As mensagens deste Natal enviadas por Donald Trump podem ser lidas como um aviso daquilo que o mundo pode esperar do homem que, a 20 de janeiro, voltará a tomar posse como Presidente da nação mais poderosa do planeta. Em vez das habituais declarações de paz e concórdia, adequadas à quadra, ele optou pela via da provocação, com ameaças ao “inimigo” chinês e promessas de ingerência em três territórios que gostaria de ver sob o seu comando: Panamá, Canadá e Gronelândia.

Depois de, aparentemente sem razão especial, ter ameaçado recuperar o controlo do Canal do Panamá – inaugurado em 1914, após anos de construção por uma companhia americana, mas que está nas mãos dos panamenhos desde 31 de dezembro de 1999 –, o Presidente eleito repetiu, na véspera de Natal, a sua pretensão de recuperar aquela via estratégica de comércio, que diz estar agora sob influência chinesa. Na mesma mensagem, Trump atacou também o vizinho da fronteira norte, chamando “governador” ao primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, declarando que o Canadá devia ser anexado pelos EUA: “Se o Canadá se tornasse o nosso 51º estado, os seus impostos seriam reduzidos em mais de 60%, os seus negócios duplicariam imediatamente e seriam protegidos militarmente como nenhum outro país do mundo.” Em diversas publicações na sua rede social, Donald Trump repetiu também as suas reivindicações sobre a Gronelândia, que já tinha ameaçado “comprar” na sua anterior passagem pela Casa Branca. “Para fins de segurança nacional e liberdade em todo o mundo, os Estados Unidos da América consideram que a posse e o controlo da Gronelândia são uma necessidade absoluta!”, escreveu desta vez.
As mensagens de Trump receberam o repúdio imediato do Presidente do Panamá – que negou qualquer interferência chinesa na administração do canal – e do primeiro-ministro da Dinamarca, país que detém há 600 anos o controlo da Gronelândia.
Pela amostra destas mensagens e dos vários sinais que vai dando, nomeadamente as escolhas que fez para a sua Administração ou para ocupar as embaixadas dos EUA pelo mundo, percebe-se que Donald Trump não está apenas interessado em “tornar a América grande outra vez”, mas quer, acima de tudo, desempenhar um papel central em toda a política mundial. Como aquelas mensagens bem demonstram, ele está disponível para se imiscuir nos assuntos internos dos outros países, não pretende calar-se em relação às acusações que lhe passarem pela cabeça e, no fundo, olha para todas as outras nações sempre na ótica do interesse que elas possam ter para o enriquecimento dos americanos. Na sua visão do mundo, só há negócios. E nunca aquele tipo de negócios em que as duas partes podem sair vencedoras. Para Trump, ou se ganha ou se perde.

De uma forma ou de outra, o mundo está à espera do que Donald Trump possa ou não fazer nas próximas semanas e de que forma isso irá condicionar tudo o resto que ocorrerá ao longo deste ano de 2025. Apesar das muitas ameaças e promessas, tendo em conta a imprevisibilidade da personagem, reina o suspense sobre o que poderá ou não concretizar. Mas de algo podemos ter a certeza: tome ele ou não as decisões que prometeu, grande parte do mundo vai estar condicionada ao que for decidido na Casa Branca, seja no plano económico, político ou militar.
A verdade é que Donald Trump vai enfrentar, em 2025, uma situação política internacional muito mais confusa e caótica do que aquela que o recebeu nos primeiros dias de janeiro de 2017, depois de ter derrotado Hillary Clinton, de forma surpreendente. Agora, a Rússia está em guerra aberta na Ucrânia, a Coreia do Norte continua a aumentar o seu arsenal nuclear, o conflito no Médio Oriente está mais violento do que nunca, a China aumenta a pressão sobre Taiwan, a Europa encontra-se numa encruzilhada, com as suas duas principais potências a serem assoladas por crises económicas e muita incerteza política e, um pouco por todo o lado, crescem sinais de revolta, a democracia parece estar em regressão, os autocratas ganham poder, o avanço da Inteligência Artificial ameaça milhões de empregos e a transição energética transformou-se, em muitos casos, num campo de batalha entre governos e populações.
O mundo de 2025 é muito mais imprevisível do que aquele que Donald Trump encontrou em 2017. E ele próprio é, porventura, o maior fator de imprevisibilidade. Por isso mesmo, sabe que tem os olhos todos postos em cima das suas decisões, bem como das mensagens e ameaças que proferir. E joga com elas como forma de influenciar governos e populações, prometendo mais taxas na economia, menos liberdade de circulação, mas também menor interferência direta dos EUA nos palcos habituados a estar sob proteção de Washington.
