Não é preciso recuar muitos anos para ver o quanto mudou a vida dos street artists do Porto. Basta recordar o secretismo envolvido, com manobras artísticas pela noite dentro, e a ferocidade com que os serviços camarários apagavam o rastro dos graffiti, às vezes poucas horas depois de serem pintados. Para Nuno Palhas (aka Third), fazer agora o papel de guia nos percursos gratuitos de arte urbana organizados pela Porto Lazer, durante este mês, tem alguma coisa de insólito. “Mais impensável ainda é o facto de viver atualmente do graffiti”, diz o artista, há 18 anos a deixar a sua marca na cidade. A contribuir para esta aceitação esteve o programa de arte urbana lançado em 2014 pelo atual executivo camarário do Porto, libertando paredes e muros para serem intervencionados.
Os exemplos crescem de dia para dia, como é possível constatar nos locais assinalados no mapa das visitas guiadas marcadas para este mês. Logo no primeiro passeio de tuk tuk, que decorrer no passado dia 10, havia novidades fresquinhas a assinalar. Na Avenida de Vímara Peres, acabava de ser concluído o novo mural de Frederico Draw. No Largo de São Domingos, conseguimos assistir, ao vivo e a cores, às intervenções nas caixas de distribuição de energia da EDP, continuando o trabalho feito na Rua das Flores, uns meses antes. E dia 30, na Rua Nova da Alfândega, será inaugurado o mural de Daniel Eime, dando largas aos stencils de grande formato que são a sua imagem de marca. “É ótimo ver a arte urbana a ter esta aceitação”, diz Third. “O Porto tem muitos edifícios abandonados e esta é uma forma de lhes dar brilho e cor.”
A qualidade dos trabalhos também tem melhorado significativamente. Para Nuno Palhas, ter começado no graffiti fê-lo despertar para outras expressões artísticas e aprender com elas. “Não há fórmulas para pintar, trazes o conhecimento que tens. Muitas vezes a evolução surge da necessidade de ultrapassar obstáculos. É o caso do stencil e dos autocolantes, que apareceram para se conseguirem fazer trabalhos mais rápidos.” A explicação do guia é ouvida atentamente pelos participantes no passeio. Um grupo muito heterogéneo, com jovens casais de namorados, uma mãe com o seu filho adolescente, amigas de meia-idade ou uma família de turistas venezuelanos à procura de novas perspetivas da cidade. Uma prova do quanto esta arte é apreciada por cada vez mais pessoas
Os percursos decorrem ao fim de semana e podem ser realizados, não só de tuk tuk, mas também a pé e de bicicleta. Dependendo da opção escolhida, os passeios têm itinerários e durações diferentes, obrigando sempre a inscrição prévia. Os pedestres são guiados por alunos do curso de Artes Visuais e Tecnologias Artísticas da Escola Superior de Educação do Porto, ao passo que os de bicicleta são da responsabilidade da Sportours. Vão ser ainda promovidos safaris fotográficos (dias 25 e 31, entre as 14h30 e as 18h30), numa parceria com a Embaixada Lomográfica, e um instameet, organizado pela comunidade #igersporto (a realizar na manhã do dia 24 de outubro, das 10h00 às 13h00).
Até ao final do mês, realizam-se mais dois passeios de tuk-tuk, conduzidos por Frederico Draw (dia 24), e Godmess (dia 31). Quem queira participar, terá apenas de enviar um email para portoarteurbana@portolazer.pt. com os seus dados pessoais. Foi fixado um máximo de 15 participantes, para que o contacto com os artistas seja mais próximo. A julgar pela experiência com Third, as perguntas são bem-vindas.
1 – Quem és, Porto?
