A rainha D. Maria I e o seu filho, o regente D. João, embarcaram na zona de Belém, em Lisboa
A 29 de novembro de 1807, quem passasse pela zona de Belém, em Lisboa, veria centenas de enormes caixotes empilhados e muitas pessoas a andarem de um lado para o outro, no meio deles, atarefadíssimas. Chegavam carroças carregadas, cavalos relinchavam, cães ladravam, homens gritavam e ninguém se entendia.
Mas se quem assistisse a esta cena tivesse raios X no olhar ficaria ainda mais surpreendido, pois descobriria que os caixotes estavam cheios de coisas valiosas – tesouros, digamos assim. E não era caso para menos! A Corte inteirinha – a rainha D. Maria I, o regente D. João seu filho (futuro D. João VI) e muitos nobres e pessoal doméstico, num total se 15 mil pessoas – ia mudar-se no dia 29 para o Brasil. A capital passava de Lisboa para o Rio de Janeiro.
O poderoso Napoleão
Para compreender, temos de saber que governava então a França um homem muito poderoso chamado Napoleão Bonaparte. Era imperador, mandava na Europa e queria mandar no mundo. No entanto, em 1805, a esquadra de guerra de Napoleão tinha sido destruída pela poderosa esquadra de guerra inglesa na grande batalha de Trafalgar. Quase sem navios, Napoleão viu-se obrigado a tentar fazer guerra à Inglaterra de outra forma.
Lembrou-se então de decretar uma coisa chamada Bloqueio Continental. O que era isso? Todos os navios ingleses ficavam impedidos de encostar em portos da Europa continental. A Inglaterra não podia assim receber mercadorias do exterior. Bom, Napoleão sabia o que fazia, pois o exército francês dominava as terras, da mesma forma que a Marinha inglesa dominava os mares.
Mas como se explica esta loucura?
Os nossos governantes tentaram adiar a tomada de uma decisão. Por fim, disseram que sim aos franceses, mas… sem impedirem os navios ingleses de atracarem. Claro que Napoleão perdeu a paciência e ordenou que Portugal fosse invadido por um exército comandado pelo general Junot.
D. João, o regente português (a sua mãe tinha enlouquecido anos antes) ficou sem saber o que fazer. Se não fechasse os portos aos ingleses, a França invadiria Portugal. Se os fechasse, os ingleses ficavam furiosos – e a esquadra britânica até poderia impedir que navios portugueses viajassem para as colónias, a começar pelo Brasil.
O imperador francês, Napoleão Bonaparte, queria dividir Portugal em três pedaços
E decretou ainda que, depois de conquistado, o nosso país fosse dividido em três partes: uma (o Minho e o Douro) para oferecer ao rei da Etrúria, outra (o Alentejo e o Algarve) para dar ao espanhol Manuel Godoy, seu aliado, e uma terceira (o que sobrava, incluindo Lisboa) para ser administrada pela França.
Mas, como deves calcular, esta divisão nunca se concretizou, devido à derrota dos exércitos de Napoleão numa guerra que teve lugar aqui em Portugal e em Espanha (a Guerra Peninsular), e na qual soldados ingleses, portugueses e espanhóis foram comandados pelo duque de Wellington.
Cobarde ou esperto?
Mas voltemos a falar da mudança da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro. Por lá ficou durante 13 anos, após o que regressou a Portugal, depois de ter havido aqui uma revolução. Há mais de 200 anos que D. João VI é acusado de cobardia. As pessoas dizem que, ao fugir, abandonou o povo português à sua sorte, enquanto ele e os fidalgos viviam uma vida regalada do outro lado do Atlântico. Sim, isto pode ser verdade, mas o contrário também não é mentira. Ao sair de Lisboa antes que o exército invasor entrasse na cidade, evitou submeter-se a Napoleão – como sucedera pouco antes ao rei de Espanha. Portugal continuou a existir como país independente, embora… do outro lado do Atlântico!
Mas, sabes, foi o Brasil que mais lucrou com a mudança da Corte para lá. Até então, era uma colónia portuguesa. Com isto, ganhou importância. Passou a fazer negócios com todo o mundo, e não só com Portugal. Além disso, começou a ter indústrias. E foram por lá abertas estradas, fundadas escolas e bibliotecas, criado um banco…
Mas a independência do Brasil só se concretizaria em 1822. De qualquer modo, seria uma consequência da invasão francesa de Portugal. Provavelmente, se a Corte não se tivesse ali instalado, o destino da gigantesca colónia seria partir-se aos bocados, dando origem a vários estados independentes, como sucedeu à América espanhola.
Devemos, portanto, pensar duas vezes antes de censurarmos a decisão – talvez cobarde, lá isso é verdade – do regente e dos seus cortesãos.
Texto originalmente publicado na VISÃO Júnior nº 162