Neste belíssimo filme búlgaro, de Kamen Kalev, as personagens falam pouco porque têm pouco para dizer. Por um lado, Fevereiro pode ser visto como um olhar poético sobre a solidão em várias fases da existência, mas mais do que isso é um retrato de um estilo de vida em vias de extinção, de um homem que aceita e deseja um destino simples de pastor.
Há um sentido contemplativo e poético, intensificado pela espantosa fotografia em 18 mm, que nos remete para grandes mestres do cinema do Leste europeu, como o húngaro Béla Tarr ou o russo Aleksandr Sokurov, encontrando-se também afinidades com As Quatro Voltas, do italiano Michelangelo Frammartino (embora Kalev não leve o seu pacto de silêncio a um ponto tão radical).
Desenhado como um tríptico, em que acompanhamos a mesma personagem aos 8, 18 e 82 anos, o filme, além de fazer um retrato de uma Bulgária profunda, é um hino poético às opções simples da vida, para o qual o realizador se inspirou no avô que ia visitar nas férias do verão. Talvez seja através dessas sensações que a personagem nos é apresentada, enquanto criança, como aprendiz de pastor, ao lado do taciturno avô, isolado num campo feito de silêncios. A segunda parte dedica-se aos momentos mais marcantes da entrada na vida adulta: o casamento e a chamada para o serviço militar obrigatório. O contexto social em volta não faz com que nada mude. E há um momento fulcral no esclarecimento consciente do caminho da vida, quando um superior lhe propõe uma promoção e ele responde: “Há aqui um mal-entendido: o meu avô era pastor, o meu pai era pastor e eu vou ser pastor.”
No final, voltamos à desejada solidão. Encontramos a personagem fechada consigo própria, na neve, no seu casebre, no meio do nada. Mas aqui há, pela primeira vez, o desejo de companhia, de ir viver com a irmã. Fevereiro é um hino à simplicidade perdida.
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Fevereiro > De Kamen Kalev, com Stoqn Atanasov, Lachezar Dimitrov, Hristo Dimitrov-Hindo > 135 minutos