O escultor Rui Chafes, de 49 anos, natural de Lisboa, recebe o Prémio Pessoa 2015 esta sexta-feira, dia 15. A cerimónia de entrega será na Sede da Caixa Geral de Depósitos, às 19 horas, e contará com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
E terá uma surpresa inesperada: um pequeno concerto de The Legendary Tiger Man, um dos músicos portugueses que Rui Chafes mais gosta.
Esta é a história de um miúdo que gostou muito da escola onde andou?
Sim, esta é a história de um miúdo que gostou da escola onde andou – o Externato Fernão Mendes Pinto, em Benfica – que colocou cá os três filhos. Aliás, a vivência com os seus filhos foi tanto ou mais intensa do que as minhas próprias memórias, que eram ótimas.
Eu quis deixar uma marca, uma espécie de pegada nesta escola. E quis, sobretudo, ter uma escultura minha que estivesse sempre muito bem acompanhada. E pensei que se estivesse num espaço com crianças nunca estaria mal acompanhada. Se estiver, pela sua localização, pela sua natureza e pelo seu destino, num sítio exclusivamente habitado por crianças e por pessoas ligadas às crianças, está de certeza bem acompanhada. E é quase uma coisa secreta… Claro que não é secreta porque se vê da rua.
Porque está numa aresta?
Desde o primeiro momento que vi que era ali. Não dei uma única volta à escola. Aliás, o meu trabalho passa muito por fazer esculturas para sítios que não procuro. A maior parte dos meus trabalhos bem sucedidos aconteceram porque um sítio falou comigo e pediu-me uma escultura. É o caso deste. Nem sei explicar porquê, mas quando se entra na escola tem-se aquela gota, ou aquela lágrima contra o céu, contra as árvores e também se vê da rua, quando se passa. Aquela gota misteriosa.
Como descreve essa gota misteriosa?
É uma gota que escorre lentamente pela parede abaixo, numa esquina.
Eu vi uma lágrima…
Uma lágrima, uma gota. Como sempre, depende de quem a vê. Ela vive nessa esquina. Não está numa parede, nem num plano, ela vive entre um plano e outro. Ela vive na vertigem do abismo. Vive em queda livre. Não se agarra a parede nenhuma, está entre duas paredes. Chama-se “Um Sonho”. Quando se olha para aquela lágrima ou gota, o que se está a ver é um sonho. Um sonho com crianças à volta. É uma imagem de um sonho como os 5 sonhos do Akira Kurosawa. Passa-se numa escola e vê-se uma gota de água a escorrer…
Como gostava que as crianças a sentissem?
Acho que as crianças já a veem, já a sentem, chamam-lhe nomes. E isso é muito interessante, essa necessidade de nomear. Se queres chegar à essência das coisas tens de saber chamá-las pelo seu nome. Ao nomear elas apropriam-se das coisas. Outras pessoas não a verão, porque uma escultura nunca é vista por toda a gente.
Porque é que esta escola ainda é tão especial para si?
É uma escola que tem como princípio básico respeitar as crianças enquanto seres inteligentes, com opinião.
Foi a primeira em Portugal a reger-se por estes princípios, penso eu. Eu entrei dois anos depois da sua inauguração. A grande diferença entre esta escola e outras é que as regras são transmitidas partindo do pressuposto de que as crianças também são críticas, inteligentes, têm personalidade, fazem perguntas. E gerir isto não é fácil. O que acaba por dar muito mais trabalho aos professores. É muito mais difícil ser professor numa escola assim do que numa escola mais tradicional. Dá trabalho a um professor ter de lidar com a liberdade dos alunos.
Outra coisa essencial é o sentido de comunidade e de interajuda. Espontaneamente, os alunos desta escola que chegam a outra escola, conseguem organizar-se, colaborar e dividir tarefas. O que muitas vezes é aproveitado pelos outros porque percebem que há alunos que conseguem muito facilmente trabalhar em grupo.
O que acharam os seus filhos desta ideia?
Os meus filhos adoraram. Eles foram aqui muito felizes e sentem-se representados por terem uma escultura na escola deles. Quero que esta escultura seja uma forma de homenagem a tudo o que esta escola é. Quando faço uma escultura para um sítio, funciona sempre como uma dignificação desse local. Estou a passar uma memória para o ferro: um sonho que vive entre as crianças.