“Durante meses, Trump tem argumentado que o mundo estaria muito melhor se ele tivesse sido Presidente dos EUA nos últimos quatro anos. Ninguém consegue afirmar que essa alegação está certa ou errada, mas isso agora também já não importa. A partir de 20 de janeiro, ele será o responsável pela forma como os EUA vão responder aos desafios que enfrentam”, considera James M. Lindsay, do Council of Foreign Relations (CFR).
Ou seja, Donald Trump vai ter, dentro de dias, o comando do país mais poderoso do mundo nas mãos – com consequências para todo o globo. Até porque, desta vez, ele está investido de um mandato muito claro, com o voto popular e a maioria no Congresso e no Senado. Os seus impulsos imprevisíveis, as suas políticas litigiosas e o seu apelo ao populismo criarão ondas de choque por todo o lado, e aos mais diversos níveis.
A economia global vai sofrer e a inflação aumentar?
À partida, as previsões para a economia global em 2025 seriam animadoras, especialmente quando em comparação com os anos da pandemia. A maior parte dos organismos internacionais previam um crescimento global robusto a rondar os 3%, ligeiramente abaixo do que se registou em 2024, com os dois principais motores, os EUA e a China, a manterem um caminho sólido, com taxas de crescimento previstas de 2,7% e 4,5%, respetivamente.
No entanto, essas previsões podem alterar-se completamente com as primeiras decisões que Donald Trump tomar como 47º Presidente dos Estados Unidos da América, já que correm o risco de alterar as regras do jogo e fazer aumentar as incertezas geopolíticas. O FMI, por exemplo, anunciou uma redução de 0,8% no crescimento global em 2025, e de menos 1,3% em 2026 se todas as tarifas de Trump forem implementadas.
“Se Trump cumprir a sua ameaça de campanha de impor tarifas de 10% a 20% em todas as importações de outros países – e 60% sobre as importações chinesas –, o resto do mundo vai precisar de decidir se retaliará com as suas próprias tarifas ou se procurará negociar acordos com os EUA, ou muito provavelmente uma mistura de ambos. O aumento das tarifas combinado com a deportação de milhões de migrantes sem documentos e a política fiscal expansionista de Trump podem levar ao ressurgimento da inflação nos EUA”, avisa Creon Butler, diretor do Programa de Economia e Finanças Globais da Chatham House, um grupo de reflexão independente, sediado em Londres, que se dedica aos temas de política internacional. “A forma como o banco central dos EUA, a Reserva Federal, responder será crítica tanto para os mercados financeiros domésticos como para o dólar”, conclui.
Segundo Jean-François Robin, analista principal do banco de investimento Natixis, as principais medidas anunciadas por Trump para os primeiros dias – deportação de imigrantes, tarifas sobre o comércio, e desregulamentação fiscal e económica – têm um grande potencial inflacionista e, por isso, poderão ter consequências negativas a longo prazo no crescimento. “Uma queda na imigração e, como resultado, na força de trabalho, penalizará os salários e o consumo”, avisa.
Uma avaliação semelhante é feita por Lan Han, da consultora Euromonitor International: “Embora as tarifas propostas por Trump possam beneficiar algumas indústrias, elas penalizarão outras e também os consumidores dos EUA, que terão de enfrentar preços de importação mais altos e escolhas reduzidas a curto prazo. Os EUA são um dos maiores importadores mundiais de vários produtos. Assim, antes que os fabricantes e comerciantes consigam adaptar-se às novas tarifas ou encontrar fontes alternativas de fornecimento mais baratas, eles não terão outra alternativa a não ser passar o custo imediato, parcial ou totalmente, aos clientes, aumentando a inflação dos preços ao consumidor.”
Um relatório da mesma empresa de consultadoria indica ainda que “as tarifas dos EUA sobre produtos europeus podem desacelerar o crescimento do PIB na União Europeia, limitando as oportunidades de exportação e aumentando os custos de produção”.
Acordo ou conflito com a China?
No topo das prioridades geopolíticas de Trump está, naturalmente, a relação com o único país que ameaça o poderio global dos EUA: a China. Por isso mesmo, na sua mensagem de Natal, o Presidente eleito trouxe a rivalidade com Pequim à baila, ao abordar a situação no Canal do Panamá – uma via fundamental para o comércio marítimo entre os oceanos Atlântico e Pacífico. Um previsível aumento das tarifas de importação na América poderá ter um impacto violento na economia chinesa, há muito virada para a exportação e que só recentemente começou a tomar medidas de estímulo ao consumo doméstico e a diversificar mercados, como forma de combater os impactos da ameaça anunciada pelo futuro Presidente dos EUA.
