Não há dúvida de que Sergei Loznitsa é um dos mais acutilantes realizadores da atualidade. Se enquanto documentarista tem um olhar certeiro sobre a realidade, que não deixa ninguém indiferente, enquanto ficcionista vai ainda mais fundo, fazendo de cada filme um murro no estômago, expondo intimamente o sofrimento humano e denunciando os cúmulos opressivos das sociedades de mentalidade repressiva. Assim aconteceu em A Minha Alegria (2010) e Nevoeiro (2012). Assim acontece neste Uma Mulher Doce.
O título é retirado de um conto de Dostoievski, recuperado pelo cineasta Robert Bresson, em 1969. No caso de Loznitsa trata-se, apenas, de uma leve inspiração, mais ao nível da densidade psicológica da personagem do que da trama em si. Tal como em A Minha Alegria, há um caminho obsessivo rumo à loucura perante uma sociedade que se assemelha a um labirinto sem solução. Deparamo-nos com uma mulher simples (excelente interpretação de Vasilina Makovtseva), numa remota aldeia russa, cujo marido foi preso por um motivo pouco claro. Perante a devolução de um pacote que lhe enviou, decide partir para a Sibéria, para saber da sua sorte. A partir daí, encontra–se num imbróglio burocrático e sociológico indecifrável e exasperante. Ela é uma mulher persistente e determinada, mas não se vislumbra qualquer saída; aquele mundo hostil e pecaminoso acabará por a deglutir. A cidade prisional onde procura o marido é ela própria uma prisão feita de grades humanas: quem entra não sai.
O filme, claro, serve de denúncia ao regime russo. Mas, mais do que isso, é uma lança apontada à sociedade civil. Uma Mulher Doce é um violento retrato social de um mundo desumanizado, individualista, pérfido. É criada essa sensação de desconforto social desde a primeira parte, na vila de província, mas que ganha uma dimensão hedionda na cidade prisional. Vamos assistindo a uma espécie de vegetalização da mulher, um pouco como na personagem de A Minha Alegria.
Tudo isto com uma forma de filmar inconfundível, que passa por um cuidado extremo com cada cena, cada enquadramento e que talvez chegue ao sublime, próximo do final, na sequência do sonho.
Veja o trailer
Uma Mulher Doce > de Sergei Loznitsa, com Vasilina Makovtseva, Valeriu Andriutã, Liya Akhedzhakova > 143 minutos