O teto da casa está esventrado, como se aquele buraco tivesse sido feito por uma bomba. Os elementos do cenário revelam a iconografia da casa portuguesa: a porta de entrada de alumínio, o móvel-bar em mogno no canto da sala, a mesa e as cadeiras de cozinha feitas de fórmica. Só que esta é também uma casa que foi tomada pelo tempo. Há um graffiti a dizer “Tudo Acaba, Tudo” numa das paredes, já escavacadas, e todas elas estão a ser devoradas pela Natureza, por plantas trepadeiras a dotarem aquela arquitetura de uma roupagem nova. É disso que trata Casa Portuguesa, a nova criação de Pedro Penim para o Teatro Nacional D. Maria II. Fala-nos sobre as vicissitudes inerentes à história de um homem, reformado, que combateu na guerra do então chamado Ultramar. Aqui cruzam-se temas como família, colonialismo, racismo, patriarcado, misoginia, homofobia, ditadura.
“A ideia parte da vontade de falar sobre uma unidade familiar”, diz Pedro Penim, evocando a base do seu espetáculo anterior, Pais & Filhos. “Ao mesmo tempo, quis juntar-lhe esta dimensão da História contemporânea, das guerras em África que ainda são como feridas abertas.” Sobre tudo isso, paira a figura do pai e da masculinidade.
O espetáculo começa com as Fado Bicha (Tiago Lila e João Caçador) a ensaiarem o tema Uma Casa Portuguesa, canção do Estado Novo enraizada ainda hoje no imaginário português. “Que casa é essa que temos hoje? Como é que se foi alterando?”, pergunta Penim. “Não só a sua arquitetura, mas também o seu lado psíquico. Há um filósofo italiano, Emanuele Coccia, que diz que as casas não são só um invólucro, são sobretudo um artefacto psíquico.” Questões para explorar em palco.
Casa Portuguesa > Teatro Nacional D. Maria II > Pç. de D. Pedro IV, Lisboa > T. 21 325 0800 > até 16 out, qua-sáb 19h, dom 16h > €16