“Donald Trump vai cumprir a sua ameaça de impor tarifas extra sobre as importações chinesas e reforçar o seu apoio à defesa de Taiwan ou tentará, por seu lado, uma jogada arriscada que leve a China a obrigar Moscovo a assinar um acordo de paz na Ucrânia, em troca de um comprometimento reduzido dos EUA em relação às pretensões chinesas com Taiwan?”, pergunta Leslie Vinjamuri, diretora do Programa EUA e Américas, da Chatham House.
O cenário, embora hipotético, precisa de ser levado em conta. Ainda para mais, depois de Trump ter convidado o seu homólogo chinês, Xi Jinping, para a sua cerimónia de tomada de posse – que o líder de Pequim, recusou, com naturalidade –, numa atitude surpreendente para quem, desde a primeira campanha eleitoral em 2016, sempre elegeu a China como o inimigo principal dos EUA.
“Um acordo dessa natureza podia deixar as relações entre a China, a Rússia e a América num lugar melhor, mas a um preço muito elevado”, lembra a mesma analista. “Até porque na geopolítica atual qualquer calmaria seria provavelmente passageira. E se Trump tentar uma reorganização tão radical da atual ordem mundial, isso indicaria que, a partir desse momento, tudo mudaria em termos de política externa americana e mais imprevisível se tornaria a sua forma de exercer o poder presidencial.”

O mais expectável, para já, é o aumento das tarifas de importação de produtos chineses, conforme ele tem repetido. E, por isso, existe curiosidade em saber como é que Pequim responderá a essa quebra previsível nas suas exportações – mesmo que a exposição comercial da China aos EUA tenha diminuído de 3,5% para 2,8% do seu PIB, desde 2017. “Em resposta, o mais provável será a China depreciar gradualmente o yuan para ganhar uma vantagem competitiva”, considera Jean-François Robin, da Natixis. “Internamente, Pequim também deverá criar maiores estímulos para as empresas de menor dimensão. E também irá em busca de mercados alternativos para exportar os seus excedentes, a começar pela Europa, como seu principal parceiro comercial, que provavelmente responderá às importações chinesas com tarifas. Devemos esperar muitas reações em cadeia.”
Os primeiros dias da nova Administração Trump serão seguidos com particular atenção na Ásia, onde se concentram importantes focos de tensão, como o Mar da China, Taiwan, Coreia do Norte, mas também existe preocupação entre tradicionais aliados dos EUA, como o Japão e a Coreia do Sul, sobre os caminhos que o Presidente quer agora percorrer.
“Oscilando entre o transacional e o confrontacional, o Presidente Trump pode exacerbar as tensões existentes com Pequim sobre Taiwan e o Mar da China Meridional ou, igualmente, vender parceiros e aliados dos EUA na Ásia”, avisa Ben Bland, diretor do programa Ásia-Pacífico da Chatham House. “Em termos económicos, investidores e governos estão à espera de saber, com ansiedade, quais as tarifas que Trump vai impor sobre os produtos chineses e qual será a resposta de Pequim e de outras nações dependentes do comércio da região”, avisa.
O ano decisivo para a Ucrânia?
“Eu conheço Zelensky muito bem e conheço Putin muito bem. Além disso, tenho um bom relacionamento com ambos. Por isso, terei um acordo de paz fechado num dia.” Ao longo da campanha eleitoral, Donald Trump repetiu várias frases deste género. Agora, chegou a hora da verdade e de provar que vai conseguir mesmo travar a guerra às portas da Europa – e a que custo.
A possível decisão de Trump vai chegar num momento crucial para o desenvolvimento do conflito: há cada vez menos assistência militar à Ucrânia, a Rússia tem conseguido manter as suas posições no terreno – apesar das pesadas baixas, não só dos seus militares como dos “reforços” da Coreia do Norte – e cresce na Europa o cansaço em relação a uma guerra que já se prolonga por demasiado tempo.
“A crença entre os líderes ocidentais de que a Ucrânia não pode vencer esta guerra ficará, provavelmente, mais difundida em 2025, alimentada pela diminuição de apoios e por um maior número de baixas em combate, ao mesmo tempo que cresce a ideia de que a Rússia o que procura é controlo sobre a região e não conquista de mais território”, lembra James Nixey, da Chatham House. Esta conjunção de fatores, aliada à entrada em funções de Trump, abre caminho para um acordo de compromisso – que, é preciso reconhecer, dificilmente será duradouro. Aconteça o que acontecer, no atual quadro geopolítico, o resultado mais provável que Donald Trump poderá garantir será um congelamento do conflito, com perdas territoriais para Kiev.
