Annette tem a construção narrativa cantada e segmentada típica das óperas. Contudo, está mais próximo de La La Land do que d’ A Flauta Mágica de Bergman. Em boa verdade, também não está demasiado perto do primeiro nem tão-pouco de Serenata à Chuva, Toda a Gente Diz que Te Amo ou É Sempre a Mesma Canção (para dar um exemplo francês). É um estilo de musical reinventado por Leos Carax, como só o realizador sabe fazer. As expectativas eram altas, e não era para menos. Carax é um realizador de culto francês que faz pouco mais do que um filme por década e que aqui decidira, pela primeira vez, aventurar-se numa obra americana com um excelente elenco.
As condicionantes em nada lesam o sentido de autoria. Desde os primeiros instantes, percebe-se que se trata de um realizador virtuoso e imaginativo, que gosta de fugir a parâmetros predefinidos, alargando o espectro de ferramentas ao seu dispor – mais ainda tratando-se de um musical que é um género, por natureza, não realista. Assim, com linhas tortas ou ziguezagueadas, Carax vai desenhando o argumento que até é relativamente simples e básico na estrutura. O realizador tende a desconstruir tudo o que constrói, numa luta incessante contra o óbvio. Esse desvio persistente da banalidade tanto lhe permite criar momentos de génio como se tornar algo cansativo.
Annette conta-nos uma história de amor e desamor, de crime e vingança, com um dedo do pé na realidade e com todo o resto construído de fábulas, alegorias, metáforas, que aproximam as personagens de um conto de fadas, de que é exemplo máximo a própria Annette, uma bebé cantora, representada por um boneco que faz lembrar Chucky. Todavia, apesar dos momentos de criatividade e de bom gosto, e da interpretação de Adam Driver, não se repete o rasgo mostrado no último Holy Motors… mas talvez também não seja possível fazer um filme desses em todas as décadas.
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Annette > De Leos Carax, com Adam Driver, Marion Cotillard, Simon Helberg > 139 minutos