O caso da colombiana Aliria Rosa Piedrahita de Villegas há muito que causou espanto em cientistas de todo o mundo, que a sabiam portadora de uma mutação genética rara que lhe devia garantir o desenvolvimento da doença de Alzheimer pouco depois dos 40 anos. Mas só aos 72 é que surgiram os primeiros sintomas da doença – e não tinha de todo uma demência em estado avançado quando morreu de cancro, no início de novembro, um mês antes do seu 78º aniversário.
Durante estes 30 anos, investigadores da Universidade de Antioquia, em Medellin, capital da Colômbia, fizeram as mais diversas análises aos membros da sua família, na esperança de desvendar os segredos da Alzheimer precoce. Encontraram vários outros casos em que a doença se desenvolveu mais tarde do que o esperado – mas nenhum tão notável do ponto de vista da medicina como o da mulher que todos conheciam como Dona Aliria.
Mais recentemente, Aliria viajara inclusive até Boston, nos EUA, onde investigadores do Massachusetts General Hospital analisaram ao pormenor o seu cérebro, como parte da investigação sobre aquela família colombiana, a maior do mundo diagnosticada com Alzheimer precoce. Nos Estados Unidos, verificou-se que Aliria tinha quantidades excecionalmente altas de uma proteína chamada beta-amilóide, a mesma que se espalha no nosso órgão central durante o desenvolvimento da doença. Mas algo perturbara o processo degenerativo habitual, deixando o seu desenvolvimento diário praticamente inalterado.
A chave do fenómeno, segundo publicaram investigadores da Faculdade de Medicina de Harvard e da Universidade de Antioquia, parece assentar no facto de Aliria, embora tivesse a conhecida mutação que causa a doença de Alzheimer precoce, ser igualmente portadora de dois exemplares de outra mutação rara que frustrara a atividade da primeira. Desde então, conta o New York Times, as atenções da Ciência estão todas viradas para a chamada mutação de Christchurch, uma variante do ApoE, um gene que balanceia o risco de uma pessoa desenvolver Alzheimer: se o seu efeito protetor puder ser replicado, isso abre um outro caminho para desenvolver novas terapias contra a doença.
“Um momento histórico”
Aliria, a mulher em causa, está então prestes a transformar-se na nova Auguste Deter, a paciente do psiquiatra e anatomista cerebral alemão Alois Alzheimer que o levou a identificar aquela doença, no início do século XX e tornou os estudos post-mortem um dos pilares da sua investigação. Analisando amostras do tecido cerebral, o médico alemão descobriu algo que distinguia aquela de outras demências que tinha estudado – as conhecidas placas amiloides, depósitos de fragmentos da proteína beta-amiloide. Perante o caso de Aliria, a expetativa dos cientistas é que o seu cérebro revele então como é que os danos ocorrem no início da doença e como podem ser travados.
“Um momento histórico”, considerou Andrés Villegas, diretor do banco de cérebros de Antioquia, pouco depois de ter recebido a preciosa doação da família de Aliria, revelando ainda que amostras daquele cérebro seguiriam também para os seus parceiros de investigação no estrangeiro, dos EUA à Alemanha. Logo à vista, não era um órgão comum: pesava perto de 900 gramas, consideravelmente menos do que um cérebro normal. E isso era o mais curioso: afinal, tinha atrofiado da forma típica de um doente de Alzheimer, considerou aquele médico, citado pelo New York Times, mesmo que os sintomas nos últimos meses de vida não estivessem tão avançados.
Uma estranheza e entusiasmo partilhados pelos investigadores além-fronteiras que receberam amostras do mesmo órgão: no Centro Médico Universitário Hamburg-Eppendorf, na Alemanha, o especialista em neuropatologia Diego Sepulveda-Falla há muito que queria comparar aquele caso com os de mais de 125 outros colombianos que viveram com a mesma mutação. Em Santa Bárbara, na Califórnia, o especialista em biologia celular Ken Kosik também aguardava para compreender como é que as duas mutações de Aliria poderiam ter agido uma contra a outra, promovendo uma proteção desconhecida. Nenhum quer para já avançar nenhuma tese. Mas estão todos convencidos de que haverá novidades em breve.
“Era uma paciente muito importante e o seu caso fez história em todo o mundo”, classifica Kosik. “Aprendemos muito com ela. Agora que morreu, devemos dar-lhe uma atenção extra”. As filhas de Aliria, que concordaram desde sempre em doar o cérebro da mãe à Ciência, não podiam estar mais agradecidas: “A morte da minha mãe, por mais triste que seja para nós, pode ter aberto muitas portas”, disse Magaly, uma das suas filhas. Rocio, a outra, concordou: “Esperamos que a Ciência possa então avançar “.