“No entanto, embora a Rússia tenha obtido avanços militares na Ucrânia nos últimos meses, continua sob tremenda pressão, particularmente financeira”, lembra o mesmo analista. “Economistas dizem que Vladimir Putin tem apenas 12 a 18 meses para continuar o atual rumo da guerra, antes de ser obrigado a tomar decisões domésticas difíceis. O mundo ocidental – ou, mais provavelmente, uma coligação dos países que mantêm firme o seu apoio à Ucrânia – faria bem em reconhecer essas tensões e analisar como pode pressionar mais a Rússia em 2025”, sublinha James Nixey.
Em qualquer caso, no entanto, uma declaração de cessar-fogo na Ucrânia não significaria uma melhoria imediata e duradoura nas relações entre Moscovo e o Ocidente. “É muito provável que o regime de Vladimir Putin continue os seus esforços para minar a ordem e as instituições globais lideradas pelo Ocidente, que Moscovo considera ultrapassadas e injustas, numa tentativa de recuperar o seu estatuto de potência global e restaurar a sua esfera de influência nos antigos países soviéticos e do Pacto de Varsóvia”, considera um relatório da consultora Teneo, sobre o estado do mundo em 2025. “Em resultado disso, mesmo com um acordo de paz, os países europeus considerados hostis continuarão perante o risco crescente de guerra híbrida russa, incluindo desinformação, ataques cibernéticos, sabotagem e outras ações disruptivas.”
Uma coisa é certa: os detalhes de qualquer acordo de paz não apenas determinarão o futuro da Ucrânia, mas também terão implicações para a segurança em toda a Europa e a confiança nas garantias e instituições de defesa ocidentais em todo o mundo.
Europa estará à altura do desafio?
“O maior desafio para a Europa em 2025 será, sem dúvida, a chegada de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos da América”, prevê, sem grande dificuldade, Jana Puglierin, chefe do escritório do European Council on Foreign Relations (ECFR) em Berlim. “O seu regresso à Casa Branca colocará o continente europeu perante muitas dificuldades, nomeadamente no que se refere à defesa, à política chinesa e às questões climáticas, bem como às relações comerciais. A vitória de Trump irá reforçar as forças na Europa que defendem o nacionalismo e menos cooperação europeia.”
Em termos económicos, a Europa tem de se preparar para estar encurralada no meio das duas grandes potências: entre os EUA, que provavelmente imporão tarifas, e a China, a tentar exportar os seus excedentes para a Europa. Segundo o relatório prospetivo da Euromonitor International, “as tarifas dos EUA sobre produtos europeus podem desacelerar o crescimento do PIB na região europeia, limitando as oportunidades de exportação e aumentando os custos de produção”.
A grande questão é a de saber como é que a Europa conseguirá organizar-se e responder, em conjunto, aos desafios. Para já, os cenários não são animadores, com França a lidar com uma dívida crescente e a enfrentar um procedimento de défice excessivo aberto pela Comissão Europeia, enquanto a Alemanha, em clara desaceleração económica, aguarda pelo resultado das eleições de 23 de fevereiro para clarificar o seu futuro político.
Segundo a Euromonitor International, “a resposta estratégica da Europa pode começar com uma maior integração do Mercado Único da UE, juntamente com a priorização da diversificação da cadeia de suprimentos e o reforço do investimento em indústrias nacionais. Além disso, o fortalecimento de parcerias comerciais com economias não americanas será essencial para mitigar potenciais perdas. O acordo UE-Mercosul recentemente assinado exemplifica essa abordagem, destacando o compromisso da UE em expandir a sua rede de comércio global”. No entanto, tendo em conta a manifesta oposição de França e de outros países em relação a esse acordo, que demorou décadas a ser negociado, é difícil prever se esse caminho vai ser mesmo, ou não, seguido – e que implicações, em qualquer caso, isso terá para a coesão europeia.

Numa Europa em que as forças populistas vão ganhando terreno, o futuro do bloco está, aliás, muito dependente da coesão política que os 27 possam ter neste período, marcado também por uma nova Comissão Europeia (novamente presidida por Ursula von der Leyen) e com um presidente do Conselho Europeu, António Costa, com redobrado trabalho pela frente. Uma primeira prova dessa coesão será dada logo no início do ano com a apresentação de um livro branco sobre Defesa, num esforço para liderar o caminho para uma abordagem mais coordenada e integrada da segurança europeia. Essa estratégia terá implicações igualmente no futuro da NATO.
“A segurança económica é uma prioridade para a segunda Comissão de Ursula von der Leyen”, lembra um relatório da Chatham House. “É, portanto, expectável que União Europeia multiplique os esforços para fazer aumentar esse setor, enquanto procura proteger-se dos impactos das tensões comerciais entre os Estados Unidos da América e a China.”
Para onde seguem a Alemanha e França?
