Em Calábria, de Pierre-François Sauter, dois imigrantes na Suíça, um português e outro cigano sérvio, atravessam a Itália, até à ponta da bota, com um cadáver que deve ser ali enterrado. Um road movie invulgar e com momentos delirantes e um dos muitos documentários desta edição do Doclisboa que aborda a questão das deslocações. O ator e realizador italiano Pippo Delbono, presença habitual no festival, em Vangelo, visita um centro de refugiados e cruza aquilo que vê com a leitura do Evangelho Segundo São Mateus. Um filme intenso e próximo do essencial.
Ainda assim, talvez não se aproxime de 300 Miles, do sírio Orwa Al Mokdad. O cineasta começou a realizar o seu filme na Síria, mas depois viu-se forçado a abandonar o país, fixando-se em Paris, a 300 milhas de distância. Contudo, deixou a câmara com o seu irmão, líder de um grupo rebelde que combateu, primeiro Assad, e depois também o Daesh. São imagens impressionantes da frente de batalha que se cruzam com uma perspetiva histórica dos conflitos da região que, inevitavelmente, vai dar à formação do estado de Israel.
O nipónico-americano Kimi Takesue conta a sua história de emigração, através de uma conversa com o avô, filho da primeira geração de japoneses a instalarem-se no Hawai, em 1910. E a portuguesa Cláudia Varejão viaja precisamente até ao Japão, ao encontro da peculiar vila piscatória de Wagu, onde as mulheres mergulhadoras fazem pela vida, em Ama-San. O filme tem feito um notável percurso por festivais de cinema. Marília Rocham, por seu lado, acompanha a viagem de Teresa ao Brasil, uma jovem que decide emigrar e se deixa deslumbrar por aquele admirável mundo novo, em contraste com a sua amiga Francisca, que só pensa em voltar a Portugal.
Na secção da Terra à Lua, com alguns dos nomes mais sonantes do documentário mundial, também não faltam viagens e deslocações. O holandês Tom Fassaert parte para a África do Sul, ao encontro da sua avó de 95 anos, que tem o desejo de fazer um cruzeiro até à Europa. O israelita Avi Mograbi filma o drama dos refugiados africanos às portas de Israel, “entalados” entre vedações. O cambojano Rithy Panh faz uma reflexão sobre a condição de exilados. O chinês Wang Bing conta história dramática dos Ta’ang, uma minoria étnica birmanesa, encurralada entre a guerra civil e a fronteira com a China. E o bielorrusso Sergei Loznitsa vai até Auschwitz para fazer um retrato irónico e perturbador do turismo de massas no tenebroso antigo campo de concentração.
Entre todas estas viagens e deslocações, há uma que vale a pena seguir com particular atenção: o Doclisboa exibe, em sessão especial, Take me Home, o derradeiro filme do iraniano Abbas Kiarostami, falecido em julho passado, que relata uma viagem a Itália.
Doclisboa > várias salas de Lisboa > 20-30 out > €3,20 a €55 (voucher 20 bilhetes)