“A MISÉRIA NÃO ERA ASSIM TANTA…”
Embora ainda não tenha ainda tido oportunidade de ler o livro de Ribeiro Meneses, tomo a liberdade de opinar sobre este assunto no geral mas também procurando responder a opiniões expandidas no último Forum da Visão sobre “Salazar, mais perto do vício que da virtude”, nomeadamente em relação às opiniões de CSR e WebLogs.
Portanto, este artigo tem por base as minhas intervenções dispersas e quiçá incompreensíveis, emitidas no Fórum.
Para tal, em vez da minha ironia, por vezes corrosiva e tão mal interpretada, procurarei usar uma linguagem o mais clara e denotativa possível, já que o assunto é demasiado sério para que possamos tratá-lo de forma irónica ou aligeirada.
1º – Começo por dizer que, quanto às opiniões expandidas sobre o “grande estadista” seria bom que os referidos comentadores tomassem em consideração o repúdio fundamentado e unânime manifestado pela maioria dos intervenientes no fórum.
Por outro lado, compará-lo a Roosevelt, Churchill ou de Gaulle que souberam aproveitar o Plano Marshal como vítimas da guerra, para desenvolverem os seus países é no mínimo demonstração de flagrante estultícia que o próprio Salazar, orgulhoso e inteligente como se considerava, (ao ponto de recusar a aplicação a Portugal do referido Plano), consideraria condenável e quiçá merecedora dum processo das suas polícias.
Quanto a mim, parece-me que S. Exas. ou usavam óculos azuis demasiado fortes ou viviam em castelos isolados, com janelas envidraçadas da mesma cor, o que apenas lhes permitia ter uma visão azul e distorcida dos verdadeiros aspectos da realidade circundante.
2º – Quanto às qualidades políticas do “grande governante”, dado que o sr. CSR refere aspectos da sua vivência pessoal da época, permito-me trazer à colação a minha própria experiência, resultante da minha convivência com a realidade duma aldeia suburbana duma grande cidade da Beira Alta nos anos 40/ 50, considerado o período áureo da política salazarista.
E quando puxo pelo fio da memória surgem-me em catadupa imagens em tudo semelhantes às do documentário de Buñuel sobre “Las Hurdes”:
– na ida para a escola vejo surgir bandos de crianças de caras famintas, sujas e descalças (arrastando os pés pela neve ou pela lama), transidas de frio e cobertas de andrajos e piolhos.
– vejo-as também à saída da obrigatória missa dominical, acompanhando os rustres pais de aspecto medieval, com a sua boina de cotim ou chapéu de feltro e descalços (à parte alguns raros, calçados com chancas ferradas ou botas com solaria de pneu) mas obrigatoriamente engravatados e vestindo fatos esfiapados cheirando a naftalina. As mulheres, vestidas de forma idêntica, conseguiam ter melhor aspecto pois a chita ou o riscado com que confeccionavam as blusas ou vestidos eram mais acessíveis que a fazenda para os fatos dos homens; Os pés, descalços, os tamancos ferrados ou as chinelas, eram de rigor.
– em bando à parte surgiam também alguns terratenentes bem ataviados, bom sapato, bengala ou pingalim, acompanhados das suas damas com vestidos de seda ou de fazenda cara. Também faziam parte desse grupo uma ou outra farda de oficial subalterno do exército, da polícia ou de funcionários da então CP.
Mas voltando ao tema escola, surge-me também a imagem das instalações em que a mesma funcionava – uma sala exígua no 1º andar dum prédio vetusto com chão de madeira carunchoso e infestado de pulgas, cujas instalações sanitárias eram constituídas por um buraco circular feito no sobrado por onde desciam os dejectos para uma fossa infecta no rés-do-chão, cheirando a putrefacção, que era constituída por uma cavidade recoberta de tojo ou palha. Entretanto, nas paredes da sala, pontificava um crucifixo ladeado das fotografias tamanho grande de Salazar e Carmona. Quanto às aulas, embora o professor fizesse o seu melhor, também fazia o seu melhor quanto ao uso da grossa régua de madeira ou da chibata com que impunha a ordem aos menos dotados ou mais distraídos.
Outras imagens me vêm também à memória, que têm a ver com a protecção social e a saúde que eram dispensadas aos “pobrezinhos”:
– imagens de bandos de gente miserável que, nas juntas de freguesia pedia de chapéu na mão, que lhes fosse concedido o “atestado de pobreza” que lhes permitiria serem tratados ou morrer no hospital ou no sanatório, verdadeiras leprosarias funcionando sob a alçada das misericórdias ou mediante a caridade dos donativos da classe possidente. Alguns desses pobres eram os mesmos que nos batiam à porta a pedir “uma esmola por amor de Deus” e que faziam a cama no quente chão do forno comunitário ou no vão duma porta ou escadaria. Entretanto pedir esmola era proibido por lei. Mas, segundo CSR “a Miséria não era assim tanta como se apregoa [e] Hoje a POBREZA É BEM SUPERIOR” (sic)
E, já que o sr. CSR nos fala da benevolente PVD/PIDE, quero recordar-lhe também que ela era, nem mais nem menos, juntamente com a Legião Portuguesa, um dos braços armados que tinha a seu cargo defender este status quo, (aprisionando, deportando e se necessário matando), o que fazia de nós os bobos da corte da Europa
Quinta totalmente cercada por todos os lados, ao ponto de se impedir a entrada de todas as obras consideradas como “literatura subversiva”, nela tinham de viver os portugueses, como rebanho de carneiros num redil, pois nem mesmo tinham o direito de se ausentar para o estrangeiro já que para isso lhes era negada a passagem do almejado passaporte pelos Governadores Civis que obedeciam à “directiva superior” de apenas o concederem a quem comprovasse “possuir bens necessários para pagar a viagem de ida-e-volta e as despesas de estadia no país de destino”.
Este era o “verdadeiro jardim à beira-mar plantado”, criado pelo espírito tacanho e prepotente que nos governou durante 40 anos mas que hoje muitos se orgulham de ter enchido os cofres do Banco de Portugal com o ouro nazi “recuperado” nos campos da morte.
PARA QUÊ E EM NOME DE QUÊ?
No entanto, numa coisa estou de acordo com Web Logs (ressalvando a gramática): “o país está pobre, miserável e sem futuro para a nossa juventude, só existe umas coisas que realmente se podem falar, é na corrupção, podridão, esbanjamento de honunários públicos e mentiras encima de mentiras em que vivemos, mas como é possível ainda haver portugueses que andam nesta onda das aldrabisses?, COMO? COMO?” (
sic).
Mas quanto a isso, quero também emitir a minha opinião objectiva: No regime democrático em que felizmente ainda vivemos, temos, no imediato, a possibilidade, para não dizer o dever, de protestar contra tão escandaloso estado de coisas. COMO?
Só através da nossa criatividade poderemos encontrar a resposta.
Pela minha parte já fiz a minha opção – nunca mais votarei em qualquer dos partidos actuais. Irei votar mas através de voto branco ou nulo. E se amanhã formos milhões a fazer o mesmo, eles serão obrigados a tirar as respectivas ilações.
Entretanto, também tenho a esperança de que haja um levantamento popular que leve à criação dum novo paradigma com a criação dum novo sistema autenticamente democrático funcionando de acordo com regras democráticas populares autênticas. Mas, infelizmente, já não terei com certeza a possibilidade de viver tão grandioso momento.
Para atingir tal objectivo, continuo a confiar na nossa juventude e na de todos os países democráticos do mundo civilizado.