A par das tarifas de Trump e de uma possível resolução do conflito na Ucrânia, o futuro da Europa vai ser decidido, em grande parte, com o que suceder na Alemanha nos dois primeiros meses de 2025.
“As eleições alemãs para o Bundestag a 23 de fevereiro moldarão a política europeia em 2025”, considera mesmo o relatório do Euromonitor International. A expectativa é elevada: “As eleições devem trazer vida renovada à liderança política alemã. A economia da Alemanha – a maior da UE – contraiu-se pelo segundo ano consecutivo em 2024, e a espinha dorsal tradicional da sua economia, a indústria automobilística, está em dificuldades. O novo governo terá de enfrentar essas questões e dar novo ímpeto à liderança na UE e maior apoio à Ucrânia.”
De acordo com as últimas sondagens de 2024, os democratas-cristãos, liderados por Friedrich Merz, são os favoritos, com o apoio de um em cada três eleitores. A extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) está em segundo lugar, com cerca de 18%, enquanto os social-democratas, do atual chanceler Olaf Scholz, estão com 16%. O Partido Verde está com apenas 13% nas pesquisas. A concretizarem-se estes resultados, os alemães, e o resto da Europa, devem preparar-se para esperar longo tempo pela formação de um governo de coligação em Berlim.
No entanto, independentemente de quem liderar o governo ou os partidos que o formarem, parece claro que a Alemanha vai iniciar um percurso económico e político diferente, afastando-se das suas políticas fiscais demasiado conservadoras, de forma a permitir maior investimento público e a assumir maiores responsabilidades na Europa. Apesar de todos os seus problemas atuais, é preciso não esquecer que a Alemanha vai iniciar um novo ciclo depois de, em poucos meses, ter conseguido livrar-se da dependência do gás natural da Rússia, ter-se tornado o maior apoiante da Ucrânia, ter investido fortemente nas suas forças armadas e, pela segunda vez numa década, ter acolhido mais de um milhão de refugiados.
Em França, por seu lado, os tempos são diferentes, já que as eleições que podem ser esclarecedoras – para a Presidência – só se realizarão em abril de 2027. Mas a verdade é que após conhecerem quatro primeiros-ministros ao longo de 2024, tudo indica que os franceses vão continuar a viver, em 2025, com grande instabilidade política – novas eleições legislativas só poderão ocorrer no próximo verão. E, este ano, o Presidente Emmanuel Macron não tem os Jogos Olímpicos para projetar a imagem de França de forma positiva internacionalmente. Pelo contrário, tem maus resultados económicos, cada vez mais penalizados pelos mercados e pelas agências de rating. E, como sempre, grande contestação nas ruas.
Até onde irá a instabilidade no Médio Oriente?
“É improvável que o fim do conflito no Médio Oriente domine a agenda de política externa de Trump em 2025”, considera Sanam Vakil, da Chatham House. Segundo a especialista, o Presidente dos EUA vai continuar a manter o forte apoio a Israel, mesmo que peça ao governo de Netanyahu para reduzir as operações militares em Gaza e no Líbano.
“No entanto, dado o êxito das apostas de Netanyahu, uma Presidência de Trump pode fazer com que o primeiro-ministro israelita se sinta fortalecido para tomar outras ações dramáticas”, considera o relatório da consultora Teneo. E, nesse cenário, afirma o mesmo especialista, “o Irão seria o alvo mais provável”, mas não o único. “Aquela que já parece uma guerra regional generalizada pode escalar ainda mais”, avisa.
Na tão martirizada zona do globo, Trump está mais interessado, isso sim, em reabrir negociações de longo prazo com a Arábia Saudita, que considera um parceiro no terreno e um ator fundamental para pacificar a região. Trump também sinalizou a intenção de regressar à política de sanções de pressão máxima que impôs a Teerão em 2018 após se retirar do acordo nuclear com o Irão. “O provável objetivo dessa abordagem não é apoiar a mudança de regime em Teerão – que é a esperança de ativistas no exterior –, mas sim forçar novas negociações sobre o programa nuclear do Irão e a sua transferência de ajuda letal para a Rússia e outros prováveis inimigos do Ocidente”, considera a Chatham House.
A incerteza mantém-se no Japão e na Coreia do Sul?
Dois dos países mais estáveis da Ásia podem viver tempos conturbados ao longo de 2025. O Japão vai, aliás, iniciar o ano num equilíbrio instável em termos políticos, depois de a coligação governamental ter perdido a maioria na Câmara Baixa, nas eleições de outubro. Por isso, o primeiro-ministro Shigeru Ishiba tem uma tarefa difícil pela frente, para tentar aprovar o Orçamento e outras medidas, antes das eleições de julho. As tarifas anunciadas por Trump, embora tenham deixado o Japão até ao momento de fora, podem também trazer períodos de intranquilidade para a indústria nipónica, nomeadamente no setor automóvel, onde as principais companhias estão a preparar uma fusão como forma de responder à concorrência chinesa, mas que só estará concluída em 2026.
