Quando Joana tinha 6 anos, a mãe levou-a a visitar o avô asmático no Hospital Militar de Luanda. Nas camas vizinhas, estavam homens feridos, alguns sem pernas. A mãe disse-lhe que vinham da “nossa guerra”. A esta memória junta-se a de estar sentada no chão da casa, a dobrar um maço de papéis, amarelos, azuis ou rosa, pelo tracejado impresso nas margens: cartas para “longe, para a Metrópole”. Na rádio, uma “suave voz feminina” dizia “números e nomes de soldados, e também de pais, mães, irmãos e noivas”. Estas evocações leem-se no início de Sinais de Vida – Cartas da Guerra 1961-1974, extraordinário volume que nos transporta a um período ainda por estudar aprofundadamente, e que aqui é narrado pela gente comum. A mobilização de quase 600 mil portugueses para participarem na guerra teimosamente travada em Angola, Guiné e Moçambique originou dez toneladas diárias de correspondência.
Atenta à História do século XX (é coautora com António Barreto da série Portugal, Um Retrato Social, de 2006, e de As Horas do Douro, de 2010, e realizou a série de entrevistas O Valor da Liberdade e o documentário premiado sobre Jorge de Sena O Escritor Prodigioso), Joana Pontes traça um retrato atento, abrangente e sensível – consciente da intrusão e das ambiguidades políticas nas entrelinhas –, dos 13 anos de conflito através de 4 400 cartas e aerogramas (oriundos de 16 acervos). Por vezes, confessa, enredou-se numa “angústia” empática com quem vivia “o desespero de uma ausência tão longa”, dois anos com os afetos em suspenso (mães aflitas, namoradas a irem aos bailes “que já não têm a graça que tinham”…).
É a História contada, às vezes com corações desenhados, pelo minhoto José que tem “letra bem desenhada”; ou por Francisco, pastor bracarense que foi apanhado a fugir à mobilização; ou por Carlos, nascido numa casa sem eletricidade, que publicou um anúncio na revista Plateia para conseguir as nove madrinhas de guerra com quem se correspondia.