com quem se sente à vontade um ex-chui de merda que anda por aí a matar pretos para se divertir?
Wayne estremeceu. Apertou o seu copo de vinho e quase lhe partiu o pé.
– O Sr. Hughes é um viciado em drogas xenófobo e consta que injecta narcóticos numa veia do pénis, e eu posso fabricar…
Carlos soltou uma risadinha e deu uma palmada na mesa. O seu copo de vinho tombou. Rebolaram grãos de pimenta. O azeite espirrou.
– … drogas que o podem estimular e tranquilizar e diminuir as suas capacidades mentais a um ponto que o torne muito mais vulnerável em todos os seus negócios consigo. Sei também que você tem um envelope muito gordo para Richard Nixon, caso ele seja nomeado.
O Sr. Hughes entra com 20%, e estou a planear rapar a reserva de líquido do meu pai e arranjar-lhe mais cinco milhões limpos.
O palerma da toga entrou. Trouxe uma esponja e limpou a toda a pressa o chiqueiro. Carlos fez estalar os dedos. O palerma da toga desapareceu.
– Voltando ao teu pai. O que é que Wayne Tedrow Sénior vai fazer enquanto Wayne Tedrow Júnior lhe dá o grande golpe no sítio onde mais lhe dói?
Wayne apontou para os bonecos, e depois para o céu. Carlos fez estalar os nós dos dedos.
– Está bem. Alinho.
Wayne ergueu o seu copo. – Obrigado.
Carlos ergueu o seu copo. – Recebes duzentos e cinquenta mais extras por ano, e passas já para o antigo posto do Ward. Preciso que controles as luvas de negócios legítimos a começar pelos empréstimos dos Fundos de Pensão dos Camionistas, para podermos fazer a lavagem desse dinheiro e encaminhá-lo para um fundo clandestino para construir hotéis-casinos algures na América Central ou nas Caraíbas.
Sabes do que precisamos. Precisamos de uns tipos maleáveis, anticomunistas do género el jefe, que nos obedeçam e reduzam esses protestos dissidentes de hippies merdosos a um burburinho. O Sam G. está agora a tratar disso. Limitámos o esquema ao Panamá, Nicarágua e República Dominicana. É essa a tua tarefa principal. Pões o assunto a rolar, e manténs o teu amiguinho da cabeça saltitona a comprar os nossos hotéis, e arranjas maneira de lá termos gajos infiltrados que nos possam espremer umas massas.
Wayne disse: – Aceito.
Carlos disse: – O Papá não te vai ver chegar.
Wayne levantou-se depressa demais. O seu mundo romano de imitação rodopiou. Carlos levantou-se. Tinha a camisa salpicada, quase ensopada.
– Eu dou-te cobertura.
Janice tinha uma suite em estilo de casbah de imitação no Dunes.
Wayne assegurava-lhe enfermeiros a tempo inteiro. Agora, Janice já não saía do hotel.
O enfermeiro do turno da tarde estava a fumar na varanda. A vista tinha algo de espectáculo de luzes e algo de névoa no deserto. Janice estava enfiada na cama, com o ar condicionado a fundo. Tinha o organismo descontrolado. Ou ficava semi-enregelada, ou semi-escaldante.
Wayne estava sentado ao seu lado. – Há um jogo de golfe na televisão.
– Acho que já vi golfe que chegue por muito tempo.
Wayne sorriu. – Touché.
– A reunião com o Hughes. Não está quase?
– Daqui a uns dias.
– Ele contrata-te. Vai perceber que tu és Mórmon, e que o teu pai te ensinou umas coisas.
– Bem, lá isso ensinou.
Janice sorriu. – Com quem te vais encontrar? O tipo do Hughes, quero dizer.
– Chama-se Farlan Brown.
– Eu conheço-o. A mulher dele era campeã do clube do Frontier, mas venci-a por nove e oito da única vez que joguei com ela.
– Wayne riu-se. – Mais alguma coisa?
Janice riu-se. Isso fê-la tossir e suar. Afastou as cobertas. A camisa de noite abriu-se. Wayne viu mais covas e pontos flácidos. Limpou-lhe as sobrancelhas com a manga da camisa. Ela esfregou o nariz no seu braço e mordeu-o na brincadeira. Wayne fez uma careta de dor fingida.
– Eu ia dizer que ele bebe e anda atrás de mulheres, como todos os bons mórmones. Há um deus para homens assim. Dançarinas, empregadas de bar e jantaradas.
O quarto estava gelado. Só de falar, Janice ficou ensopada. Mordeu o lábio. O sangue pulsava-lhe nas têmporas. Tocou na sua barriga.
Wayne via o percurso da dor.
