É a sua bagagem – como diz o título – e a sua história que o bailarino e coreógrafo congolês Faustin Linyekula dança em Le Cargo. Para criar este solo, em 2011, quis redescobrir-se. Partiu em busca das suas memórias mais antigas de dança, perdidas na cidade de Obilo, de onde saíra aos oito anos, e encontrou muitas outras coisas. “Regressei com cantigas, uma história e, claro, uma dança”, conta agora Linyekula, Artista na Cidade 2016, que, durante este ano, apresentará várias peças em Lisboa. Trouxe, também, diz, uma lição: “Aprendi que temos que construir e imaginar um futuro com o que temos hoje.” Talvez por isso esta seja, de todas, a sua coreografia que mais bem rima com o lugar que escolheu para a dançar durante esta estadia: o bairro da Cova da Moura, às portas da cidade, que conheceu no ano passado, quando cá esteve. “Vir a Lisboa e ir à Cova da Moura foi como encontrar um pedaço de África, mas não no coração da cidade, na periferia”, recorda. “Consigo ligar-me a isso a um nível íntimo. Jean Genet dizia qualquer coisa como ‘as ações mais políticas só fazem sentido se forem íntimas’. Se não, são apenas slogans”, acrescenta.
Perguntar a Faustin Linyekula porquê dançar Le Cargo fora do circuito dos teatros da rede Artista na Cidade (em 2014, apresentou a coreografia no São Luiz, no Festival Alkantara) é encontrar na resposta toda a filosofia de trabalho que tem desenvolvido em Kisangani, no Congo, e noutras cidades periféricas do país. “Uma das minhas questões principais é saber qual poderá ser o lugar da arte dentro de uma comunidade. Se a arte é uma forma de imaginarmos possibilidades para nós e para os que estão à nossa volta, então, é nas partes mais frágeis da comunidade que a arte mais é necessária”, acredita. “Na minha vinda a Lisboa era importante que esse aspeto do meu trabalho fosse visível e que encontrasse uma forma de tradução aqui, porque é essencial para descrever o que sou. É fundamental que, paralelamente aos teatros prestigiados, o trabalho também exista ali. A arte não pode nunca ser um luxo. Tem que existir em todo o lado, é uma necessidade.” Mais palavras para quê?
Polidesportivo Cova da Moura > Av. da República, Cova da Moura, Amadora > T. 21 843 8801 > 24 jan, dom 16h > grátis (entrada sujeita à lotação, sem reserva)