São mais de 3.000 azulejos a responder à pergunta lançada por Miguel Januário (aka+-) e a cobrir a fachada do edifício da rua da Madeira. Anónimos e artistas de várias áreas deram o seu contributo para o painel, entre o preto e o branco, que demorou cerca de quatro meses a ser realizado e contou com o apoio da Escola Superior de Educação do Porto. Inserido no projeto Locomotiva, foi uma das intervenções (materiais e imateriais) idealizadas para revitalizar a envolvente da estação de São Bento.
2 – Clouds
No topo da rua da Madeira, vê-se o edifício intervencionado pela dupla de artistas italianos Sten & Lex, com um stencil em grande formato que, ao longe, se assemelha a nuvens abstratas e, de perto, é quase como um código morse de graffiti.
3 – Mural da Trindade
Numa parede com 250m2 do parque de estacionamento da Trindade, a câmara municipal do Porto deu carta branca a dois dos mais conhecidos grafitters da cidade para fazerem um mural permanente. Mr Dheo, um dos artistas urbanos mais requisitados para trabalhar no estrangeiro, pintou uma imagem do pai a segurar a torre dos clérigos, ao passo que Hazul Luzah optou por um desenho mais abstrato, imediatamente reconhecível como seu. «Nunca imaginaríamos ter uma pintura desta dimensão na cidade», comenta Third.
4 – Ribeira Negra
O painel de azulejos de Júlio Resende, junto à entrada leste do túnel da Ribeira, serviu de fonte de inspiração deste mural, assinado conjuntamente pelo coletivo Rua e pelo artista húngaro BreakOne, durante o festival de arte urbana Push Porto, em setembro de 2014. «Estamos habituados a estas parcerias. Procura-se fazer antecipadamente um rascunho do que será o resultado final, para haver uma maior coesão entre os desenhos, mas deixa-se sempre algo em aberto», explica Third.
5 – Sem título na rua Diogo Brandão
As obras na zona impediram a visita de prosseguir até ao primeiro mural legal do Porto, situado no cruzamento da Rua Diogo Brandão com a Miguel Bombarda. A obra de 130 metros quadrados, assinada por Fedor, Mesk e Mots, evoca as personagens de Dom Quixote de la Mancha.
6 – Mural Coletivo da Restauração
É a Câmara Municipal do Porto, através da PortoLazer, que lança as convocatórias para eleger as propostas de intervenção artística a realizar na rua da Restauração. O tema é livre e cada artista pode enviar duas propostas. De seis em seis meses, o mural de 70 metros ganha novas cores. Até fevereiro de 2016, é possível apreciar as obras, tão distintas entre si, de Cheikrew, Elleonor, Jaime Ferraz, Purple Charles, Miguel Paulo, ALMA e Third (sim, o nosso guia de serviço). Alguns deles, de outras áreas artísticas, estreiam-se no graffiti.
7- An.fi.tri.ão
Com um gesto convidativo, um ancião dá as boas-vindas a quem chega ao Porto, atravessando, de metro ou a pé, o tabuleiro superior da ponte Luiz I. A personagem fictícia, criada por Frederico Draw, foi uma encomenda da galeria Red Nankin, no lado oposto da avenida Vimara Peres e contou com o apoio da Porto Lazer.
8- Caixas EDP
Ao longo da rua das Flores e, a partir deste mês, também no largo de São Domingos, um mobiliário urbano feio e cinzentão foi usado como tela das criações dos graffiters Hazul, Puro Contraste, Sílvia Peralta, Catarina Rodrigues e das duplas Godmess & Sem (os stencils com frases características do Porto, como ”oh morcon, bai-me à loja!”, têm sido dos mais fotografados) e Bug & Costah. A escolha dos trabalhos foi feita por concurso público, lançado pela Porto Lazer.
9 – Metamorfose
A estrutura verde, em ferro, idealizada pelo gabinete de arquitetura Fahr 021.3, ao lado da estação de S. Bento, é o ponto de chegada destes percursos de arte urbana. Foi criada em janeiro de 2015, no âmbito do projeto Locomotiva.