O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla inglesa) analisou os dados de segurança das primeiras 13,7 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19 administradas nos Estados Unidos da América (EUA). A organização concluiu que 79,1% das queixas relacionadas com os efeitos secundários provocados pela imunização foram endereçadas por mulheres.
Mesmo tendo sido inoculadas mais pessoas do sexo feminino – 61,2% – a desproporção entre as queixas vindas do sexo masculino (20,9%) e do feminino (79,1%) é assinalável.
Os raríssimos casos de reações alérgicas provocadas pela vacina da Moderna, por exemplo, foram registados em 19 mulheres. Já no caso da Pfizer, o sexo feminino sofreu 44 dos 47 episódios anafiláticos reportados.
Os raríssimos casos de reações alérgicas provocadas pela vacina da Moderna, por exemplo, foram registados em 19 mulheres.
Na verdade, esta disparidade entre géneros não é novidade. Em 2013, um estudo revelava que também a vacina contra o vírus da gripe H1N1 provocou quatro vezes mais reações alérgicas às mulheres do que aos homens, entre os 20 e os 59 anos.
Outra investigação, que contou igualmente com a participação do CDC, concluiu que, entre 1990 e 2016, o sexo feminino foi responsável por 80% das queixas relacionadas com reações alérgicas a vacinas em adultos.
A biologia pode ajudar a justificar esta elevada percentagem. Vários estudos demonstram que as raparigas produzem mais anticorpos contra as infeções do que os rapazes – chega a ser o dobro. Tal verifica-se, por exemplo, no caso das vacinas contra o influenza, a febre-amarela ou a hepatite A e B. Estas diferenças são especialmente assinaláveis na adolescência, o que pode estar relacionado com as hormonas sexuais.
O estrogénio, que regula o sistema de reprodução feminino, é responsável por uma maior produção de anticorpos em resposta à vacina da gripe. Já a testosterona, essencial no desenvolvimento do sistema reprodutivo masculino, é imunossupressora, tornando a vacina da gripe menos eficaz em homens com elevados níveis desta hormona.
Ciência masculina
Também as diferenças genéticas entre os géneros têm impacto na reação do sistema imunitário. Muitos dos genes associados à imunidade estão no cromossoma X, do qual as mulheres têm duas cópias, enquanto os homens apresentam só uma.
Esta resposta mais robusta do sistema imunitário feminino também pode ajudar a explicar o facto de 80% das doenças autoimunes afetarem as mulheres.
A dosagem das vacinas, igual para ambos os sexos, poderá ter igualmente implicações na manifestação de efeitos secundários. Em regra, as raparigas precisam de uma dose mais baixa para garantirem o mesmo efeito conseguido nos rapazes.
No entanto, historicamente, as dosagens recomendadas são baseadas em ensaios clínicos que envolvem, sobretudo, participantes do sexo masculino.
Isso mesmo dizia à VISÃO a neurocientista da Fundação Champalimaud Clara Ferreira, numa entrevista recente: “Acontece muito estudar-se simplesmente os homens ou os animais machos e o sexo feminino tem ficado um bocado perdido no meio de tudo isso. O que se tem verificado, por exemplo, é que alguns fármacos provocam reações adversas nas mulheres, que não tinham sido identificadas nas fases pré-clínicas, porque não tinham sido feitos estudos com o sexo feminino. Esta questão está a começar agora a ser abordada”.
A imunologista Sabra Klein, da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg, confirmou ao jornal The New York Times que os ensaios clínicos das vacinas contra a Covid-19 incluíram mulheres. Contudo, os efeitos adversos provocados por elas não terão sido analisados por sexo. Ao mesmo tempo, não foi testada a hipótese de as mulheres precisarem de uma dose mais baixa para obter a mesma eficácia.
Alguns especialistas consideram, ainda, que as mulheres estão mais disponíveis para comunicarem os efeitos secundários do que os homens, que resistem mais a procurarem um médico quando estão doentes, mas não existe evidência científica deste comportamento masculino, no que diz respeito às vacinas.
Apesar de os efeitos secundários atingirem mais as mulheres, são habitualmente leves e temporários, e não devem ser razão para recusar a vacina. Na realidade, são sinónimo de uma resposta robusta do sistema imunitário e sinal da eficácia da imunização na proteção do organismo.