Esta história começa com Zulkayda Mamat, doutorada em neurociência cognitiva pela Universidade de Cambridge, em Cambridge, Inglaterra, que tem uma grande ligação com memórias traumáticas.
Mamat é de etnia uigure, um povo de origem turcomena que habita principalmente a Ásia Central, e deixou a China aos 12 anos depois de uma revolta na região do Turquestão Oriental, onde ainda vive a maior parte da sua família .“Conheço pessoas em campos [de “educação política]. Testemunhei famílias completamente desintegradas”, diz, citada pela Scientific American.
A investigadora explica que, ao longo dos anos, foi percebendo como os uigures mais resilientes que ela conhece, tal como ela própria, conseguem lidar com os seus traumas, bloqueando das mentes as suas memórias mais angustiantes.
Esta ideia descontrói a abordagem terapêutica que tem como objetivo “desenterrar” os pensamentos negativos, para que se aprenda lidar com eles e, consequentemente, a “tirar-lhes o poder”, explica, citado pela Sky News, Michael Anderson, neurocientista e investigador na mesma Universidade e orientador de Mamat.
Ou seja, muitos psicólogos acreditam que bloquear os pensamentos negativos e angustiantes pode fazer com que eles surjam mais tarde com maior frequência, deteriorando a saúde mental. Por outro lado, apoiam a ideia de que explorar o significado deste tipo de pensamentos é benéfico.
Contudo, num estudo publicado a 20 de setembro na revista Science Advances, Mamat e Anderson revelaram algumas evidências que apoiam o bloqueio de pensamentos negativos para melhoria da saúde mental, relatando que conseguiram treinar com sucesso pessoas, a maioria com problemas de saúde mental, para bloquarem os seus pensamentos relacionados com os medos, melhorando a sua saúde mental.
Estudo que “vai contra a narrativa aceite” atualmente
Para a realização deste estudo, foram recrutadas 120 pessoas de 16 diferentes países, a quem foi pedido que pensassem numa série de diferentes cenários possíveis para os dois anos seguintes.
Isso incluía pensar em 20 medos – preocupações atuais que tinham repetidamente invadido os seus pensamentos -, em 20 sentimentos relacionados com esperança, positivos, e em mais de 30 eventos vulgares e neutros.
Os participantes tiveram também de atribuir uma palavra que os remetesse para cada cenário, que funcionaria como palavra-chave, assim como um detalhe relativamente a esse cenário, de apenas uma palavra.
O seguinte exercício foi repetido 12 vezes por dia, durante três dias: metade dos voluntários teve de olhar para uma das suas palavras negativas durante alguns segundos e reconhecer o medo, mas depois bloquear quaisquer outros pensamentos. Já os restantes fizeram-no apenas com as palavras associadas aos pensamentos neutros.
Após a realização dos exercícios, o grupo de voluntários que bloqueou os pensamentos negativos relatou que os medos se tinham tornado, na generalidade, menos vívidos. Além disso, referiram que a sua saúde tinha melhorado.
O mesmo não aconteceu com o grupo que realizou o exerício com os pensamentos neutros, explica a equipa, acrescentando que estes resultados mantiveram-se válidos pelo menos até três meses após o fim da experiência.
Anderson explica que, “embora seja necessário realizar mais investigação que confirme estas descobertas, parece que é possível e pode até ser potencialmente benéfico suprimir ativamente os nossos pensamentos realacionados com o medo”. “O que descobrimos vai contra a narrativa aceite” neste momento, refere ainda o investigador.
O investigador afirma ainda que bloquear pensamentos negativos está “longe de ser algo perigoso”. Pelo contrário, parece ser um grande benefício, especialmente para as pessoas que mais precisam, ou seja, que sofrem de depressão, ansiedade e stress pós-traumático”.
Esta investigação questiona ainda se as pessoas com transtornos mentais têm uma incapacidade inerente de suprimir pensamentos intrusivos. “Provavelmente não é um défice”, explica Mamat, acrescentando que a maioria dos voluntários do estudo “ficaram surpreendidos ao perceber que isto era algo que podiam aprender”.