Quando os deputados chegaram ao Palácio de São Bento, para mais um dia de trabalho, bateram com o nariz na porta. Ou seja, viram-se impedidos de entrar por soldados da GNR. Estavam longe de imaginar, nesse dia de finais de maio de 1926, que no próximo meio século não haveria mais debates políticos, nem partidos nem liberdade de expressão – e que quem dissesse mal do governo seria preso! Os militares tinham tomado o poder, pondo fim à Primeira República Portuguesa, um regime democrático que durara 15 anos e meio.
Bem, mas isto não aconteceu de forma inesperada. Nos últimos anos, os governos duravam pouquíssimo tempo (num só dia, chegou a haver três de seguida!) e as revoluções, com tropas na rua, faziam parte da rotina.
Oficiais do Exército e da Marinha, como Gomes da Costa, Sinel de Cordes, Mendes Cabeçadas, Filomeno da Câmara e outros, começaram então a pensar em tomar o poder para – segundo diziam – «instalar a ordem».
A sua primeira tentativa ocorreu em 18 de abril de 1925 e ficou conhecida por «Revolta dos Fifis». Dos «Fifis»? Sim, porque os dirigentes eram Filomeno da Câmara e Fidelino de Figueiredo, dois nomes começados por «Fi»… Dessa vez, os sublevados saíram para a rua com canhões mas, em vez de começarem logo aos tiros, pensaram melhor e decidiram recuar.
Não muito depois, em 19 de julho, as suas tropas saíram de novo. Contudo, também esta revolta acabou neutralizada pelas forças fiéis ao governo democrático. Os revoltosos foram presos, mas daí a pouco estavam outra vez em liberdade. A República estava mesmo nas últimas!
De Braga a Lisboa
E foi por isso que quando, no dia 31 de maio de 1926, os deputados encontraram o Parlamento fechado não se admiraram muito.
O fim da democracia era a conclusão de uma revolta militar que começara três dias antes, a 28. Na noite de 27, o general Gomes da Costa chegara a Braga num grande automóvel Cadillac. Naquela cidade minhota estava a decorrer um congresso religioso em que participavam muitas das pessoas mais descontentes com os rumos tomados pela República.
Na madrugada de 28, Gomes da Costa fez discursos contra o regime democrático, dando início à sublevação militar que, partida de Braga, logo se estendeu a muitos quartéis do País.
Sob a chefia de Mendes Cabeçadas, os quartéis de Lisboa revoltaram-se no dia 29. Sem meios para se defender, o governo de António Maria da Silva, do Partido Democrático, apresentou a demissão ao Presidente da República, Bernardino Machado, que no dia seguinte convidou o revoltoso Cabeçadas a formar um novo governo. Este aceitou e mandou então fechar o Parlamento. Foi depois a vez de Bernardino se demitir e entregar a presidência da República a Cabeçadas.
A ideia de Cabeçadas era melhorar a República, e não destruí-la. Não pensava assim Gomes da Costa. A 3 de junho, as tropas deste, partidas de Braga, chegavam a Lisboa de comboio, mas acamparam em Sacavém, reservando a entrada triunfal na cidade para quando estivesse formado um governo de que ele mesmo fizesse parte. Cabeçadas formou esse governo e convidou um jovem professor de Coimbra chamado Oliveira Salazar para ministro das Finanças. Mas quando viu que Cabeçadas e Gomes da Costa não conseguiam entender-se, Salazar regressou a Coimbra. Só dois anos depois voltaria a Lisboa e ao governo – para ficar durante 40 anos.
Que grande trapalhada
Quando pareceu estarem criadas as condições para as tropas entrarem na capital, um desfile militar de 15 mil homens desceu até aos Restauradores, aplaudido por uma multidão cansada de instabilidade e desconhecedora do que aí vinha: uma ditadura de 48 anos!
Mas logo recomeçaram as zangas entre Cabeçadas e Gomes da Costa. Este, aliado a outro general, Óscar Carmona, afastou, a 17 de junho, Cabeçadas, em novo golpe. Mesmo, formado um governo de que Gomes da Costa era senhor absoluto, nem por isso terminaram as zangas. E, a 8 de julho, as forças de Carmona tomaram o poder, prendendo Gomes da Costa e mandando-o para o exílio, como pouco antes sucedera já a Cabeçadas. No dia seguinte, Carmona formava o seu governo, inspirado na ditadura italiana de Benito Mussolini, chamada fascismo. Mas que grande confusão! Até faz lembrar as «repúblicas das bananas» da América Latina… E Portugal era, de facto, um dos países politicamente mais instáveis do mundo.
s liberdades.
Passou-se então do oito para o oitenta. A ditadura militar duraria sete anos, até 1933. Nesta data, Salazar tomou conta do governo e organizou a sua ditadura civil (não militar), que se chamou Estado Novo. Esta haveria de durar ainda mais quatro décadas – até 25 de abril de 1974, o dia em que uma nova geração de militares sairia à rua, desta vez para restaurar a democracia e a liberdade.