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Um documentário em que João Botelho se assume como discípulo de Manoel de Oliveira
É uma declaração de amor e uma grande lição de cinema. João Botelho presta uma homenagem cinéfila ao seu mestre, o grande Manoel de Oliveira, falecido em 2015, com 106 anos de idade e 80 de cinema. Num documentário íntimo e militante, narrado em voz off pelo próprio realizador, João Botelho dá uma explicação esclarecida daquilo que tanto admira no cinema de Oliveira, utilizando naturalmente as imagens dos seus filmes, de forma transversal e apropriada.
Em O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu, João Botelho não abdica, contudo, da sua própria identidade, fazendo assim um jogo de planos, uma desdobragem em camadas, de um autor que olha sobre outro autor também para falar de si próprio. Para o espectador, à parte de uma extrema comoção poética, sobressai uma descodificação da arte de Oliveira, por um homem que a entende profundamente, e ajuda a identificar onde reside o brilhantismo daquele que para muitos é considerado o melhor cineasta português de todos os tempos. E às vezes tudo está em preceitos e pormenores.
Na sua narração, numa voz quente e próxima, encadeiam-se ideias de cinema, muitas vezes através de citações do próprio Oliveira. Por exemplo, no seguinte princípio: “Filmo aquilo em que acredito, procuro sempre a verdade.” É reivindicada uma espécie de ética do cinema, em que se define o autor. De seguida, faz-se o elogio do olhar único: “Para cada situação, para cada ideia, há apenas uma e só uma posição de câmara, um único ponto de vista, a moral de cada um.” E, mais à frente, no inevitável pragmatismo, a criatividade na arte de fazer cinema: “Se não há dinheiro para filmar a carruagem, filmo apenas a roda, mas filmo bem a roda.”
João Botelho, que chegou a trabalhar com Oliveira, assume-se assim de forma emocional e quase poética como seu discípulo, dando-lhe o estatuto de mestre insuperável. E, ao dar a voz ao filme, enfatiza o seu caráter íntimo e pessoal, ou essa tal verdade de que Oliveira tanto falava. Na parte final, João Botelho surpreende ao filmar, em estilo oliveiriano, A Rapariga das Luvas, a partir de uma história inédita do próprio Manoel de Oliveira.
O filme estreou-se na edição passada do IndieLisboa e agora chega à salas, acompanhado pela curta-metragem Ascensão, de Pedro Peralta. Uma obra dyeriana, mas igualmente próxima de Oliveira, com apenas três planos de sequência em 17 minutos, que testemunha de forma quase minimal uma ressurreição. Foi selecionado para o último festival de Cannes.
Aproveitando a estreia do filme de João Botelho, o Cinema Ideal, em Lisboa, organiza um ciclo de homenagem a Manoel de Oliveira, até quarta-feira, 19. Vão passar, entre outros, os filmes Francisca, Ato da Primavera, A Caça, Aniki-Bóbó, Douro Faina Fluvial e Non ou a Vã Glória de Mandar.
O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu > de João Botelho, com Leonor Silveira, Maria João Pinho, Marcelo Urgeghe, Mariana Dias > 80 min