Janice disse: – Merda.
Wayne abriu a sua pasta e preparou uma injecção. Janice estendeu o braço. Wayne encontrou uma veia, limpou-a com algodão e fez um torniquete manual. Espetou a agulha e injectou. De uma sacada. Ela crispou-se, e descontraiu-se. As suas pálpebras estremeceram. Bocejou e adormeceu.
Wayne verificou-lhe o pulso. Estava fraco e acelerado. O braço dela não pesava quase nada.
O L.A. Times estava aberto sobre a mesa-de-cabeceira. Apresentava um tríptico de fotografias: JFK, RFK, Dr. King. Wayne dobrou-o, tapando-as, e ficou a ver Janice dormir.
(Los Angeles, 6/15/68)
MULHERES:
Dois bandos de miúdas passaram pelo parque de estacionamento. As do primeiro grupo pareciam raparigas das lojas. Usavam tiras da Ivy League e penteados ondulados com laca. As do segundo grupo eram hippies puras. Usavam jeans com remendos, o emblema da paz e cabelos lisos compridos, que rodopiavam. Iam e vinham. Os motoristas acenaram. As raparigas das lojas acenaram de volta. As miúdas hippies fizeram o gesto do dedo aos motoristas.
Os motoristas puseram-se a uivar. Era o parque de estacionamento da Estação da Shell, na esquina de Beverly com Hayworth. Quatro bombas e uma loja/escritório. Três motoristas espreguiçavam-se nas suas cabinas.
Bobby Gallard tinha um Oldsmobile Rocket. Phil Irwin tinha um Chevy 409. Crutch tinha um GTO 65. Era o motorista novato. Tinha o melhor carro: um Hurst 390 de 4 velocidades, pintado de castanho-escuro.
Bobby e Phil estavam zonzos com a vodka do meio-dia. Crutch ainda estava meio apanhado pelo desfile de raparigas. Perscrutou a rua à procura de mais passantes. Népias – só umas velhas judias a correrem para a sinagoga.
De volta ao jornal. Que seca – mais paleio sobre James Earl Ray e Sirhan Sirhan. Que tédio – “América Chora” / “O Antro do Acusado do Assassinato”. Ray tresandava a mariquinhas. Sirhan tresandava a árabe. Eh, América. O teu choro anda desviado.
Crutch virou as páginas. Viu um desafio de boxe de júniores no Fórum e um anúncio chamativo – a Life Magazine oferece milhões de motorizadas pelo mealheiro de Howard Hughes! Uma ruiva passou. Crutch acenou para ela. Franziu a testa como se ela fosse um excremento de cão. Os motoristas emitiam máááás vibrações. Eram mal pagos e explorados indignamente. Ficavam pelo parque de estacionamento.
Aguardavam trabalho vindo de detectives rascas e advogados de divórcios. Perseguiam mulheres infiéis, arrombavam portas e tiravam fotos aos tolos em pleno acto. Era um trabalho de alto risco e de altas risadas, com grande dose de pele feminina. Crutch era novo no assunto. Apetecia-lhe saborear o trabalho para sempre.
O jornal tratava Howard Hughes de “bilionário recluso”. Crutch teve uma visão súbita. Podia passar fome horas sem fim e conseguir uma grande foto. Clic – um polaróide e toca a andar.
O parque dormitava. Bobby Gallard folheava revistas pornográficas e bebericava Smirnoff 100. Phil Irwin limpava o seu 409 com uma camurça.
Phil fazia vigilâncias e trabalhos menores para Freddy Otash. Freddy O. era um exímio extorcionista e gorila freelancer. Era ex-polícia de Los Angeles. Tinha perdido a sua licença de Inspector com um caso de dopagem de cavalos. Phil era o seu braço direito e cãozinho obediente.
O parque dormitava. Nenhum trabalho, nenhuma parola a passar, tédio de estação de serviço.
O tempo estava quente e húmido. Crutch bocejou e apontou o ar condicionado para os testículos. Isso arrebitou-o e fê-lo espetar a cabeça. Adeus incómodos de estação de serviço.
Tinha vinte e três anos. Tinha sido expulso do liceu Hollywood High por montar esquemas de câmaras escondidas no ginásio das raparigas. O seu pai vivia numa casa da Misericórdia perto de Santa Anita. Crutch Sénior mendigava, passava o dia a fazer apostas e alimentava-se exclusivamente de burritos de pastrami. A sua mãe tinha desaparecido a 6/18/55. Crutch tinha dez anos. Tinha-se levantado, tinha saído, e nunca mais tinha voltado. Mandava-lhe todos os anos um cartão de Natal e uma nota de cinco dólares, com carimbos de correio diferentes e sem remetente. Ele tinha elaborado o seu ficheiro pessoal de pessoa desaparecida. Enchia quatro grandes caixas. Matava o tempo a fazer isso. Ligava para várias partes do país pedindo verificações à polícia, aos hospitais, aos obituários. Parou com a sua pesquisa ao entrar para o secundário.