Na Coreia do Sul, a incerteza política é ainda maior. E o ano começou com o país sem saber quem está no poder, depois da destituição, em meados de dezembro, do Presidente Yoon Suk-yeol, a que se seguiu, duas semanas depois, a do primeiro-ministro Han Duck-soo. O país deverá, assim, ser obrigado a realizar eleições presidenciais no primeiro semestre de 2025, num ambiente de profunda polarização política, com a moeda sul-coreana, o won, a perder valor com o avolumar das crises.
A situação poderá ainda piorar economicamente: as tarifas alfandegárias de Trump ameaçam os exportadores de carros, produtos eletrónicos e outros artigos tecnológicos da Coreia do Sul, enquanto alguns analistas esperam que o novo Presidente dos EUA também possa exigir um maior esforço financeiro ao país para pagar os atuais compromissos de segurança, assegurados por Washington.
“A Coreia do Norte continua a ser uma grande preocupação para Seul, devido aos crescentes laços militares com a Rússia e os avanços alcançados no fabrico de mísseis e outras tecnologias”, sublinha o relatório da consultora Teneo. Por isso, afirmam, o “possível enfraquecimento da aliança EUA-Coreia do Sul em 2025 pode levar o país a considerar a aquisição do seu próprio dissuasor nuclear independente”.
Um grande ano para o Brasil e para o clima?
O Brasil, a maior potência económica da América Latina, vai estar sob o olhar do mundo, em 2025, ao assumir a presidência do BRICS, desde 1 de janeiro, e organizar, em novembro, a conferência das Nações Unidas sobre o clima COP30. Para Lula da Silva será mais uma oportunidade de afirmar uma liderança estratégica brasileira, capaz de navegar entre vários blocos, com uma voz própria nas questões económicas, geopolíticas e ambientais.
Segundo o relatório da Teneo, Lula vai esforçar-se, ao longo de 2025, por defender uma ordem mundial multipolar e relações internacionais mais equilibradas. “No entanto, a segunda Presidência de Trump, juntamente com o crescente alinhamento de Brasília com o BRICS, provavelmente enfraquecerá as relações diplomáticas com Washington”, salienta a consultora.

A realização da COP30 em Belém, na Amazónia, representará uma oportunidade única para o Brasil subir alguns degraus em relevância geopolítica. Até porque pode ocorrer num clima de grande tensão com os EUA, caso Trump decida, novamente, sair do Acordo de Paris sobre alterações climáticas, como fez no seu primeiro mandato. E a cimeira pode também realizar-se num período em que a descarbonização de setores-chave pode estar a ser prejudicada por políticas protecionistas, como as tarifas sobre veículos elétricos chineses já decididas pela União Europeia e os Estados Unidos da América, que podem ser replicadas por outros países ou atingir outras tecnologias consideradas limpas.
“Dada a biodiversidade única do Brasil, espera-se que a Natureza seja levada a sério nas negociações, incluindo a mudança para uma bioeconomia que apoie transições entre setores, incluindo combustível e alimentos”, considera Ana Yang, da Chatham House. “Enquanto as negociações tensas na COP29 em Baku produziram um resultado nada surpreendente, mas frustrante, sobre o financiamento climático que satisfez poucos, a pressão aumenta para que a COP30 no Brasil galvanize resultados mais significativos das negociações climáticas”, sublinha.
África vai aproveitar o momento G20?
Em 2025, a voz do continente africano vai ganhar amplificação a nível global. E o momento alto será a realização, em novembro, da cimeira do G20, presidida pela África do Sul, onde também participará um representante da União Africana, cujo novo presidente será eleito em fevereiro.
A dúvida reside em saber como olhará Trump para um continente que, no seu primeiro mandato, quase desprezou. “A reeleição de Donald Trump corre o risco de enfraquecer as relações EUA-África, sendo até de prever que a nova Administração reduza o apoio de Washington a iniciativas destinadas a promover a saúde e a democracia, bem como quaisquer outros projetos que, na ótica de Trump, não sejam vistos como trazendo benefícios imediatos para os interesses americanos”, considera Tighisti Amare, especialista em assuntos africanos da Chatham House.
Por seu lado, a consultora Teneo lembra que o atual momento geopolítico e o facto de o continente ser rico em minerais cobiçados pela China podem levar a uma mudança de atitude por parte de Washington. “As relações EUA-África sob o Presidente eleito Trump provavelmente serão guiadas por uma abordagem transacional, privilegiando o comércio em vez da ajuda. Os governos africanos podem acolher esse foco no comércio em vez de “palestras” sobre democracia e direitos humanos, mas estarão expostos a pressões económicas globais, taxas de câmbio e implicações potencialmente inflacionistas em consequência das políticas protecionistas americanas”, lê-se no relatório.
