A esmagadora maioria dos adolescentes que iniciam tratamentos hormonais de mudança de sexo não se arrepende e continua os procedimentos necessários para a transição na idade adulta. Um estudo realizado nos Países Baixos, publicado esta quinta-feira, 20, na prestigiada revista científica The Lancet, concluiu que 98% dos jovens com incongruência de género (antes designado de disforia de género, termo abandonado pela Organização Mundial de Saúde em 2018) mantém-se convicto das decisões tomadas antes dos 18 anos e prossegue os tratamentos hormonais após atingir a maioridade.
A equipa de investigadores da Universidade Livre de Amesterdão avaliou 720 pessoas, das quais 500 nasceram com o género feminino e 220 o masculino. Apenas 16 descontinuaram o processo trans antes de se tornarem maiores de idade, enquanto as restantes mantiveram-se firmes no propósito depois dos 18.
Estes dados vêm reforçar a ideia cada vez mais generalizada entre a comunidade médica e de cuidadores de que, logo na adolescência, as pessoas transgénero constroem uma consciência sólida da sua identidade de género. No entanto, continuam a existir muitas dúvidas na sociedade sobre a maturidade dos adolescentes para decidirem sobre um assunto que, no fundo, os vai definir para o resto da vida. Perante os resultados do estudo, nomeadamente o facto de quase todos os envolvidos terem dado seguimento, já enquanto adultos, aos tratamentos iniciados precocemente, os investigadores entendem que transmitem uma mensagem “tranquilizadora” sobre o discernimento dos adolescentes em relação ao seu corpo.
Mesmo os 2% que surgem, neste estudo, como uma exceção à regra estão em linha com as conclusões de pesquisas anteriores, que indicam que alguns jovens menores desistem das intenções iniciais devido à falta de apoio para as concretizarem, por norma devido à pressão familiar ou ao estigma social inerente ao processo, sem que esse recuo signifique uma alteração na sua identidade de género.
Nos Países Baixos, desde que os pais autorizem, há mais de duas décadas que é possivel realizar tratamentos com os chamados bloqueadores da puberdade, que atrasam o desenvolvimento de características sexuais nas crianças e lhes permite ganhar tempo na definição da identidade. Os seus efeitos são reversíveis, mas o mesmo já não acontece mais à frente, quando, ainda na adolescência ou on início da idade adulta, começam a tomar hormonas de afirmação de género.
Os resultados do estudo da Universidade Livre de Amesterdão assentam no pressuposto de que os utentes tomaram a medicação que lhes foi prescrita depois dos 18 anos, esclarecem os autores.
Estes dados são conhecidos num momento em que várias associações internacionais se juntam num manifesto em defesa de um modelo de acompanhamento clínico caso a caso para crianças e jovens transgénero, uma vez que o que cada um deseja para o seu corpo difere bastante. Nesta quinta-feira, 20, a Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade Sexual entregou o manifesto na Assembleia da República, com esta e outras reivindicações.