Nada – Margaret Woodward Crutchfield continuava completamente ausente. O trabalho de motorista tinha-lhe aparecido de repente. Tinha sido assim: Ele costumava andar com o seu colega de liceu Buzz Duber. Buzz partilhava da sua paixão por pequenos assaltos. Assaltos ligeiros, assim: Hancock Park. Grandes casas escuras. Tocas de meninas do Preparatório. Toc, toc. Ninguém em casa? Óptimo.
Entra-se sem se ser visto, leva-se uma pequena lanterna, passa-se por uns berços de peluche. Atravessa-se quartos de meninas e sai-se com conjuntos de lingerie.
Ele fê-lo algumas vezes com Buzz. Fê-lo imensas vezes sozinho.
O pai de Buzz era Clyde Duber. Clyde era um detective famoso. Trabalhava em casos de divórcio e livrava celebridades de sarilhos. Introduzia miúdos universitários em grupos de direita e punha-os a chibar actos subversivos. A polícia apanhou Crutch num roubo de cuecas. Apanharam-no com umas cuecas de renda pretas e uma sandes que tinha fanado no frigorífico de Sally Compton. Clyde pagou-lhe a fiança e mandou limpar-lhe o cadastro. Clyde arranjou-lhe trabalhos de motorista e de vigilância. Clyde dizia que espreitar pelas janelas era admissível, mas que excluía Assalto e Intromissão. Clyde dizia: – Eu pago-te para espreitares, miúdo.
O parque dormitava. Bobby Gallard pintou com spray uma cruz gamada no seu Oldsmobile. Phil Irwin matou algumas vespas com um mata-moscas. Crutch sonhou acordado com Howard Hughes. Divagação: assaltar o seu andar chiquérrimo com terraço! Entrar lá trepando com ganchos!
Um carro não identificado entrou. O parque de estacionamento retomou energia. Crutch viu de relance uma gravata em tecido xadrez vermelho e sentiu cheiro a piza.
Direitos ao assunto – Crutch seguiu Bobby e Phil. Scotty Bennett saiu do carro e sacudiu a circulação nas pernas. Tinha um metro e noventa. Pesava 105 kg. Trabalhava na polícia de Los Angeles, na secção de Assaltos. Tinha números 18 espetados na gravata.
O assento de trás estava coberto de grades de cerveja e pizas. Bobby e Phil saltaram lá para dentro e serviram-se. Crutch olhou para dentro do carro e verificou o painel. Ainda lá estavam: as fotos da cena do crime, coladas com fita-cola e amareladas.
A obsessão de Scotty: aquele grande assalto ao carro blindado. Inverno de 64. Ainda por resolver. Guardas assassinados e assaltantes queimados – ainda por identificar. Sacos de dinheiro e esmeraldas saqueados.
Scotty apontou para as fotografias. – Enquanto eu for vivo. Crutch engoliu em seco. Scotty tinha sempre um ar gigantesco. Trazia dois .45 e uma terceira arma numa correia. Bobby e Phil beberam a cerveja sofregamente e devoraram a piza. Transformaram o assento de trás num passeio de jardim zoológico. Crutch apontou para a gravata de Scotty.
– Da última vez, eram 16.
– Dois homens negros assaltaram uma loja de bebidas na esquina da 74ª com Avalon. Eu estava por acaso ao fundo da loja, a segurar numa metralhadora Remington.
Crutch riu-se. – É um recorde, não é? Tiros fatais no cumprimento do dever?
– É verdade. Tenho mais seis do que o meu concorrente mais próximo.
– O que é que lhe aconteceu?
– Foi morto a tiro por dois homens negros.
– E o que é que lhes aconteceu?
– Assaltaram uma loja de bebidas na esquina de Normandie com Slauson. Eu estava por acaso no fundo, a segurar numa metralhadora Remington.
O ar cheirava a queijo azedo e spray desodorizante. Scotty torceu o nariz. Phil estava agachado a comer, com as pernas sobre o pavimento. Tinha as calças esticadas para baixo. Via-se a racha do rabo.
Scotty puxou-o para cima pela cintura.
Phil foi pelos ares. Phil estava com aquela expressão de “Salvem-me” que Scotty inspirava. Phil aterrou no chão pelos pés e ficou a prestar atenção. Bobby engoliu em seco e fez o mesmo. Scotty piscou o olho a Crutch.