Segundo a consultora, essa abordagem produzirá vencedores e perdedores no continente: “O Quénia, um aliado próximo dos EUA, pode esperar que se reavivem as negociações comerciais bilaterais. Angola, tradicionalmente próxima da Rússia e da China, aproximou-se recentemente dos EUA, com a visita de Joe Biden, e alguns funcionários da Administração Trump podem apoiar as estratégias do governo Biden, como o apoio ao corredor de Lobito, o principal projeto de infraestrutura apoiado pelos EUA que visa reduzir o domínio da China em cadeias críticas de fornecimento de minerais. Em contraste, as relações próximas da África do Sul com parceiros do BRICS como China e Irão, e a sua posição inequívoca sobre o conflito no Médio Oriente, correm o risco de gelar ainda mais as suas relações com Washington.”
Neste contexto, abre-se uma oportunidade para que outros blocos regionais e potências emergentes procurem uma maior aproximação com os países africanos – ignorados pelos EUA e já cansados da China.
Mas, segundo a Chatham House, as oportunidades estarão dependentes da estabilidade que for possível encontrar-se em cada nação africana: “Eleições importantes no Malawi, em setembro, e na Tanzânia e na Costa do Marfim, em outubro, servirão como testes críticos para a democracia. Em 2024, a formação de um Governo de Unidade Nacional na África do Sul e as vitórias da oposição no Senegal, no Botswana e nas Maurícias representaram vitórias importantes para o pluralismo democrático em África. Se o continente sabe aproveitar esses ganhos – e resistir à violência pós-eleitoral que trouxe o caos a Moçambique –, ainda não é claro.”
Giorgia Meloni vai estar à altura da sua ambição?

No espaço de pouco mais de um ano, Giorgia Meloni operou uma das mais espantosas metamorfoses na Europa: deixou de ser vista como uma ameaça à democracia para se transformar numa protagonista na busca por soluções e tomada de decisões no grande concerto das nações europeias. No fundo, ela é a ilustração clara de como a União Europeia foi deslizando para a direita, com o centro a absorver as ideias e as propostas que, até há bem pouco tempo, todos consideravam extremistas.
E, neste ano de 2025, a ambição da polémica chefe de governo de Itália é clara: passar a ser a interlocutora privilegiada entre a União Europeia e os Estados Unidos da América. Ou seja: a “amiga europeia” de Donald Trump… que o resto dos europeus gosta de desconsiderar.
A verdade é que, aos poucos, Meloni tem conseguido impor o seu programa. Veja-se o caso da imigração, em que foi tão criticada pela sua determinação em expulsar os imigrantes sem papéis para a Albânia – no que foi impedida, de imediato, pela justiça transalpina.
A verdade, no entanto, é que a sua ideia ganhou seguidores. De tal forma que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen já anunciou que pretende apresentar, até março, uma proposta de reforma legislativa para melhorar e acelerar o processo de expulsão de imigrantes no seio da União. Entre as novas medidas, a Comissão pretende incluir a instalação de centros de detenção e deportação fora da UE, seguindo o modelo italiano.
Por outro lado, numa Europa em que os dois principais motores – Alemanha e França – estão mergulhados em crises políticas de que ninguém consegue prever a duração, a Itália tornou-se com Meloni um exemplo raro de estabilidade: há muito tempo que um governo não durava tanto tempo em Roma. E o seu partido, os Irmãos de Itália, continua a ser o mais popular nas sondagens, sem acusar o “desgaste” de dois anos de governação.
Com Trump de regresso ao poder, a líder italiana pode ser a pessoa indicada para facilitar o difícil diálogo transatlântico: partilham ideologias semelhantes, têm o mesmo desprezo por Bruxelas e os dois já trocaram elogios mútuos. Resta saber até quando.
