É costume ver-se Raquel Prates, um dos ícones mais marcantes da moda portuguesa, na televisão, revistas e redes sociais, mas não pelos motivos pelos quais tem sido falada ultimamente. A apresentadora, também fundadora da Concept Store 39a, que já foi recomendada pela atriz Gwyneth Paltrow, partilhou, em fevereiro, uma publicação no instagram em que contava aos seus seguidores que seria submetida a uma histerectomia total, uma cirurgia de remoção do útero.
“As lesões no útero provocadas pela adenomiose [já explicamos as diferenças a seguir] atingiram um estágio em que a possível evolução das mesmas pode levar a um nível ainda mais grave e comprometedor, além de que as dores são muito fortes, pelo que a melhor solução para o meu caso é mesmo a remoção total”, explica à VISÃO a empresária, que completou em janeiro 46 anos.
Já se sabia que Raquel Prates sofria de endometriose, que afeta entre 200 mil e 230 mil mulheres em Portugal e, estima-se, 176 milhões mulheres em idade reprodutiva em todo mundo, e de adenomiose. Há vários anos que a empresária fala, em público, das doenças e do sonho de ser mãe, que nunca chegou a concretizar-se. Naquele dia, alertou, mais uma vez, para a importância de os diagnósticos começarem a ser mais rápidos e para que “as pacientes recebam o tratamento mais adequado atempadamente”, evitando complicações mais tarde. “Uma vez que o objetivo da maternidade já não será possível também, a histerectomia vai permitir reduzir riscos futuros e ganhar qualidade de vida”, garante.
Se a doença afeta tantas mulheres, porque é que o diagnóstico é, muitas vezes, tardio? “Existe ainda algum desconhecimento sobre a endometriose entre os profissionais de saúde porque, apesar de ser uma doença descrita há mais de 100 anos, durante décadas não foi abordada nos cursos de medicina e, desta forma, os alunos concluíam a sua licenciatura com lacunas relativamente ao conhecimento da doença”, explica à VISÃO Hélder Ferreira, Coordenador da Unidade de Cirurgia Minimamente Invasiva e Endometriose de Ginecologia do Centro Hospitalar do Porto.
“Ao longo da última década, consultei vários médicos, e logo aqui identifica-se uma das principais dificuldades desta doença: encontrar um profissional de saúde especializado nestas patologias para obter um diagnóstico correto e determinar o caminho terapêutico adequado, o que determina a qualidade de vida e os impactos da doença no futuro das pacientes”, concorda, por sua vez, Raquel Prates.
Contudo, refere o médico, nos últimos anos houve uma melhoria da qualidade dos exames complementares de diagnóstico, como a ecografia e a ressonância magnética, “associada a um crescente interesse pela doença”, que tem possibilitado a realização dos diagnósticos cada vez mais precoces e precisos. “É importante”, ainda assim, “que se divulgue cada vez mais a endometriose e se promova o diagnóstico precoce com o objetivo de evitarmos a evolução para quadros mais complexos”, afirma ainda.
Na endometriose, o tecido endometrial cresce para fora do útero e pode atingir os ovários, as trompas de Falópio, as paredes laterais pélvicas, o intestino, a bexiga e mais raramente outros órgãos distantes da pelve, como o diafragma e o pulmão. “As dores intensas e o facto de vários órgãos poderem ser afetados tem como consequência uma condição física fragilizada que, ao longo do tempo, se transforma vulgarmente também numa fragilidade mental e emocional. Em alturas em que a doença se manifesta de forma mais intensa, o nosso quotidiano é abruptamente alterado”, refere Raquel Prates, acrescentando que este problema pode provocar, também, “perda de oportunidades profissionais e distanciamento social”.