– Ando à procura de dois homens brancos que andam num T-Bird 62 azul pálido com abas azuis escuras. Andam a assaltar churrascarias, andam a roubar recibos, andam a fazer reféns de patrocinadores e a forçar mulheres a fazer-lhes broches. Agradeço que vocês mantenham os olhos bem abertos.
Crutch disse: – Descrições físicas?
Scotty sorriu. – Usaram máscaras. As vítimas femininas descreveram-nos como sendo “normalmente apetrechados”.
– “Apetrechados” – hã? – Bobby e Phil abriram muito as bocas.
Crutch fez um pequeno sorriso. Scotty agarrou nos restos de piza e cerveja e atirou-os para cima dele. Um pedaço de salsicha acertou no casaco do fato de Scotty. Phil estremeceu e sacudiu-a.
Scotty entrou no seu carro e zarpou em direcção a leste. Crutch avistou uma loira nas bombas de gasolina.
Phil disse: – Ele acha-se muito forte, mas eu conseguia vencê-lo.
O parque de estacionamento voltou a dormitar. Bobby apareceu com um esquema. O seu advogado judeu de estimação apareceu e deu-lhe os tópicos. É um esquema para tramar um homem casado com uma puta. O cliente é a mulher. Aluga um quarto num hotel rasca e vai ter com o marido ao seu bar favorito. Arranja um encontro casual.
Arranja-me fotos e filme.
Buzz Duber passou por lá. Crutch falou-lhe do negócio com Hughes. Buzz teve uma visão. Disse que conhecia um preto anão.
O tipo fazia papéis de pigmeu em cenas de selva. Podiam metê-lo na toca do Howard Hughes num carrinho do serviço de quartos.
Freddy Otash passou por lá. Tinha perdido algum peso. Pôs-se a gabar um hotel para jogadores menores que tinha comprado em Vegas.
Pespegou um trabalho de vigilância. Phil foi-se embora de carro, meio pedrado.
Crutch e Buzz ficaram zonzos com demasiada cerveja e piza. Crutch teve visões de Dana Lund sob a suave luz de uma janela, durante o sono.
Com o seu Cadillac com pinta de caiaque judeu. Com o seu penteado frisado e o seu fato de dandy inglês. Com a sua fixação marada por arte das Caraíbas.
Weiss disse: – Tenho uma cena de panasca para ti. O gajo gosta de comer filipinos bem apetrechados, e arranjei um mutante com uma pila de 26 centímetros. A mulher quer o divórcio, e quem a poderá censurar?
O marido tinha um quarto para fodas no Ravenswood. Crutch levou uma Rolleiflex com suporte para flash. Buzz levou sapatos de arrombar portas.
O Mutante encontrou-se com eles no hall de entrada. Tinha a chave da porta. Crutch ficou irritado. Estava ansioso por umas cenas de portas arrombadas. Organizaram-se. Crutch disse ao Mutante que pusesse rapidamente o marido em acção. Buzz disse-lhe que arranjasse uma iluminação decente. O Mutante pediu-lhes que o seu coiso aparecesse na foto. Ele prestava serviços a cônjuges de ambos os sexos. Queria mais trabalhos de divórcios. Queria divulgar o seu estatuto de bem fornecido.
Combinaram uma contagem de quatro minutos. O Mutante zarpou para o apartamento 311. Crutch mexericou na máquina para verificar que estava tudo pronto. Buzz contou os segundos com um cronómetro.
10, 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1 – partida.
Correram pelas escadas acima. Atravessaram corredores e encontraram o 311. Buzz abriu a porta. Crutch ergueu a máquina fotográfica. Seguiram grunhidos amorosos até uma porta e entraram. Era tudo à grega. O Mutante estava a esguichar o marido suíno com o seu pedaço monstro de carne bem à vista. Crutch pôs-se a disparar.
Pop pop pop pop – o quarto ficou encandeado à luz do flash. O marido gemeu a frase-tipo para cena maricas Como é que pudeste fazer isto?
O Mutante enfiou as calças e saiu pela escada de incêndios. Buzz viu um saco de erva em cima da cómoda e levou-o. Crutch pensou, Isto é que é vida.
Buzz disse: – Aquilo devia ter um metro de comprimento.
Crutch disse: – Mais coisa menos coisa. Lembra-te, o Chick Weiss deu-nos a medida.
Clyde Duber disse: – Podíamos tornar a usá-lo. Ficaste com o número?
Buzz disse: – Podemos encontrá-lo através da Screen Actors Guild. Anda a fazer o papel secundário num programa de televisão qualquer.
