Primeiro que tudo, uma pergunta: sabes o que é uma Constituição? A palavra é comprida, mas o significado é muito simples. Trata-se da lei mais importante de um país, aquela de onde derivam todas as outras. Antigamente, há duzentos e tal anos, os países não tinham constituições.
Em cada um deles, havia um rei que mandava porque era filho do rei anterior, «sábios» que o aconselhavam, uns quantos fidalgos que viviam à larga sem fazerem nada e uma população inteira que pouco se diferenciava dos cães ou dos gatos (ou melhor, dos burros e dos cavalos), porque não tinha direitos quase nenhuns e era obrigada a trabalhar para que os tais sortudos pudessem viver à larga.
Dirás que ainda hoje é um bocado assim. É, mas nem tanto. Agora, pelo menos, existem leis que protegem melhor as pessoas. No nosso país, essas leis derivam todas da atual Constituição da República Portuguesa, que está em vigor desde 1976, dois anos depois da Revolução do 25 de Abril de 1974. Antes dela, Portugal teve outras cinco constituições. Vamos ver qual foi a primeira, a tal de 1822 que viste referida no título.
Uma Constituição não deve sair da cabeça de uma só pessoa. Não. Ela deve ser elaborada por um grupo de representantes da população, de vários partidos, eleitos democraticamente.
Pensar em conjunto
Nunca ouviste dizer que «da discussão nasce a luz»? Dá-se a esse grupo de pessoas o nome de Assembleia Constituinte, e cada uma dessas pessoas é um deputado à Assembleia Constituinte. Foi a Assembleia Constituinte eleita em 1975 que produziu a Constituição de 1976. No tempo da primeira Constituição, a tal de 1822, a esse conjunto de deputados deu-se o nome de Cortes Constituintes.
Achas estranha a palavra «Cortes»? Olha que não. Pensa que já desde a Idade Média se chamava Cortes às reuniões para decidir coisas de interesse nacional, em que participavam representantes da nobreza, do povo e do clero (bispos e outros padres importantes). Só que essas Cortes antigas não eram eleitas democraticamente. Em Portugal, as eleições constituíram uma novidade em 1820, o ano em que as pessoas votaram pela primeira vez, para elegerem os tais deputados.
Bem, não votou a população toda, mas apenas os homens (sim, só pessoas do sexo masculino) com mais de 25 anos e com algum dinheiro, que elegiam, em cada terra, representantes, para, por sua vez, estes irem a uma terra mais importante eleger outros representantes…. Nada fácil nem muito justo, mas era melhor do que nada.
Esse ambiente eleitoral, quer dizer, a possibilidade de as Cortes serem eleitas, ficou a dever-se a uma revolução ocorrida no Porto, em agosto desse ano de 1820. Na madrugada do dia 24, militares reuniram-se numa praça e dirigiram-se, depois, para a câmara municipal, onde proclamaram um novo governo provisório.
Nesse tempo, o Rei D. João VI e grande parte da nobreza viviam no Brasil, para onde tinham ido 13 anos antes, de forma a fugirem às Invasões Francesas ( já uma vez falámos disso aqui), e as pessoas andavam muito descontentes por Portugal se ter tornado, de certo modo, uma colónia do Brasil, ao contrário da situação anterior.
Bem, resumindo: do Porto, a revolução alastrou-se a Lisboa e, na capital, formou-se um novo governo nacional, este já considerado definitivo (o anterior era provisório, lembra-te), que exigiu o regresso do rei e decidiu organizar as tais eleições para a formação das Cortes Constituintes, encarregadas de escrever uma Constituição.
Grandes trapalhadas
A Constituição de 1822 era progressista para a época, mas pouco tempo esteve em vigor. Nos anos seguintes, Portugal mergulhou numa grande confusão política. D. Pedro IV, filho de D. João VI, impôs uma «Carta Constitucional», quer dizer: uma Constituição não elaborada por deputados, que substituiu a Constituição de 1822. Mesmo assim, como naqueles anos houve uma série de guerras civis, esta voltou a ser adotada novamente entre 1836 e 1838.
No século XIX, houve ainda mais uma. Em 1910, a República pôs fim à Monarquia (o governo dos reis) e, no ano seguinte, elaborou a sua própria Constituição. E quando Salazar fundou a ditadura do Estado Novo, em 1933, publicou uma nova Constituição.
Voltando à primeira, à de 1822. Era a Constituição liberal, o que significa que garantia a toda a gente liberdade e igualdade perante a lei e a eleição de deputados. Continuava a haver um rei, mas este já não tinha os poderes dos soberanos antigos. Era um monarca constitucional, algo não muito diferente de um Presidente da República. E foi, exatamente, por haver Constituição que se chamou Monarquia Constitucional ao período da História portuguesa, compreendido entre 1820 e 1910.