Por outro lado, a adenomiose consiste no crescimento de tecido endometrial, o revestimento interno do útero, na parede uterina, e pode afetar 10 a 90% das mulheres com endometriose, de acordo com alguns estudos. Raquel Prates é, assim como muitas mulheres, uma das que sofre de endometriose e adenomiose, mas estas duas doenças não estão relacionadas diretamente, explica Hélder Ferreira. “A adenomiose e a endometriose, embora representem distúrbios do endométrio ectópico e possam ser uma causa de dor pélvica, não parecem estar relacionadas de outra forma.”, diz.
Na adenomiose, o interior do útero fica mais espesso e o volume uterino aumenta, o que geralmente não acontece com a endometriose, que pode causar pressão na bexiga e no reto, espasmos uterinos e períodos abundantes e dolorosos. Além disso, a adenomiose não provoca sempre sinais ou sintomas e pode manifestar-se apenas como um desconforto leve, mas também pode causar sangramento menstrual intenso ou prolongado, cólicas severas ou dor pélvica aguda durante a menstruação. “Ambas as doenças podem criar dor, mas é mais provável que a endometriose provoque infertilidade por vários mecanismos. As aderências entre os ovários e trompas, o bloqueio da descida de um óvulo para a fecundação ou a migração dos espermatozoides para fecundar o óvulo, a inflamação pélvica, a alteração da quantidade e qualidade ovocitárias e alterações na implantação embrionária podem ser alguns dos motivos, explica o especialista.
O médico esclarece ainda que as duas condições podem levar à anemia por sangramento menstrual e, por isso, os exames ginecológicos e pélvicos são muito importantes. “A ecografia pélvica e a ressonância magnética ajudam a esclarecer o diagnóstico. Também podem ser importantes outros exames, como a colonoscopia e a cistoscopia”, mas a laparoscopia, que tem como objetivo diagnosticar e tratar doenças que acometem a região pélvica, é a melhor abordagem para o diagnóstico, esclarece Hélder Ferreira.
Esta doença tem também a nível emocional grandes repercussões na vida das doentes, tanto profissional como conjugal e familiarmente. “Acontece muitas vezes uma diminuição da autoestima com ansiedade e depressão associadas em muitos casos”, refere o especialista. Além disso, segundo Raquel Prates, “existe a tendência para se desvalorizar os sintomas” da doença e “não haver facilmente a compreensão do real estado geral” em que as doentes se encontram. “Isso provoca na mulher com endometriose uma tendência para um maior isolamento e distanciamento”, afirma.
Contudo, o seu pensamento é positivo e de esperança. “É um processo, não apenas um momento”, explica Raquel Prates, acrescentanto que “não é o útero ou os ovários que fazem de uma mulher o que ela é, mas sim a sua natureza, a força interior, as suas convicções e forma de estar na vida”.
Novidades no tratamento
A terapêutica utilizada para tratar a endometriose pode ser hormonal, com bloqueio da menstruação e impedindo a gravidez. Também existe a utilização de analgésicos e anti-inflamatórios, mas a laparoscopia continua a ser, de acordo com o médico, a melhor opção de tratamento para a doença. “Dispomos de equipamentos de laparoscopia com elevada qualidade de imagem e instrumentos inovadores que permitem abordagens cada vez mais precisas, eficazes e seguras”, afirma Hélder Ferreira.
Existem também novas opções que estão a ser consideradas, como os antagonistas da GnRH, uma classe de medicamentos utilizados no tratamento do cancro da próstata mas também de miomas uterinos. “A investigação científica deverá continuar e o seu crescimento deverá ser apoiado, no sentido de se conseguir uma resposta adequada a toda esta população feminina portadora de endometriose”, remata.
Fique atento aos sinais da endometriose, definidos por Hélder Ferreira:
– Dor abdominal/pélvica (sintoma mais comum), que pode ser mais intensa durante o período menstrual/ovulação;
– Dor lombar/torácica, nos membros inferiores ou dor durante ou após a relação sexual;
– Sangramento menstrual intenso ou doloroso;
– Dor ao urinar ou defecar;
– Náuseas, vómitos ou sensação de cansaço.