Os espanhóis costumam dizer que não acreditam em bruxas, mas que elas existem, existem. Personal Shopper é um filme desse género. Ou até de um tipo ligeiramente mais arrevesado. Daqueles que dizem essas coisas não existem, embora existam, não obstante não existam, ou nem existem nem deixam de existir, mas olha, afinal, não é que existem mesmo. Confuso? Sem dúvida. O erro de Olivier Assayas, realizador de uma irregularidade notável, talvez tenha sido o de tentar fazer dois filmes num só. Ao mesmo tempo que constrói um emocionante thriller, entra numa deriva espiritualista, em busca de um além que fica sempre aquém. Acaba assim por desperdiçar até o potencial excêntrico do emprego diurno da protagonista: o de fazer compras caras a uma mulher rica sem tempo a perder. É que além de personal shopper, Maureen é uma medium entregue à tarefa de expulsar fantasmas das casas dos outros. Um pouco estranho, sim. Nada contra vidas duplas, mas esta parece-nos algo excessiva.
Tendo demasiadas pontas por onde pegar, Assayas opta por esticar uma nova, desenvolvendo uma certa fragilidade emocional da personagem, uma injustificada falta de autoestima, que a transforma em alguém altamente manipulável. E por aí enreda a parte do thriller que é indubitavelmente mais interessante do que a outra. Um thriller que se desenha numa inusitada relação de natureza quase sadomasoquista, com manipulação por controlo remoto através do telemóvel. Em Maureen há um prazer pelo proibido, uma sedução pelo abismo, numa espécie de Síndrome de Estocolmo sem encarceramento prévio. Nessa deriva, o tratamento tecnológico, de diálogo através de mensagens de telemóvel, é, porventura, o melhor que o filme tem. Aqui o transcendente serve para confundir o real, o que funciona particularmente bem na dupla cena da saída do hotel: em espírito e em corpo.
Tudo isto descruza a intriga transcendente, que só é recuperada no fim, e que por vezes parece uma reflexão sobre o género e, ao mesmo tempo, uma fuga. Assayas, um dos mais considerados realizadores franceses da atualidade, mantendo uma linguagem pessoal, prossegue uma carreira cheia de tropeções, que alterna entre momentos brilhantes e outros dispensáveis, às vezes até no mesmo filme.
Personal Shopper > De Olivier Assayas, com Kristen Stewart, Lars Eidinger, Sigrid Bouaziz > 105 min