Será rara a pessoa que nunca esbarrou com aquela que parece ser a regra de ouro do sono. É preciso dormir, no mínimo, oito horas por noite. Só que, afinal, parece não ser bem assim…
Inês Carreira Figueiredo, psiquiatra no Hospital Psiquiátrico de Lisboa e professora no Institute of Psychiatry, Psychology and Neuroscience do King’s College, em Londres, assegura que não faz sentido perpetuar a ideia de que precisamos todos de um número determinado de horas de sono. “A ideia de que, se dormirmos menos de oito horas, já estamos em défice e a causar danos à nossa saúde é errada”, assegura a psiquiatra.
Segundo a especialista, “temos de pensar no sono como o número de sapatos que calçamos”. Ou seja, a população não calça toda o mesmo, apesar de existir uma média. “Há pessoas que conseguem dormir seis horas e funcionar extremamente bem e há pessoas que precisam de dez”.
Muito importante, porém, é identificar quando não estamos a dormir o número de horas que precisamos. Quando tal acontece, sublinha Inês Carreira Figueiredo, podemos estar perante a insónia ou a privação de sono. Embora semelhantes, e muitas vezes confundidos entre si, a médica sublinha que os fenómenos são muito distintos e não têm o mesmo impacto no organismo.
Privação de sono e insónia não são a mesma coisa
A maior diferença entre privação de sono e insónia é que, no caso da primeira, sentimo-nos cansados, sonolentos e com necessidade de dormir, mas não existe o ambiente necessário para o fazermos, enquanto que, no caso da segunda, não conseguimos ter sono, mesmo com o ambiente perfeito para adormecer.
Ou seja, na privação de sono queremos dormir, mas não podemos ir para a cama, na insónia não conseguimos adormecer, apesar de até já podermos estar na cama.
“A privação do sono é de facto um problema grave, que pode ter consequências a longo prazo como a diminuição da esperança média de vida e problemas cardiovasculares, enquanto que a insónia, a longo prazo, o único impacto mais direto que tem está relacionado com a saúde mental, com uma sensação de maior tristeza e falhas de atenção e memória”, explica Inês Carreira Figueiredo.
Por esta razão, sublinha a médica, perante estudos que indicam que menos de sete horas de sono são um fator de risco para enfarte, “é fundamental perceber que se está a falar de privação do sono”, e não de insónias.
Ou seja, mesmo alguém cujo número de horas normal de sono diário ronde as 10 horas, poderá estar em risco a partir do momento em que se obrigue a dormir muito menos do que esse número, dando sinais de cansaço.
Como conseguimos ter um sono eficaz?
A eficácia de uma noite de sono é determinada, por um lado, pela chama pressão homeostática, o acumular de cansaço ao longo do dia, e, por outro, pelo processo dos ritmos circadianos, uma espécie de relógio, ou “pacemaker humano”, nas palavras de Inês Carreira Figueiredo, associado à produção de neurotransmissores como a melatonina, essenciais na regulação do ciclo sono-vigília.
Quando esta arquitetura está interrompida, fragmentada ou com alterações na duração das suas diferentes fases, dormimos mal, o que acontece devido a inúmeros fatores, entre eles– mostram-no cada vez mais estudos – a alteração da microbiota.
Atualmente, sabe-se que a microbiota tem o seu próprio ritmo circadiano. “Dez por centro do nosso microbioma tem uma variabilidade, durante o dia, da produção dos seus metabolitos, nomeadamente os ácidos gordos de cadeia curta, fundamentais para a arquitetura do sono”, revela Inês Carreira Figueiredo.
Alguns investigadores acreditam mesmo que a qualidade do sono poderá ser melhorada, em algumas pessoas, manipulando a sua microbiota intestinal através de pré e probióticos ou de transplante de matéria fecal.
A arquitetura do sono varia ainda consoante a idade. Se na infância dormimos muitas horas, o número reduz durante a adolescência e o início da idade adulta, para voltar a aumentar em torno dos 30 e diminuir “numa fase mais adiantada da vida”.
Além disso, segundo Inês Carreira Figueiredo, “quanto mais as pessoas se focam em tentar dormir, menos dormem. Quanto mais se quer agarrar o sono, mais difícil é conseguir adormecer. A pressão, a ansiedade e o stress associados são péssimos para o sono”.
De qualquer forma, e porque “o sono é fundamental para a reconsolidação da memória, regulação neuronal e emocional”, a psiquiatra sublinha que nunca é demais recordar que, “em qualquer fase da vida, pode haver uma disrupção que implica com a rotina do sono, com consequências a longo prazo”.
Para dormir melhor…
- Desmistificar a ideia que o meu sono tem de ser igual ao de outra pessoa. “Cada um tem as suas necessidades e quanto mais focado eu estou em tentar otimizar o meu sono, menos otimal ele será, precisamente pela ansiedade associada ao processo”, explica Inês Carreira Figueiredo.
- É importante perceber que, mesmo quem dorme muito bem, tem noites más.
- Não usar o quarto ou a cama como uma extensão do resto da casa. Passar muitos momentos na cama a trabalhar, ler, conversar ou falar ao telefone é nefasto para um sono de qualidade.
- “Temos de treinar o nosso cérebro para associar o quarto, nomeadamente a cama, a momentos de sono ou intimidade e nada mais. Se não o cérebro pode começar a encarar a cama como mais um sitio onde estar ativado, concentrado em pensamentos, questões a resolver no dia seguinte e trabalho”, alerta Inês Carreira Figueiredo
- Evitar compensar uma noite mal dormida com sestas. Deve-se esperar até ao final do dia seguinte para ir dormir
- Evitar compensar uma noite de pouco sono com uma ida muito precoce para a cama, caso ainda não se tenha sono. O segredo é levantar sempre à mesma hora e deixar o corpo sentir naturalmente o cansaço associado a esta rotina imposta, sentindo-se verdadeiramente cansado mais cedo na noite seguinte.
- Não dormir em quartos demasiado quentes
- Usar relaxamento corporal e meditação na hora de ir dormir