Entrar dentro de um livro, essa figura de estilo tantas vezes usada, foi literalmente convocada em Cassandra, nova exposição de uma artista muitas vezes definida como inclassificável. Ana Jotta (nascida em 1946) é uma excelente ilusionista, capaz de produzir maravilhas com materiais respigados, e, desta vez, a sua matéria-prima central é o próprio livro publicado aquando da marcante exposição A Conclusão da Precedente, de 2014. Os códigos específicos e os ritmos de leitura foram transformados, a presença e escala em sala foram expandidas, a materialidade do papel foi subvertida – mas revelar exata e literalmente como é que se operou esta transformação no espaço expositivo, seria arruinar o seu impacto e fruição. A acompanhar esta peça central, inédita, estão trabalhos produzidos pela artista desde os anos 80 até agora, peças grandes e pequenas: panos bordados, objetos, pinturas, muitas piscadelas de olho às chamadas “notas de rodapé” – o acervo constituído por recortes de papel, notícias de jornais, fotografias, figuras dispersas, fragmentos de livros e de banda desenhada, e outros detalhes impressos que marcam presença na produção de Jotta. Uma “constelação extravagante, nada óbvia, cuja escolha foi um processo muito sinuoso e mais caprichoso do que antevíamos”, descreve o curador Miguel Wandschneider. Uma composição que foge à simples revisão da memória, e que permite múltiplas leituras e surpresas. Afinal, a deusa da mitologia grega Cassandra também não ficou reconhecida pela sua previsibilidade…
Culturgest Porto > Av. dos Aliados, 104, Porto >T. 22 20981 16 > até 19 mar > seg-sáb 12h30-18h30
Ana Jotta venceu, em conjunto com o arquiteto José Neves, o prémio Associação Internacional e Críticos de Arte/Secretaria de Estado da Cultura/Millennium BCP 2014, pela exposição A Conclusão da Precedente, a partir da qual se constrói agora Cassandra