Ricardo Leão está de saída da FAUL. Na direção do PS assegura-se que a sua demissão “não tem nada que ver com o artigo” assinado por António Costa no Público, mas a decisão deve, ao que a VISÃO apurou junto de fontes socialistas, ser anunciada poucas horas depois de ser publicado o texto que sai “em defesa da honra do PS” que Costa considera ter sido atacada pela ideia de retirar casas municipais a quem se envolveu nos tumultos que se seguiram à morte de Odair Moniz, um cidadão morto pela polícia na Cova da Moura.
Depois de dias a tentar resistir à pressão, Ricardo Leão deve sair pelo seu próprio pé. Pedro Nuno Santos demarcou-se do que disse ser “um momento menos feliz” de Leão, mas na cúpula do PS entendeu-se sempre que o líder da FAUL só poderia sair pelo seu próprio pé e que não poderia ser o secretário-geral a fragilizá-lo.
Esse entendimento de Pedro Nuno Santos fê-lo gerir o caso com pinças. Dando espaço a que, num primeiro momento, fosse Ricardo Leão a avançar com um comunicado para esclarecer a sua posição, atenuando-a. Só dois dias mais tarde, quando confrontado com os jornalistas durante uma visita ao Bairro do Zambujal, Pedro Nuno considerou que as palavras de Leão não condiziam com a matriz do PS. Mas a demarcação que fez foi considerada fraca por quase todos os que (dentro e fora do PS) se indignaram por ter um socialista a votar uma recomendação do Chega na Câmara de Loures.
Ricardo Leão divide socialistas
O desconforto com as palavras de Ricardo Leão percorreu o PS de alto a baixo, mas não é unânime no partido. Figuras como Alexandra Leitão, Filipe Neto Brandão, Isabel Moreira ou Cláudia Santos foram particularmente duras no ataque à forma como Leão admitiu sanções que, por penalizarem duplamente quem comete um crime, são inconstitucionais. Mas também há quem no partido o defenda, embora sem o querer assumir.
“A posição [de Ricardo Leão] é mais comum entre autarcas socialistas do que se possa pensar”, diz à VISÃO uma fonte socialista, que condena o “claro momento infeliz” do autarca de Loures, mas critica também aqueles que o atacaram duramente na praça pública.
“Tem de haver uma aprendizagem e uma capacidade de não perder estas pessoas”, defende a mesma fonte, garantindo que Leão “tem a consciência” de ter pisado o risco, mas “tem um histórico de um discurso mais autoritário nos apoios sociais”, ao qual muitas pessoas aderem mesmo dentro do PS. “Os autarcas confundem o que as pessoas sentem com a posição institucional de uma câmara. E isso não pode acontecer”.
Numa reunião da concelhia do PS Lisboa na segunda-feira à noite, sobre Orçamento do Estado, o tema Ricardo Leão dominou as conversas de bastidores. Mas uma intervenção do líder do PS Lisboa, Davide Amado, mais ou menos nos termos da que Pedro Nuno Santos tinha feito, acabou por fazer com que o assunto não fosse alvo de mais nenhuma intervenção.
Ainda assim, para quem estava presente na reunião foi notório o desconforto com as palavras de Leão entre os militantes da concelhia lisboeta. Um desconforto que não é tão grande noutras zonas da distrital, nomeadamente em Loures.
Ricardo Leão chegou mesmo a cancelar uma reunião que tinha previsto com autarcas de Lisboa para discutir as suas polémicas declarações.
Um histórico de polémicas
Ricardo Leão, que fez todo o percurso no partido desde a JS, vem de uma família da classe média de Loures e tem efetivamente um histórico (até recente) de um discurso musculado sobre políticas sociais.
Defendeu já, por exemplo, em 2022 que as crianças cujos pais não pagam as refeições escolares não devem comer. “Não se pode permitir que [os encarregados] não consigam pagar dez euros por mês, mas depois vemos as pessoas a tomar o pequeno-almoço na rua todos os dias e a fazer a vida que fazem. Comigo não há hipótese”, disse, admitindo que os menores pudessem receber esse apoio apenas depois de uma análise feita por um assistente social.
“O que vamos fazer é o seguinte: se a criança, ou o pai e a mãe, não pagam a refeição, vai ter que ser feita uma avaliação por uma assistente social. Se a assistente social disser que tem que continuar, continua-se. Se disser que há condições e que o pai e a mãe não pagam só porque se aproveitam da fragilidade do sistema, então aí a criança não come“, defendeu.
Ricardo Leão também defendeu a ideia de Carlos Moedas, muito atacada no PS, de pôr a Polícia Municipal de Lisboa a fazer detenções, apesar de um parecer da Procuradoria-Geral da República defender que não é um órgão de polícia criminal e pode apenas dar voz de prisão a quem seja apanhado em flagrante delito. “Digo com toda a frontalidade, a mim o que me importa é que a segurança na rua seja efetiva, e seja atuante”, disse numa entrevista ao Público e à Rádio Renascença na qual afirmou concordar com Moedas, numa posição que tinha sido duramente criticada pelo PS.
Nessa mesma entrevista Ricardo Leão fez outra declaração que não caiu nada bem no PS Lisboa ao defender que Duarte Cordeiro era o “único nome que poderia abanar” Carlos Moedas na corrida à capital. Uma afirmação que fragiliza o PS, porque Cordeiro decidiu afastar-se de cargos políticos enquanto decorrer o processo da Operação Tutti Frutti no qual foi alvo de buscas.
Apesar de tudo isso, Ricardo Leão foi o único candidato à FAUL nas últimas eleições federativas. Sem adversário, teve 97% dos votos. E lidera aquela que é uma das maiores câmaras nas mãos dos socialistas, no distrito de Lisboa o PS também tem Sintra mas o presidente é o independente Basílio Horta.