1. Crónica de África
Manuel S. Fonseca
Manuel S. Fonseca chegou a Luanda aos 5 anos, saído de Vale de Madeira, Beira Interior, de mão dada com a mãe, embarcados no Vera Cruz para ir ter com o pai, funcionário do porto da cidade, “com um salário pele e osso.” Nunca tinha visto o mar, e desde aí não parou de se deslumbrar com o que foi encontrando.
Este é um livro de pequenos apontamentos, do que foi vivendo e sentindo entre 1959 e 1976, tendo sempre como referência outra das suas grandes paixões, o cinema (hoje dono da editora Guerra e Paz, Manuel S. Fonseca foi programador da Cinemateca Portuguesa e escreveu, durante anos, sobre cinema, no semanário Expresso.) Aterrado no musseque de Sambizanga, o maior de Luanda, é aí que está a 4 de fevereiro de 1961, quando começou a Guerra Colonial, aprendendo a ler na Missão de São Paulo (“era impossível eu não dar nas vistas, por ser o singelo branco numa escola de alunos africaníssimos”), mas é já vivendo na Vila Alice que vai apanhar caranguejos com o pai no Morro dos Veados.
O capítulo mais interessante é o da independência de Angola: a família vem, Manuel fica. Experimenta ir para Grenoble estudar Sociologia, mas resolve voltar a Luanda, e faz a ponte aérea ao contrário. Um relato pontuado pelos filmes que vê, dentro e fora da tela, com muitas rajadas de metralhadora à mistura, numa “pátria que amo, apesar de saber que não era minha”. C.L. Guerra e Paz, 182 págs. €16
2. Origem: África
Howard W. French
Além de ter sido escrita durante demasiados séculos pelos vencedores, a História também teve, até há bem pouco tempo, uma visão eurocêntrica, relegando para segundo plano outras realidades e os relatos de quem se confrontou com os europeus. Este estudo de Howard. W. French, professor de Jornalismo na Universidade de Columbia, procura fazer o exercício contrário. Contar a História de África, do século XV até ao final da II Guerra Mundial, a partir de testemunhos e vivências dos africanos. Em Origem: África, assistimos às mesmas guerras pelo domínio dos recursos naturais do continente e ao mesmo combate às populações locais, mas conseguimos, devido a um trabalho diferenciado de fontes e de enfoque, aceder ao olhar do Outro. Com esta abordagem, também se torna mais fácil identificar, a partir de dentro, as raízes dos grandes movimentos de libertação do século XX. Bertrand, 505 págs., €22,90
3. O Mundo Visto do Meio
Conceição Lima
Começamos pelo fim, pois é aí que encontramos a surpresa do novo livro de Conceição Lima, O Mundo Visto do Meio. Da escritora de São Tomé e Príncipe conhecíamos a poesia e as crónicas, algumas recolhidas neste volume. Mas, nas últimas páginas, descobrimos a sua estreia na dramaturgia, com a peça de teatro Um Confronto Imaginado e Uma Profecia. Nela, Conceição Lima tenta imaginar como terá sido o encontro entre Salustino Graça do Espírito Santo e Carlos de Sousa Gorgulho. De um lado, a defesa dos direitos dos trabalhadores das roças; do outro, a opressão colonial do governador. O encontro aconteceu mesmo, antes dos massacres de Batepá, mas não se sabe do que falaram. Um poderoso confronto de ideias que a prosa precisa e ritmada de Conceição Lima recria admiravelmente – tal como dá a ver, nas crónicas, os desafios do seu país. Caminho, 144 págs., €15,90
4. O Sangue da Buganvília
Ana Paula Tavares
Publicado em 1998, em Cabo Verde, O Sangue da Buganvília tornou-se uma raridade bibliográfica para os leitores de Ana Paula Tavares, poetisa e historiadora angolana, há muito radicada em Lisboa, onde tem trabalhado e lecionado, na Universidade Católica Portuguesa, nas áreas da cultura, da museologia, da arqueologia e do património. A reedição daquele que foi o seu segundo livro, na Caminho, na qual o grosso da sua obra está publicado, é um novo resgate ao esquecimento (já que o volume inicial recuperava crónicas, escritas entre 1996 e 1998, para serem lidas aos microfones da RDP África). São pequenas memórias, notas sobre as coisas da alma, apontamentos e homenagens. Em cada texto sobressai o olhar da poetisa, atenta aos pequenos e grandes movimentos do mundo, e da mulher empenhada nas lutas do seu tempo e de Angola, onde nasceu em 1952. Caminho, 248 págs., €16,90