Com a chegada do inverno, a preocupação com as constipações e a gripe é uma constante. Sobre este tema sempre existiram mitos e crenças populares que estão enraizados na nossa cultura e são aceites como se de verdades absolutas se tratasse. Quem nunca teve a mãe a dizer para não sair à rua no inverno com o cabelo molhado, caso contrário ficaria constipado? Quem nunca teve a avó a dizer para não andar descalço no chão frio porque ficaria doente? Todos crescemos a ouvir estes mitos, mas esperemos que ao longo deste texto alguns deles possam ser explicados.
A título de curiosidade, esta crença tem a sua origem no ano de 1878, com Louis Pasteur. O químico expôs um conjunto de galinhas ao vírus do antraz e, em seguida, submergiu as suas patas em água gelada. Primeiro, ficaram doentes e depois, morreram. Voltou a repetir a experiência mas, dessa vez, depois de molhar as patas, secou-as com um cobertor quente. Estas galinhas, à semelhança das outras, também ficaram doentes, mas não morreram. Rapidamente, Pasteur acreditou que o frio era o responsável pela doença e, desde então, passou-se a associar o frio às constipações. Apesar de poder haver essa associação, a comunidade científica é unânime em afirmar que não é o frio que provoca as constipações ou a gripe mas sim centenas de vírus. Vírus que se transmitem facilmente pelo ar através da comunicação, da tosse, de espirros ou mesmo através do contacto com superfícies contaminadas.
Sem ignorar as semelhanças entre uma gripe e uma constipação, é importante estabelecer as principais diferenças entre ambas.
As constipações são infeções virais autolimitadas, benignas, causadas por mais de 200 vírus diferentes, sendo o rinovírus o agente mais frequente. A sua sintomatologia tende a surgir de uma forma gradual e a limitar-se às vias respiratórias superiores (nariz e garganta), podendo os doentes apresentarem-se com obstrução nasal, rinorreia (“pingo do nariz”) crises esternutatórias (vulgarmente conhecidas como espirros), odinofagia (dor de garganta).
Por sua vez, a gripe é uma infeção viral causada pelo vírus influenza. Potencialmente mais grave e com instalação mais repentina, a gripe é passível de se complicar com pneumonia, ou ser responsável pela descompensação de doenças crónicas tais como doenças respiratórias, diabetes, insuficiência cardíaca, entre outras. O quadro clínico costuma ser mais exuberante e os sintomas vão depender da idade. Nos bebés, são mais comuns a febre e a prostração, podendo ocorrer também sintomas gastrointestinais e respiratórios. Nas crianças mais velhas, a sintomatologia costuma ser semelhante à do adulto: início súbito de mal-estar, febre alta, cefaleias (dores de cabeça), mialgias (dores musculares) e artralgias (dores nas articulações) acabam por ser as queixas mais frequentes.
Embora os vírus sejam os agentes causais, é inegável que estas doenças são mais frequentes no inverno. Mas porque existe sempre a tendência em associar estas infeções ao frio? Várias teorias têm sido apontadas no sentido de “responsabilizar “ o frio como fator predisponente para estas infeções, sejam relacionadas com o agente ou com o hospedeiro.
Uma possibilidade é o próprio frio enfraquecer o sistema imunitário, tornando-nos mais suscetíveis aos vírus que não conseguimos eliminar. Outros defendem que alguns vírus proliferam melhor com ar frio e seco (com baixa humidade).
Outra hipótese tem que ver com os cílios (pequenos pelos) que cobrem o sistema respiratório (como, por exemplo, na mucosa nasal) e que habitualmente funcionam como primeira barreira contra a entrada de micro-organismos. Com o frio, esses cílios, ao ficarem congelados e com menos mobilidade, ficam impedidos de exercer essa função protetora.
Cientistas norte-americanos constataram também que estes vírus estão como que cobertos por uma capa de gordura que, ao ser exposta a temperaturas baixas, solidifica, tornando-se mais resistente, fazendo com que o vírus possa sobreviver fora do corpo humano.
Apesar das diversas teorias, aquela que parece justificar a maior prevalência de constipações no inverno acaba por ser simples e, quando explicada, perfeitamente óbvia. No inverno, para nos protegermos do frio e da chuva procuramos lugares mais fechados que, tendencialmente, são pouco arejados, onde estamos mais próximos dos outros facilitando, por sua vez, a transmissão de vírus, caso alguém esteja infetado.
Poderemos então dizer que sair à rua com o cabelo molhado no inverno provoca gripes ou constipações? A resposta é não. A sua causa são os vírus e não o frio. No entanto, a exposição ao frio, apesar de não causar diretamente gripes e constipações, indiretamente fornece aos vírus as condições ideais para a sua disseminação, daí que o bom senso aconselha a precavermo-nos em relação às situações de exposição prolongada ao frio ou de diferenças súbitas de temperatura, designadamente ao sair à rua de cabelo molhado ou ao pisar o chão frio, como avisadamente mães e avós alertam.