De manhã, ao acordares, delicias-te ao trincar uma fatia de pão de grilo com manteiga num pequeno-almoço cheio de proteína. Na mochila, guardas uma barrinha de manteiga de amendoim, aveia, mel, quinoa, bagas goji e besouros triturados (o nome correto é tenébrio ou bicho-da-farinha), para comeres no intervalo grande.
Ao almoço, o menu poderá incluir massa com farinha de inseto e nem darás por ela. Ao lanche, hás de roubar uma bolacha de chocolate com tenébrios ao colega do lado, porque é mesmo saborosa.
Quando chegares a casa, haverá insetos desidratados para comer em forma de snack. Tão bons e salgadinhos, mesmo sem lhes deitares sal, que os teus pais têm de te mandar parar. Há que guardar espaço para o jantar – à sobremesa, o topping do gelado também é feito de insetos esmigalhados.
Se isto que leste te parece uma cena de um filme de terror, criada só para te meter nojo, temos de te avisar que todos estes produtos já são fabricados em Portugal. E nem referimos as guloseimas com insetos que se vendem por aí só para pregar partidas aos teus amigos – essas vêm do estrangeiro.
Mas é verdade que, mesmo sabendo que estes bichinhos são nutritivos e até podem ser saborosos, faz-nos impressão pensar em comê-los. É por isso que os primeiros produtos a ser comercializados no nosso país terão sabor e aspeto neutros.
Amigos do ambiente
Já deves ter ouvido dizer que a atual procura de proteína animal está a pôr em causa a sustentabilidade do planeta. Há muitos milhões de pessoas no planeta para alimentar, não é? Por isso, temos mesmo de mudar a forma de comer ou não haverá alimento para todos.
Há seis anos, a ONU (Organização das Nações Unidas) apontou os insetos como uma alternativa à produção intensiva de gado, que é altamente poluente, pois no processo de digestão, os animais libertam gás metano, causador do efeito de estufa.
Em Portugal, houve quem pegasse nesta ideia e, atualmente, já há meia dúzia de produtores de insetos no nosso país.
Uma vida de inseto
Até chegarem ao ponto de poderem ser comidos, os insetos passam por um processo de criação e tratamento com várias fases. É isso que acontece com os tenébrios e os grilos.
A sala onde Guilherme Pereira, da Portugal Bugs, guarda os seus tenébrios é mantida a 29 graus e 45% de humidade. Até parece que chegámos a um país tropical. Ali mantém 400 caixas para a reprodução de besouros, que acontece em ciclos – alimentam-se, reproduzem-se e põem ovos.
Duas vezes por semana, faz a separação dos ovos, repõe o farelo onde estão as larvas e acrescenta cenouras (onde os bichos vão buscar toda a água de que precisam). Quando acaba um ciclo, os animais ficam entre 48 e 72 horas sem comer, para limpar os intestinos. Depois, passam numa máquina para serem peneirados e, por fim, são desinfetados com cloreto de magnésio e água.
No final desta limpeza, vão para o congelador, onde morrem. Os tenébrios só se usam para alimentação humana depois de desidratados, e isso pode ser feito no micro-ondas. Se forem transformado em farinha para se fazer massas, por exemplo, Guilherme tritura-os.
Francisco Marques, da Buglife, prefere apostar nos grilos porque são mesmo ricos em proteína. É numa casa abandonada que mantém uma sala escurecida e isolada para a sua criação de 15 mil insetos. Eles mudam de caixa de cartão consoante crescem, durante perto de três meses. No fim do seu desenvolvimento, também morrem congelados.
“Quero um wrap de grilo!”
Na Escola Secundária de Oliveira do Bairro, há um laboratório cheio de insetos. Álvaro Barbosa é o professor de Físico-Química, responsável pelo projeto Bug Insect Box («caixa de insetos», em inglês), desenvolvido no ano passado pelos alunos do 10.º A.
A turma aceitou a sugestão de criar insetos para alimentação humana e, pouco tempo depois, o produtor Guilherme Pereira, da Portugal Bugs, visitou-os e ajudou-os a começar a produção.
Cátia, Lara, Marcos e Gabriel são os mais aplicados e sabem a lição na ponta da língua. «Graças aos insetos, não temos de matar uma vaca para obter dois ou três quilos de bifes e quase não se produz gás metano», diz Cátia, a mais despachada, e aquela que não para de comer mãos-cheias de tenébrios desidratados, que o professor trouxe para provarmos. E podemos dizer-te: são mesmo bons!
Há já seis anos que a chefe Patrícia Borges, professora do Instituto Politécnico de Leiria, se dedica ao desenvolvimento de produtos alimentares com insetos e envolve os seus alunos na criação de receitas inovadoras.
Faz bolachas de manteiga com tenébrios, wraps com grilos, gafanhotos com malagueta ou salteados em azeite e alho, minhocas com chutney de manga e tempura de grilos. Diz lá se não te apetece logo provar estas iguarias?