Escritório de Clyde Duber, Beverly Hills. Paredes cobertas de pinho nodoso, troféus de golfe e couro vermelho. Topem o friso da parede: Vinha do tal assalto ao carro blindado. Clyde era obcecado pelo assunto. Aquele caso era uma espinha na sua garganta. Havia uma factura manchada de tinha emoldurada. Havia fotos emolduradas de corpos queimados e esmeraldas espalhadas. Havia o Sargento Scotty Bennet. Estava a prender dois homens negros.
Clyde tinha um ficheiro amador sobre o caso. Era o seu projecto de estimação. Scotty fornecia-lhe uns acepipes. Clyde adorava as gravações de saunas de Scotty. Ouviam-se homens negros a berrar.
Crutch disse: – O Freddy Otash comprou um hotel em Vegas.
Clyde serviu-se de um whisky triplo. – O Freddy é um merdas. Andam a circular boatos, e é tudo o que tenho a dizer.
Buzz disse: – Conta ao Papá a cena do Hughes.
Crutch coçou os tomates. – A Life Magazine oferece um milhão de dólares por uma foto do Howard Hughes. Acho que conseguimos fazê-la.
Clyde fez sinal para que desandassem. Uns miúdos – eram o fardo deste homem branco. Miúdos motoristas, miúdos infiltrados, miúdos de vigilâncias.
Buzz sacudiu Crutch. – Tens planos para esta noite?
– Pensei em dar uma volta de carro.
– Merda. Vais-te pôr a espiar a Chrissie Lund.
Clyde disse – Quem é a Chrissie Lund?
– É uma caloira da Universidade da Califórnia. O Crutch está gamado nela.
Clyde sordeu whisky. – Não faças nada que eu não fizesse. Como um assalto e intromissão no 459 PC.
Crutch corou e olhou para o friso da parede. Lembrete: comprar uns laçarotes em tecido xadrez e fazer um corte de cabelo à Scotty Bennett.
Buzz borrifou o seu whisky com gasosa. – Arranja-nos um trabalho de infiltrados, Papá. Manda-nos para um grupo de comunas.
– Nada disso. São verdes demais e têm um aspecto quadrado demais. Para essas cenas funcionarem, é preciso saber falar ao estilo dos comunas. Vocês não sabem nada sobre a luta de classes. Só sabem dessa boazona universitária que não conseguem comer.
Buzz riu-se. Crutch corou. Lembrete: estudar o ficheiro e procurar mais monstros chupadores do Scotty.
– Quem paga esses trabalhos de infiltração?
Clyde atirou com a cadeira para trás. – Tipos de direita com pilim. São todos doutores e reis. Há o Dr. Charles S. Toron, o Rei Eugénico. Há o Dr. Fred Hiltz, O Rei dos Panfletos Racistas, e o Dr. Wesley Swift, o Rei da Bíblia Nazi.
Buzz disse: – O Dr. Fred é um dentista. Os outros tipos têm cursos por correspondência, como todos esses pregadores pretos.
Clyde disse: – Dentista banido. Ficou viciado em cocaína anestésica e começou a lixar os dentes das pessoas.
Crutch pensou em Dana Lund. Lembrete: pensar em levar uma grande angular. Buzz sacudiu o saquinho de erva. Clyde revirou os olhos – miúdos.
– Isso lembra-me que o Dr. Fred tem um trabalho para nós. Uma mulher roubou-lhe dinheiro e desapareceu.
Buzz olhou para Clyde. Crutch olhou para Clyde. Ambos os olhares queriam dizer Eu. Clyde atirou uma moeda ao ar. Buzz disse coroas. A moeda chegou ao chão mostrando caras.
Crutch tinha um poiso nos Apartamentos Vivian. Era uma residência rasca mesmo a sul da Paramount. Viviam lá assistentes de som e de plateau. Pequenos dealers faziam negócios de hora de almoço num recinto fechado. Crutch tinha toda a sua tralha amontoada em dois quartos.
A sua tralha de arquivos, a sua tralha de material fotográfico, a sua tralha de carros, a sua tralha de escutas. Clyde tinha-lhe ensinado a fazer vigilâncias. Tinha fios de telefone e de electricidade amontoados por todo o lado. Tinha um monte inteiro de revistas Playboy. Tinha exemplares da Car Craft desde 52. O seu papel de parede consistia em quarenta e uma Playmates da Playboy.
Instalou-se para aquela noite. Actualizou os seus apontamentos sobre o último paradeiro conhecido da sua mãe. Natal de 67 – Margaret Woodward Crutchfield escreve de Des Moines. Todos os registos conhecidos conferem: nada. Recuando a 66 – um cartão de Natal de Dubuque. Todas as cidades de permeio, todos os registos conferem, nada.
