Já são muitos anos a ouvir a Sónia Calheiros, sentada a duas cadeiras de mim, a suspirar pelos pratos que o chefe Tanka Sapkota enche de trufa branca de Alba, assim que chega a época dela, algures em novembro. Desta vez, não houve cá tréguas, nem camaradagem: colei-me. Ou melhor, ela levou-me ao almoço anual que o nepalês, radicado em Portugal há mais duas décadas, oferece aos jornalistas para mostrar as receitas que acrescenta à sua lista do Come Prima, ali perto da Avenida Infante Santo, em Lisboa, um dos três restaurantes italianos que tem na capital.
E finalmente percebo os suspiros. Que em direto, revelo em primeira mão, se transformam em gemidos de prazer. Não há outra forma de explicar aquilo que ouvi naquela mesa especial, montada logo à entrada do restaurante, qual Última Ceia. Não será por acaso que o chefe avisa, ainda antes de nos sentarmos, que existem pessoas que morrem pelo seu taglerini – eu era capaz de pedi-lo para uma última refeição, caso soubesse que morreria amanhã.
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Mas vamos com calma, que a refeição ainda nem começou e, até ver, ainda aqui ando. Por agora, estamos de Murganheira 2009 na mão (monocasta Touriga Nacional), a ouvir o chefe dizer que no centro da mesa, dentro daquela campânula, que parece guardar um tesouro, estão 1,2 quilos de trufa branca de Alba. Na realidade, trata-se de algo muito valioso, porque o quilo pode chegar aos três mil euros. “O que estão a ver dá para, no máximo, até hoje à noite. Estamos completamente cheios.” Depois, Tanka terá de recorrer ao seu caçador de sempre – tem o diploma de cavaleiro das trufas brancas e vinhos de Alba – para conseguir manter quatro pratos na ementa, até dia 7 de dezembro. O prémio é bem merecido, já que trabalha este produto especial, desde 1992.
Antes de o arranque oficial do almoço, o chefe traz para a mesa um mimo, muito potente. Trata-se de uma receita do norte de Itália, com queijo, manteiga e natas – salpicada por trufas, laminadas ao momento, claro. Escreva-se agora que, sempre que Tanka pega num pedaço de trufa que está na mesa, fá-lo com luvas de cirurgião, e depois percorre a mesa, de laminador na mão, sendo bastante generoso com a quantidade de lascas que solta para os nossos pratos.
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Agora é a sério, que a partir deste momento, o que comemos, todos podem comer se forem ao Come Prima até 7 de dezembro. O primeiro prato a chegar é o ovo biológico, cozido a baixa temperatura (64 graus), para temperar com flor de sal e esperar pela dádiva (€34,90). “Este é o meu ovo especial, o melhor companheiro da trufa”, diz Tanka. Concordamos em absoluto, só porque alguns de nós ainda não tínhamos conhecido o outro companheiro perfeito para apreciar este fungo tão especial.
Mas eis que ele surge à mesa: o taglerini, que consta na lista como Tajarin, uma espécie de esparguete mais achatado ou um tagliatelle mais fininho, como preferirem (€41,50). O que importa é que esta massa, disposta em novelo, cozida durante dois escassos minutos e servida apenas com manteiga, casa mesmo bem com as lâminas de trufa que cobrem o montinho. Rita, a mulher do chefe, sempre presente, ajuda a envolver tudo no prato de sopa em que nos servem. Os sabores aqui têm de estar bem misturados, para que a experiência seja perfeita. “Há clientes que nos pedem para termos este prato todo o ano, com trufa preta, só para matarem saudades”, conta, confessando-se, ela própria, como grande fã desta receita.
É então, quando os garfos enrolam a massa e começam a dirigir-se à boca, que se soltam mais gemidos e cada vez menos palavras, como aconselha o chefe, enquanto faz mais uma ronda à mesa, de laminador em punho: “Quando há trufa no prato, não é para falar”.
Ainda estamos todos a recuperar deste shot de felicidade, quando vemos mais um prato a sair da cozinha. Tratam-se de uns escalopes de vitela muito jovem, fritos em manteiga (€49,90), que são borrifados com trufa. Ao todo, quantos gramas já teremos ingerido? Não vale a pena fazer já as contas: a seguir ao tiramisu, o chefe traz um zabaione, avisando que há quem ache que é viagra e quem fique com a cara muito vermelha, depois de se deliciar com ele.
Nunca saberemos de onde vem o calor de que tanto se queixou a Sónia Calheiros, quando chegámos finalmente à redação: se do aroma inebriante das trufas, se do vinho branco e tinto, se do Limoncello, que ela soube muito bem recusar. Prefiro dar razão ao chefe e pensar que foi do creme espesso, que rematou esta refeição. É que não podemos esperar sair incólumes de uma sobremesa que leva conhaque italiano, açúcar e gemas – e trufas, pois claro.
Come Prima > R. do Olival, 258, Lisboa > T. 21 390 2457 > seg-sáb 12h-15h, 19h-23h, sex-sáb até 24h. Reserva obrigatória para a temporada da trufa branca até 7 de dezembro