Não sabemos se quando William Shakespeare começou a escrever Romeu e Julieta (1591) sabia da história de D. Inês de Castro, que ocorreu dois séculos antes. É possível que sim. Uma história de amor, com pormenores bizarros, terá circulado por toda a Europa, e Camões cantou-a em Os Lusíadas (1572). A verdade é que as histórias não se imitam, mas competem em termos de densidade dramática, sendo certo que a portuguesa, com o detalhe tétrico de coroar um cadáver, consegue ser ainda mais fascinante.
António Ferreira, realizador natural de Coimbra – onde a lenda de D. Inês marca presença quotidiana –, não bebeu diretamente das fontes dos cronistas da época e de Camões (embora também as tenha consultado), resgatando, antes, o romance A Trança de Inês, de Rosa Lobato Faria, em que descobre outra forma de contar a história.
Não se trata, pois, de um mero filme de época, mas de um filme de épocas. A ação passa-se em três tempos: no passado, no presente e no futuro. As narrativas entrecruzam-se como se fossem uma história só. Esta mixórdia temporal sublinha a universalidade do episódio, como quem afirma que as grandes histórias de amor se eternizam e mudam, apenas, hábitos e costumes.
Assim, no passado, recuamos, naturalmente, ao século XIV, com a intriga na alta esfera do reino e uma certa crueldade instituída. No presente, descobrimos o drama no seio de uma conceituadíssima família de arquitetos. E o futuro leva-nos para um cenário fantasioso, de uma comunidade “ecofascista”, com regras e preceitos rígidos, bem como uma forte intolerância para quem ousa subvertê-los. António Ferreira soube adaptar cada um dos tempos com segurança, de forma a manter as situações credíveis, nunca se desviando do espírito original do episódio.
A História de Portugal é o grande spoiler de Pedro e Inês. Todos conhecemos os acontecimentos marcantes, que Inês engravida, que Inês é assassinada. O mais empolgante aqui não é o que acontece mas a forma como acontece. E aí está o engenho de António Ferreira, que sabe coser os tempos históricos de modo que a narrativa, ao mesmo tempo, se repita e se complemente.
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Pedro e Inês > De António Ferreira, com Diogo Amaral, Joana de Verona, Miguel Borges, Vera Kolodzig, João Lagarto > 120 min