Crutch ficou inquieto. Buzz estava sabe-se lá onde, pedrado com sabe-se lá o quê. Buzz tinha um lado mau que lhe faltava. Buzz andava com um falso crachá da polícia e fazia pressão junto das putas. Isso não. Era melhor conter-se.
Lá fora estava calor. Preparava-se uma tempestade de verão. Crutch foi dar uma volta de carro. Deu a volta por Hollywood Boulevard até ao Strip. Olhou para as pessoas. As raparigas de cabelo comprido provocavam-no e os rapazes de cabelo comprido irritavam-no. Pôs-se à procura do tal Bird 62 e dos bandidos brochistas do Scotty. Viu dois maricas num Bird 62 e nada mais.
Virou a leste para Hancock Park. Desligou os faróis e virou na esquina da 2ª com Plymouth. Aquela grande casa espanhola esperava-o.
Tremeluzia luz nas janelas, em cima e em baixo. Viu Chrissie com uma sweatshirt da USC, de relâmpago. Depois desapareceu. Viu Dana prender atrás o cabelo na cozinha.
Buzz não entendia. Ninguém entendia. Era por isso que nunca contava a ninguém. Não era Chrissie Lund. Era sempre Dana Lund, e ela tinha cinquenta e três anos.
(Washington D.C., 6/16/68)
ESCARUMBAS:
O restaurante estava cheio deles. O Sr. Hoover fez um cálculo de cabeça. Dwight viu os seus olhos piscarem. Criados de cor, negociante político de cor, craque de baseball de cor. O velho maricas estava fragilizado. Ia sorvendo a sopa com mariquice. Tinha perdido um pouco de ritmo, o cérebro ainda brilhava, os circuitos funcionavam a ÓDIO.
Restaurante Harvey, no centro de D.C., na hora de ponta do almoço. Um local chave para se ser visto. Muitas piscadelas de olho em circulação.
O Sr. Hoover disse: – Foi o Wayne Tedrow Jr. que matou o Wayne Tedrow Sr?
– Sim, senhor. Foi ele.
– Desenvolva, por favor.
Dwight empurrou para trás o seu prato. – Carlos Marcelo subornou a polícia de Las Vegas e o médico-legista de Clark County. Um homicídio por espancamento foi diagnosticado como ataque de coração.
O Sr. Hoover sorriu. – O ataque podia ser devido ao golfe.
Dwight acendeu um cigarro. – Não vou pedir mais detalhes, Senhor. Resta-me elogiar as suas fontes e avançar.
– O Capitão Bob Gilstrap e o Tenente Buddy Fritsch inspeccionaram a cena do crime. Sabiam da contenda entre Tedrow Pai e Filho, e ambos estão sob o jugo do Sr. Marcello.
– O Sr. Marcello é um óptimo amigo da comunidade das forças da lei do Nevada, Senhor. Manda cestos de prendas pelo Natal.
O Sr. Hoover exultou. – A sério?
– Sim, Senhor. As fichas de casino com fundo falso e as notas de cem dólares.
O Sr. Hoover reluziu. – O Júnior participou em operações recentes em Memphis de que possas ter ouvido falar?
Dwight piscou o olho. Não vou dizer nada. O Sr. Hoover arrancou um pedaço de torrada e enxotou um criado.
– Você é um homem eloquente, Dwight. Compreende o seu público e joga com ele de modo inimitável.
– Limito-me a tirar partido de si, Senhor. Não é nada mais do que isso.
Acção entre escarumbas do lado esquerdo. Um criado preto estava a dar manteiga ao preto do baseball. O Sr. Hoover desligou-se do conversador e sintonizou-se nos pretos. Tinha setenta e três anos. A respiração entrecortada. Sangrava das cutículas. Vivia de digitalis e anfetaminas de aplicação cutânea. Um tal Dr. Feelgood fornecia-lhe injecções diárias.
Clic – já está de volta. Clic – já está consigo outra vez.
– Os nossos outros homicídios. Os mais rascas e mais investigados que possam gerar falatórios.
Dwight esborrachou o seu cigarro. – Ray e Sirhan são psicopatas, Senhor. As declarações deles confirmam a sua paranóia, e o público americano tem vindo a contar com grandes falsidades por parte dos seus assassinos. Vai haver falatórios, mas com o tempo serão substituídos pela indiferença pública.
– E os Tedrows? Fomos expostos nesse caso? Tranquilize-me o mais descontraidamente que souber.
Dwight disse: – A morte do Sénior não tem nada de suspeito. Sim, ele dirigia operações do Ku Klux Klan para nós, mas isso nunca se tornou público. Sim, ele espalhava panfletos racistas, mas nunca foi tão publicamente vulnerável como o nosso compincha dos panfletos racistas, o Fred Hiltz. Sim, foi designado para substituir o posto do Ward Littell para o Howard Hughes, o que pode ter dado azo a especulações.
