A palavra guerra é assustadora e anda na boca de toda a gente. É assunto de primeira página nos jornais e ocupa praticamente todo o espaço informativo das televisões. Se nós, adultos, nos preocupamos com a situação, os mais novos podem sentir-se ainda mais ansiosos, por não compreenderem o que leem ou veem nos meios de comunicação e redes sociais.
Aos pais e educadores cabe explicar-lhes, mas o tema não é fácil de abordar. Surgem as dúvidas: «Converso com eles ou será melhor não tocar no assunto?», «Como lhes explico?», «Falo dos refugiados, das mortes?»
Na opinião da psicóloga Melanie Tavares, do Instituto de Apoio à Criança (IAC), tudo depende da criança que temos à frente: «No caso dos mais novos, é deixar que sejam eles a trazer o assunto porque podem nem sequer estar sintonizados com o que está a acontecer e, nesse caso, não deveremos ser nós a despoletar angústias. Se forem mais velhos, vamos respondendo à sua curiosidade. Explicamos à medida do que nos vão perguntando.»
Diana Alves, professora da Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação da Universidade do Porto, concorda e acrescenta: «Devemos adequar a informação à idade ou à maturidade da criança, sendo que o denominador comum deverá ser sempre a verdade.»
Como se diz a verdade de forma tranquila?
É natural que nos sintamos apreensivos com a situação de guerra que se vive na Europa, por isso, Diana Alves aconselha a «prepararmo-nos antes de falar com as crianças», o que implica «alinhar quer os nossos sentimentos quer a informação que lhes queremos passar, porque é importante dizer a verdade, mas com tranquilidade.»
«Devemos ter também o cuidado de adequar a linguagem à criança ou jovem que temos à frente e falar de forma a dar-lhes segurança», refere Melanie Tavares, «Não ter um discurso fatalista e mostrar-lhes, de forma afetuosa, que podem contar connosco».
E isso pode passar por dizer, simplesmente, que «está a acontecer uma guerra, que esperamos que se venha a resolver pela paz porque não é pela violência que se resolvem os conflitos, e que estão muitos países a trabalhar para que a guerra acabe. E que temos esperança que eles se entendam o mais rapidamente possível.»
Ouvir, validar, tranquilizar
«Para uma criança do 1º ciclo, por exemplo, a informação deve ser clara e curta e transmitir um sentimento de segurança», reforça Diana Alves, e isso passa também por «fazer uma diferenciação de papéis e explicar que os adultos são os responsáveis pelo que se passa e são eles que vão resolver isto.» Ou seja, deixar claro que ouviremos todas as suas dívidas e preocupações, «mas sublinhar que este é um problema que cabe aos adultos resolver».
Ouvir o que o seu filho tem a dizer é meio caminho andado para uma boa comunicação. É a tal escuta ativa de que tantas vezes se fala mas que nem sempre praticamos. «Quando são mais velhos, é muito importante ouvir o que eles têm para nos dizer, perceber o que sabem», alerta Diana Alves, «e, a partir daí, podemos até questionar as fontes de informação que usam».
A psicóloga sugere, inclusive, fazer desta conversa um ponto de partida para uma outra reflexão: «Perceber que há fontes de informação de confiança e outras não, e trabalhar com eles uma atitude crítica perante o que chega até eles.»
O que dizer quando não sabemos responder?
«Mais uma vez: a verdade. Que não sabemos responder. É importante que percebam que há questões difíceis, para as quais não existe uma resposta pronta a servir. Dependendo da idade da criança e da questão em si, podemos inclusivamente aproveitar para envolvê-la nessa busca pela informação, procurar juntos por uma resposta», sugere Diana Alves. «É importante ter a humildade de, quando não sabemos uma resposta, assumi-lo, dizendo que nos vamos tentar informar», acrescenta Melanie Tavares.
A exposição à informação
Na última semana, assim que ligamos a televisão, entram-nos pela casa adentro imagens de bombardeamentos, de pessoas em fuga, de casas destruídas. Todas de uma grande violência e impacto. O que fazer? Protegê-los e desligar a TV ou ver os noticiários com eles? Mais uma vez, cada caso é um caso, como sublinham as especialistas.
