Não é o homem que procura Deus, mas antes Deus que parte irado em busca do homem, tudo devido à insubmissão da sua filha Ea, que desceu à terra para se vingar do pai (assim como já havia feito o filho). Mais uma rocambolesca doutrina de uma seita americana? Nada disso. É apenas o novo filme de Jaco Van Dormael, Deus Existe e Vive em Bruxelas. A obra do realizador belga não deve ser levada demasiado a sério… nem demasiado a brincar. Teologicamente é insustentável. A religião, ou a figura de Deus, serve apenas de ponto de partida para a comédia. E porque não?
Este Deus, numa interpretação algo excessiva de Benoît Poelvoorde, é um pai mau, que maltrata a mulher e os filhos, e diverte-se a ludibriar o destino dos homens. Não se trata do Deus do judaísmo – esse é atemorizador, mas justo. Este, pura e simplesmente, odeia a humanidade e gere-a com requintes de malvadez. O seu filho, por rebeldia, desceu à Terra para espalhar uma doutrina que não é a sua. Uma série de mentiras, como ele próprio diz. A filha insurge-se contra o pai e desliga o sistema, e envia uma mensagem a cada Homem, anunciando a data da sua morte. Tal tira o poder ao pai, mas provoca a maior confusão entre os homens – é a pergunta “o que faríamos se conhecêssemos a data da nossa morte” que torna o filme um pouco mais estimulante.
Em termos de argumento, Deus Existe e Vive em Bruxelas é um atentado a qualquer tipo de sentido. Na impossibilidade da verdade (inatingível), não alcança tão pouco a verosimilhança, nem sequer uma lógica interna da narrativa, especialmente importante no domínio do fantástico. Há talvez uma tentativa de inversão da lógica da criação: se Deus criou o Homem à sua imagem e semelhança, logo é semelhante ao Homem. Mas nem este silogismo é tratado de forma coerente.
Assim não se devem extrair demasiadas teses filosóficas ou espirituais em torno de Deus Existe e Vive em Bruxelas. O filme, com bons pormenores de realização, é um divertimento em torno da figura de Deus, na frágil tentativa de nos confrontar com a condição humana.
Deus Existe e Vive em Bruxelas > De Jaco Van Dormael, com Pili Groyne, Catherine Deneuve, Benoît Poelvoorde > 113 min