Sim, acho que agora o Júnior vai ter esse posto. E não, não acho que nada disso nos possa expor de modo significativo.
O Sr. Hoover disparou o seu último pedaço de torrada. A sua mão tremia. Alguns políticos que iam de mesa em mesa observaram-no.
– Poder. Terá sido esse o motivo do Júnior?
– Eu conheço-o desde sempre, Senhor. Acho que “ódio totalmente justificado” é uma melhor descrição.
Um pregador preto foi apoiar os políticos. Circularam risadas e palmadas nas costas. O tipo usava botas de cowboy com o seu traje de clérigo. Dwight reconheceu-o. Apresentava concursos de televisão sobre uma doença de pretos qualquer e apoiava merdas esquerdistas.
O Sr. Hoover disse: – O Príncipe Bobby e Martin Luther King foram-se, deixando os moralmente enfraquecidos desconsolados e fornecendo aos sãos um alívio caloroso. A Operação Black Rabbit não obteve os resultados que esperávamos e andam sem dúvida a rodopiar por aí nuvens tóxicas de nacionalismo negro. Gostava que contactasse com o Partido dos Black Panther e com os United Slaves, também conhecidos por “US”, como alvos potenciais para uma acção de desestabilização. Estou a pensar numa acção Cointelpro1 intensa.
Também há em Los Angeles duas cabalas de importância menor que talvez mereçam ser observadas. Fixe os seus nomes sinistros: A Aliança da Tribo Negra e a Frente de Libertação dos Mau-Mau.
Dwight sentiu arrepios. – Tenho uma informadora em L.A. Posso lá ir de avião e falar com ela.
– Ela, Dwight? A informadora confidencial do Bureau número 4361?
Dwight sorriu. – Sim, Senhor. Podemos estar a precisar de um infiltrado, e ela conhece o mais pequeno traidor de esquerda em cativeiro.
– Todos os esquerdistas deviam viver em cativeiro.
– Sim, Senhor.
– Os Mau-Maus eram uma seita canibal africana sem piedade. Fornicavam com babuínos e comiam os filhos.
– Sim, Senhor. Ouvi falar deles.
– O seu conhecimento não me surpreende. Você é o meu assassino obediente formado em Yale.
Ele vivia em suites de hotéis. Os agentes móveis tinham esquemas pagos pelo FBI em todo o país. Ele gostava do Statler em L.A. e do Sheraton de Chicago. O Mayflower de D.C. era falsamente chique. O serviço de quartos era decadente, os canos chiavam, a cama rangia.
Os seus ficheiros de estudo e bilhetes de avião estavam ali sobre a secretária. O Sr. Hoover tinha-os mandado entregar durante a hora do almoço. Panthers/US/Mau-Mau/Tribo. O Sr.Hoover quis isto. O voo para L.A. partia daí a duas horas.
Dwight engraxou os sapatos, limpou a arma e fez elevações na barra da porta. Estas tarefas mesquinhas acalmavam-lhe os nervos e permitiam-lhe manter-se a uma bebida por noite. Estava gelada. O RFK era inteiramente obra do Carlos. Era o seu sonho húmido. Sirhan Sirhan quase se babava. Nunca tinha identificado Otash com credibilidade.
Jimmy Ray tinha levado um balázio no aeroporto de Londres.
Os problemas de extradição iam alastrar. Jimmy falaria – isso era certo. Otash introduzia-o nos círculos. A história de Jimmy ia pegar que nem fogo de artifício.
Pete ia aguentar. Otash ia aguentar. Havia de prevalecer o consenso do louco isolado. O Sr.Hoover havia de cortar rente todas as opiniões divergentes. O único factor rebelde era o miúdo.
– Conheço-o desde sempre, Senhor. E o pai dele e o meu pai, e o Indiana lá ao longe.
O seu pai era “Papá” Holly, um novo-rico nativista e executor do Klan. Papá Holly tinha enriquecido a vender recordações do Klan durante a época de sucesso do Klan nos anos 20. Papá tinha criado os seus filhos Dwight e Lyle fora do casamento e tinha enviado Louisa Dunn Chalfont de volta para o Kentucky. Dwight e Lyle tinham crescido em campos do Klan. O Papá tinha-os ensinado a escrever com “K” todas as palavras duras começadas por “C”.
Papá odiava judeus, papistas e pretos e entendia o Klan como um refúgio.