«A exposição à informação deve ser feita com parcimónia. E aqui não há idades», alerta Diana Alves, «até nós adultos percebemos o impacto perturbador que isto tem em nós. Em relação às crianças que não viam noticiários, não será a melhor altura para tomarem esse hábito; àquelas que já viam não faz sentido trancar portas ou desligar a TV, isso iria torná-las mais vigilantes e inquietas. O melhor será assistir com elas e ouvi-las. Ouvir realmente, para percebermos a sua perceção, as suas emoções e inquietações.»
Melanie Tavares alerta que «a situação de pandemia tornou as nossas crianças muito mais ansiosas do que eram em 2019», pelo que, na sua opinião, «devemos evitar ao máximo que assistam a essas notícias». Contudo, reconhece que, no caso dos mais velhos, será difícil fazer esse controlo, já que «têm acesso a tudo e são bombardeados com todo o tipo de informação, por isso, evitar que vejam as notícias da guerra na TV seria até um pouco patético.» Assim sendo, deixa o mesmo conselho: «Assistir com eles, desmistificando e refletindo em conjunto sobre o que se está a ver.»
Sinais de ansiedade
Mais ansiedade, estados depressivos, falta de esperança e medos exagerados. Estes são, explica-nos Diana Alves, alguns dos sintomas observados nas crianças por quem trabalha na área da saúde mental ou em contexto educativo. «Os dados confirmam, não há dúvida. E, agora, este cenário de muita incerteza, imprevisibilidade e sensação de falta de controlo que cada um sente à sua maneira, vem agravar a situação, que já estava fragilizada.»
O melhor, portanto, é ficar atento a sintomas que possam indicar algo errado. «Um dos sinais mais reveladores de que algo não está bem com a criança é quando ela deixa de ter vontade de brincar», alerta a psicóloga do IAC, «assim como alterações no seu padrão de sono, como dificuldade em adormecer, terrores noturnos, medo do escuro ou receio de dormir sozinha.»
Na escola, a ansiedade pode revelar-se de formas diferentes, fora ou dentro da sala de aula. «O rendimento escolar pode ser afetado se a criança estiver tão preocupada com assuntos exteriores à escola que fica incapaz de se concentrar nas matérias da escola», aponta a especialista, «no recreio, o comportamento que tem com os colegas pode ser diferente.» O feedback dos professores é essencial, acrescenta, deixando uma nota. «Deve-se procurar ajuda profissional quando estas alterações que referimos interfiram na rotina da criança, se tiverem algum impacto naquilo que era o seu dia a dia.»
Nem «bons» nem «maus»
Evitar explicações dicotómicas é o conselho que ambas as especialistas deixam aos pais. Dividir as pessoas em «boas» e «más» não será a melhor abordagem. Será preferível, como sugere Diana Alves, «sublinhar que existe um conflito e que as pessoas estão a resolvê-lo de uma forma que não é a mais adequada» e usar até esta guerra para discutir com os mais novos a importância de algumas competências, como a gestão de conflitos, a cooperação, a empatia. «Seria bom otimizar este tempo de discussão e debater temas relacionados com cidadania.»
Aqui encontra um artigo que explica aos mais novos a situação que se vive no Médio Oriente. Pode dar a lê-lo ou fazer uma leitura acompanhada.
Os livros podem ser um ponto de partida para discutir temas mais difíceis, e, eventualmente, ajudar os mais novos a tirar dúvidas e a lidar com emoções como medo, angústia ou ansiedade. Deixamos-lhe duas sugestões.
A Viagem, de Francesca Sanna
Editora: Fábula
Como será deixar tudo para trás e percorrer quilómetros e quilómetros rumo a um destino longínquo e estranho? Este livro conta a história de uma mãe que parte numa viagem com os dois filhos para fugir à guerra. Uma viagem carregada de medo do desconhecido, mas também de muita esperança.
Apoiado pelo Alto Comissariado para as Migrações (ACM) e pela Amnistia Internacional (AI).
O Muro no Meio do Livro, Jon Agee
Editora: Nuvem de Letras
O muro no meio do livro é, supostamente, para proteger um lado do livro do outro lado. Supostamente.
Uma metáfora com uma clara mensagem política sobre a divisão das nações e a construção de muros. Uma história simples e inteligente, com ilustrações fabulosas que provoca a discussão de temas fundamentais.
Este artigo foi editado no dia 16 de outubro de 2023