ELEIÇÕES A QUE SERÁ PRECISO ESTAR ATENTO
Num ano eleitoral mais tranquilo do que o de 2024, que bateu todos os recordes, o poder do voto vai ser responsável por algumas decisões importantes – na Alemanha, na Austrália, no Canadá, em África e na América Latina –, algumas delas com implicações globais
Em 2024, nas mais de sete dezenas de eleições realizadas em quase todo o mundo, os eleitores puniram os políticos no poder e deram uma oportunidade aos desafiantes. Será que essa tendência vai ser seguida em 2025? Para já, temos uma certeza, a lista de eleições críticas que se segue estará, quase de certeza, incompleta, no mundo volátil de hoje, em que os governos caem nos parlamentos, mas também através de protestos nas ruas. Por exemplo, ninguém consegue garantir que os franceses não voltem às urnas em 2025…
Bielorrússia
Há cinco anos, quando os bielorrussos foram pela última vez às urnas pensaram que estavam a enviar Alexander Lukashenko para a reforma, ao darem a vitória à opositora Sviatlana Tsikhanouskaya. Afinal, com a ajuda das tropas de Vladimir Putin, tudo mudou rapidamente: Lukashenko garantiu o seu sexto mandato como Presidente e Tsikhanouskaya foi obrigada a exilar-se. Desde então, a Bielorrússia transformou-se num país satélite de Moscovo, como se viui na invasão da Ucrânia. Desta vez, nas presidenciais marcadas para 26 de janeiro não deverá haver surpresas, até porque Lukashenko mudou as leis eleitorais e proibiu a oposição. O sétimo mandato estará garantido, portanto.
Equador
O caminho do Presidente Daniel Noboa para a reeleição, nas eleições de 9 de fevereiro, tornou-se mais difícil com as constantes quebras da rede elétrica e a inoperância das autoridades face ao crime organizado – o país tem a maior taxa de homicídios da América do Sul. Existe, por isso, a possibilidade de vitória por parte de Luisa González, uma protegida do ex-Presidente de esquerda Rafael Correa, que foi condenado por corrupção e agora vive exilado na Bélgica. Se ninguém ganhar 50% dos votos, ou 40% dos votos mais uma vantagem de dez pontos sobre o segundo classificado, haverá uma segunda volta a 13 de abril.
Kosovo
As eleições de 9 de fevereiro vão ocorrer no meio de uma grande tensão com a vizinha Sérvia, que continua a insistir que o Kosovo é uma província do seu território e não um país independente. O Lëvizja Vetevendosje (LVV) do primeiro-ministro Albin Kurti, ou Partido da Autodeterminação, de centro-esquerda, é o favorito para continuar a liderar o governo.

Alemanha
As eleições de 23 de fevereiro vão ter um profundo impacto na União Europa. As sondagens dão os democratas-cristãos de centro-direita, agora liderados por Friedrich Merz, como favoritos, mas qualquer solução de governo terá de passar sempre por uma ampla e porventura difícil coligação. Aguarda-se com atenção até que ponto chegará o crescimento da extrema-direita, que vai às urnas com um programa declaradamente antieuropeu.

Austrália
Os australianos vão ter duas datas para escolher o novo governo. A 17 de maio vão eleger cerca de metade das 76 cadeiras do Senado. Depois, a 27 de setembro, escolhem os 150 deputados da Câmara, que seleciona o primeiro-ministro. A decisão será entre o atual chefe de governo Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, e Peter Dutton, líder do Partido Liberal, de centro-direita.
Gabão
Em agosto, o povo do Gabão pode ter uma oportunidade de escolha democrática, depois de 56 anos em que foi liderado por Omar Bongo e, a seguir, pelo seu filho Ali Bongo. Com uma nova Constituição, após um golpe militar, podem estar criadas as condições para uma nova era democrática no Gabão. Mas ainda reina muita incerteza. E não se sabe se o atual líder da junta militar, general Brice Oligui Nguema, será ou não candidato a Presidente.
Tanzânia
As expectativas de reforma política no quinto país mais populoso da África serão severamente testadas nas eleições presidenciais e legislativas previstas para outubro. A forma como o ato eleitoral decorrer dará um sinal importante para a democracia naquele continente.

Canadá
O primeiro-ministro Justin Trudeau entrou em 2025 em sérias dificuldades: apenas um em cada três com patriotas aprova o seu desempenho e alguns dos seus companheiros do Partido Liberal pedem que renuncie ao cargo, que desempenha desde 2015. O maior beneficiário da popularidade em declínio de Trudeau tem sido Pierre Poilievre, líder do Partido Conservador. As eleições, originalmente apontadas para outubro, poderão realizar-se já nesta primavera.
Argentina
A Argentina realizará eleições legislativas de meio de mandato em outubro, para eleger metade da câmara baixa e apenas um terço do senado. O partido Liberty Advances (LLA) de Javier Milei tem hipóteses de aumentar a sua representação, se continuar a apresentar bons resultados económicos.
Chile
Eleições presidenciais e legislativas em novembro/dezembro. A coligação de governo de esquerda liderada por Gabriel Boric parece apontada a uma derrota quase certa. Evelyn Matthei, da coligação de oposição de centro-direita Chile Vamos (CV), tem liderado as sondagens, mas pode ver o seu apoio enfraquecido devido ao avanço do ultraconservador José Antonio Kast, do Partido Republicano.