Papá subiu ao posto de Ciclope Enaltecido. Papá vendia kustom Klan robes (togas do Klan), Klan kid’s klothes (roupas do Klan para criança) e kanine kouture (roupa canina). Papá enriqueceu. A expansão dos anos 20 apoiou-o. Um esquema de violação e suicídio descarrilou-o. O seu mentor, Grande Dragão, atacou uma jovem num comboio.
Ela bebeu mercúrio e matou-se. A história foi amplamente divulgada nos jornais. A censura fanática deitou o Klan abaixo. Políticos protegidos pelo Klan foram despedidos em massa. Papá procurou novas oportunidades e investiu amplamente em acções. A sua fortuna não parou de aumentar até à Terça-Feira Negra.
Nessa altura, Dwight tinha doze anos. Lyle tinha nove. Tinham perdido a sua grande casa em Peru, no Indiana, e tinham-se mudado para a Lixolândia. Papá começou a ignorá-los. Papá arranjou um protegido: um tipo mais novo chamado Wayne Tedrow. Imaginavam esquemas para enriquecer depressa e distribuíam panfletos racistas.
Aqueles parolos do Indiana iam buscar as falas e insultos dos balões dos cartoons ao Franklin Traidor Rosenfeld. Wayne Tedrow fez um filho com uma rapariga local, por volta de 1934. Wayne Júnior era um miúdo brilhante com queda para a química. Dwight considerava-o como um irmão mais novo, ou filho, vindo da origem deles.
Papá Holly pifou em 39. A cirrose levou-o. Wayne Sénior criou Wayne Júnior em Peru. Largou a sua primeira mulher e casou com uma interesseira chamada Janice Lukens. Dwight e Lyle arranjaram empregos sem interesse e entraram para a universidade. Dwight entrou para a Faculdade de Direito de Yale. Lyle entrou para a Escola de Direito de Stanford. Wayne Sénior levou a família para o Nevada e enriqueceu com racismo e bens imobiliários. Dwight entrou para os marines, foi apurado e matou japoneses em Saipão. Lyle entrou para a Marinha, foi apurado e matou japoneses em barcos. Dwight juntou-se ao FBI em 46. Lyle entrou para a polícia de Chicago em 47. Ambos se mantiveram em contacto com os Tedrow.
Wayne Júnior tornou-se estudioso e aventureiro. Prestou serviço no 82º Batalhão Aéreo no final dos anos 50 e tirou um diploma em química.
Dwight arranjou trabalhos de escritório temporários e desenvolveu uma relação com o Sr. Hoover. Quase faliu no início de 57.
O Sr. Hoover concedeu-lhe uma pequena moratória. Lyle demitiu-se da polícia de Chicago. O Sr. Hoover deu-lhe um trabalho a tempo inteiro.
Aproximou-se de Martin Luther King. Infiltrou-se e corrompeu a Conferência de Líderes Cristãos Sulistas.
Lyle fez os possíveis. Lyle falhou. Lyle falhou porque gostava bastante de Martin Luther King e porque Martin Luther King era imparável.
Wayne Júnior entrou para a polícia de Las Vegas. Dwight foi transferido para o Gabinete Federal de Narcóticos. Trabalhou nos escritórios do Nevada do Sul e passava tempo com Wayne Sénior. A vida de Wayne Sénior implodiu em Dallas. Resultou disso uma grande caça ao preto. Wayne Júnior eliminou três pretos que Dwight era suposto inculpar. Pois. Gostava do miúdo. Mas velhas amizades não são desculpa.
Não se atraiçoa o Agente Dwight C. Holly. Ele foi atrás de Júnior. Ward Littell e Pete Bordurant intercederam. Wayne Júnior livrou-se dos pretos. Ward e Pete puxaram cordelinhos para Dwight e forjaram umas tréguas ligeiras. Dwight foi nomeado inspector-chefe do Gabinete do Nevada do Sul. Não ficou lá muito tempo.
O emprego aborrecia-o. O Sr. Hoover tornou a levá-lo para o FBI.
Lyle matou-se em Agosto de 65. Foi ligeiramente suspeito. Nessa altura Ward Littell estava escamado com Lyle. Onde quer que fosse, Ward espalhava sofrimento e às vezes tornava menores sofrimentos fatais. Lyle Dunn Holly, morto aos quarenta e cinco. Um bêbedo, um jogador e um mulherengo. Um homem de boa natureza que se dispersou demais.
O Dr. King e o Sr. Hoover divergiam. Era um raio de um urso pardo contra um chihuahua. O Dr. King era um comunista ferrenho.
O Sr. Hoover era um conservador ferrenho. O Dr. King fodia mulheres com prazer. O Sr. Hoover coleccionava antiguidades e pornografia antiga. A Histór