É um lugar-comum dizer-se que não devemos voltar ao lugar onde fomos felizes. Mas as máximas dos comuns mortais, também é sabido, não se aplicam aos deuses, especialmente aos do firmamento do rock and roll, cuja glória é tão efémera quanto cíclica. Quando, em abril de 1999, os Metallica se juntaram pela primeira vez à Orquestra Sinfónica de São Francisco, para gravarem o álbum ao vivo S&M, a ideia até nem era a mais original do mundo e já tinha sido concretizada várias vezes desde 1969, quando os Deep Purple inauguraram esta tendência, numa atuação conjunta com a Royal Philharmonic Orchestra.
Mas o rock and roll também envolve um mimetismo por parte de antigos fãs, entretanto também eles tornados estrelas, sempre com o desejo de superarem os velhos ídolos. Os ingleses Deep Purple, uma das bandas pioneiras do heavy metal, são uma das referências de Lars Ulrich, baterista dos Metallica, que não hesitou em convencer os colegas quando o famoso maestro Michael Kamen, após assistir à atuação do grupo na cerimónia dos Grammy de 1992, os desafiou a fazer um concerto com uma orquestra clássica. A ligação dos Metallica à música erudita já era antiga, devido ao icónico baixista original do grupo, Cliff Burton, falecido em 1986, também ele um apreciador e conhecedor dos compositores clássicos, em especial de J. S. Bach, cuja influência pode ser detetada em alguns dos temas mais épicos da banda, especialmente nos álbuns Ride The Lightning e Master of Puppets.
O desafio seria concretizado sete anos mais tarde, e as quase dez milhões de cópias vendidas e o Grammy conquistado com S&M provaram que, afinal, os Metallica ainda conseguiam surpreender, mesmo a fazer algo já experimentado por outros. À época, a banda atravessava uma crise de criatividade, que acabaria disfarçada pelo sucesso comercial de S&M. Em 2019, decidiu voltar a reunir-se com a Orquestra Sinfónica de São Francisco para dois concertos, em que contaram com a presença de cerca de 40 mil elementos dos clubes de fãs da banda, vindos de quase 70 países.
Em S&M2 o efeito surpresa já não é o mesmo. Metade dos seus 20 temas já estavam presentes no álbum original (S&M, de 1999), e com arranjos idênticos. Os clássicos de sempre dos Metallica reencontram-se aqui, com acompanhamento de orquestra: One, Master of Puppets, Nothing Else Matters…
O momento foi imortalizado em disco (e vídeo), neste álbum S&M2, que regista o espetáculo de mais de duas horas e meia, que juntou em palco James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett e Robert Trujillo com os 80 membros da orquestra, agora dirigidos pelo maestro Edwin Outwater e pelo lendário diretor musical Michael Tilson Thomas. Um dos melhores momentos do disco é a vertiginosa versão do instrumental The Call of Ktulu, apenas suplantado pelo sentido tributo a Cliff Burton, protagonizado pelo contrabaixista da orquestra, Scott Pingel, um assumido fã de Metallica – o tema escolhido para a homenagem foi o instrumental (Anesthesia) – Pulling Teeth, editado em 1983 no álbum Kill ‘Em All.