Fotografias, textos, vídeos, comentários, likes, partilhas. As redes sociais recebem e projetam a imagem que cada um escolhe ter no mundo virtual, mostram-nos as ideias e fragmentos das vidas do outros e levam-no, muitas vezes, a passar horas no seu reino encantado.
Apesar de, como enfatiza o psiquiatra Pedro Castro Rodrigues, a grande maioria das pessoas conseguir utilizar uma rede social sem desenvolver adição, também é verdade que “há fatores individuais que tornam algumas pessoas mais propensas a desenvolver um comportamento aditivo”.
Adição ou não adição, eis a questão. O debate tomou novo fôlego este mês, quando um grupo de 41 estados dos Estados Unidos da América e o Distrito de Columbia processou a Meta, proprietária do Facebook, Instagram, WhatsApp e Messenger, alegando que a empresa usou, conscientemente, recursos nas suas plataformas, para fazer com que as crianças as utilizassem de forma compulsiva.
“A Meta aproveitou tecnologias poderosas e sem precedentes para atrair, envolver e, em última análise, seduzir jovens e adolescentes”, afirmaram os estados, acrescentando, “o seu motivo é o lucro”.
O que torna as redes sociais tão sedutoras?
Apesar de ser indiscutível que empresas como a Meta, “cujo objetivo é o lucro”, recorda Pedro Castro Rodrigues, utilizem ferramentas para controlar o tempo que passamos nas redes sociais e o conteúdo que consumimos, desenvolvendo algoritmos destinados a deixarem-nos sempre mais “viciados”, também é verdade que existe ainda pouca investigação científica na área das redes sociais, que permita utilizar sem reservas a palavra adição.
Ainda assim, vários especialistas que estudam o uso da Internet defendem que o fascínio magnético das redes sociais surge da forma como o conteúdo influencia os nossos impulsos e conexões neurológicas, fazendo com que os consumidores tenham dificuldade em afastar-se do fluxo de informações que chega.
“Estas tecnologias transmitem à pessoa que as utiliza, de acordo com o seu comportamento, alguns sinais de feedback – os famosos likes – que se pensa irem ativar os mecanismos cerebrais de recompensa”, explica Pedro Castro Rodrigues.
Estes mecanismos estão relacionados com o sistema dopaminérgico, o qual, sublinha o psiquiatra, “é um sistema muito primário e primitivo, que serve para o organismo conseguir identificar, entre os milhões de estímulos a que estamos expostos durante o dia, quais é que são aqueles que, de facto, têm valor”.
Por exemplo, quando comemos uma comida de alto valor calórico, ou que nos agrada, “há uma alta libertação de dopamina no cérebro, indicando-lhe ‘isto que fizeste é bom, volta a fazer”.
Se, a um nível mais primário, tal sistema de recompensa está relacionado com a ingestão de comida, de água, ou com a satisfação sexual, “pensa-se que, depois, complexifica-se e também é ativado por contextos como as interações de grupo”, revela Castro Rodrigues.
O médico afirma que, à semelhança da ingestão de alimentos ou da atividade sexual, um elogio, vindo de outra pessoa ou de um grupo, tem o poder de desencadear uma descarga de dopamina no cérebro. “Está demonstrado que todo o comportamento que dá prazer, desde fazer exercício até ir às compras, leva a estes picos de dopamina”.
Vítimas da imprevisibilidade do like
E se determinadas substâncias e comportamentos são autênticas bombas de dopamina, o fator imprevisibilidade, então, assegura Pedro Castro Rodrigues, é o detonador perfeito.
Ou seja, o cérebro, quando lida com a incerteza, tem uma maior tendência para continuar a repetir o comportamento, a fim de encontrar o padrão que está por trás. É o que acontece, por exemplo, nos jogos de casino, extremamente aditivos, por não sabermos sequer “se vamos receber a recompensa ou não”.
Fazendo um pararelismo com as redes sociais, Pedro Castro Rodrigues comenta que “provavelmente, estas empresas perceberam que a imprevisibilidade do like é aquilo que faz com que a pessoa continue a publicar até conseguir perceber que tipo de conteúdo é que dá mais likes”.
De uma fase inicial, em que os utilizadores procuram informação e contactos sociais, passa-se assim para o momento da gratificação, no qual “há uma tendência natural e quase inconsciente, embora varie muito de pessoa para pessoa, para tentar encontrar o padrão por trás dessa gratificação e continuar a ter uma descarga de dopamina”.
Adição ou uso excessivo de redes sociais?
Ainda que certos utilizadores possam apresentar maior vulnerabilidade, Pedro Castro Rodrigues sublinha que o termo adição, quando falamos de redes sociais, está ainda em discussão. “Ainda se sabe pouco, há quem defenda que se deve usar mesmo o termo adição e há quem diga que é melhor usar o termo uso problemático”.
Ainda assim, e pensando em adições que podem ir do exercício físico ao jogo, sexo, drogas ou comida, o psiquiatra defende que “faz sentido, um comportamento no qual há uma gratificação, que ainda por cima tem uma conotação social, também possa transitar de uma fase de uso mais normal a um uso mais compulsivo ou aditivo”.
Os adolescentes são os mais vulneráveis
Pedro Castro Rodrigues sublinha também que a transição de um comportamento intencional para um comportamento habitual é algo que, durante a adolescência, acontece de uma forma mais rápida, devido à maior plasticidade do cérebro nesta fase da vida.
Quando os comportamento são ditos “normais”, como guiar um carro ou estudar, o hábito ajuda o cérebro a ser mais eficiente, mas o mesmo mecanismo está também na base de hábitos de contornos compulsivos que podem estar na base da adição.
Apesar de salvaguardar que ainda existem muito poucos dados concretos relativamente ao tema, o médico considera que “faz sentido que, na adolescência, altura em que os circuitos cerebrais estão mais plásticos, se uma pessoa for exposta a redes sociais haja uma tendência biológica de maior vulnerabilidade”.
Além dos fatores biológicos, é importante não esquecer que, na adolescência, existem ainda condicionantes sociais muito importantes. “O facto de os jovens quererem integrar-se num grupo, fazer parte e desenvolver a sua identidade, também propicia, mais que não seja, a própria utilização inicial da rede social, mas também uma maior sensibilidade à rejeição”.