Logo que o som da campainha anuncia o intervalo, começa a animação na Escola EB1/JI do Lidador, na Maia. A sala reservada aos alunos com deficiência não é exceção. Num ápice, aparecem colegas de várias turmas. «Podemos ir brincar com eles lá para fora?», pergunta Ana Morgado, 6 anos, às professoras e terapeutas que acompanham os seis estudantes que precisam de apoio especial devido a problemas de saúde graves, como paralisia cerebral, cegueira ou incapacidade motora (que pode obrigar a andar de cadeira de rodas), ou seja, os alunos que estão na Unidade de Apoio Especializado à Multideficiência (UAEM).
A resposta é positiva. Grupos de dois e três alunos conduzem os três colegas que usam cadeiras de rodas para o recreio, enquanto outros amparam, de mãos dadas, aqueles que têm mais dificuldade em caminhar.
Esta cena repetiu-se muitas vezes no último ano, por causa da iniciativa Todos Amigos, criada com o objetivo de aumentar o convívio com os alunos da UAEM. Primeiro, houve sessões de sensibilização nas turmas sobre a importância de incluir todos os alunos da escola nas brincadeiras e atividades. Depois, foi criada uma escala. Diariamente, um grupo de três ou quatro estudantes era nomeado para brincar com os alunos da UAEM durante o intervalo da manhã. Todos os meninos do 1.º ciclo (144) participaram e alguns até faziam fila à porta da sala porque queriam visitar os colegas. «Se de manhã jogava futebol, à tarde passava na unidade», conta Gonçalo Martins, 9 anos. «Havia colegas que preferiam ir brincar para outros sítios, em vez da UAEM, mas depois mudaram de ideias», lembra, satisfeita, Rafaela Ferreira, 9 anos.
Não tardou até haver corridas de estafeta na escola, com alguns meninos a pé e outros de cadeira de rodas, sempre sob o olhar das técnicas, que ajudaram a adaptar as brincadeiras. Por exemplo, em alguns jogos passaram a usar uma bola com guizos para que João Anjos, 12 anos, invisual, também pudesse participar. Rita Almeida, 7 anos, aproveita para passar uma mensagem: «Os nossos amigos com deficiência são como nós. Podem não conseguir fazer tudo o que nós fazemos, mas também querem brincar.»
Xavier Costa, 8 anos, aprendeu outra lição importante: «Não devemos julgar as pessoas pelo aspeto. Os sentimentos é que interessam.»
Apesar de não ser fácil comunicarem (a maior parte dos colegas da UAEM não fala), entendem-se por gestos. Também costumam desenhar em conjunto, uma tarefa muito importante para ajudarem os colegas a melhorarem a coordenação dos seus movimentos. Alguns dos trabalhos estão expostos nos corredores. Rafaela Carvalho, 10 anos, não tem dúvidas sobre a iniciativa mais divertida em que participaram juntos: «Fizemos um espetáculo em que cantámos e dançámos!»
Noutra escola da Maia, a EB1 de Moutidos, a azáfama também era grande no final do ano letivo, em junho. No dia em que a equipa de reportagem da VISÃO a visitou, estava prestes a acontecer o último gesto solidário do ano: a entrega de donativos à Ataca, uma associação que apoia crianças moçambicanas órfãs. Do 1.º ao 4.º ano, ninguém esconde o orgulho por ter participado na campanha que conseguiu angariar €400 através da venda de lápis da Ataca, decorados pelos alunos, a €1 cada. Esta foi apenas uma das missões da associação Ajudadores de Moutidos, fundada pelos próprios alunos, no final de 2014, e que ganhou o prémio Projeto Solidário da ‘Escola dos Nossos Heróis’.
Uma aluna tinha lido um apelo num café a pedir donativos para pagar os tratamentos de Rodrigo, um menino que não conseguia andar, outro aluno havia reparado que existia cada vez mais sem-abrigo quando ia para a escola, e outro nem queria acreditar quando viu uma pessoa a procurar comida no lixo. Aos poucos, perceberam que a escola estava em sintonia: era preciso agir. Foi assim que surgiu a ideia de criarem a associação Ajudadores de Moutidos. Antes de se voltarem para os problemas fora dos portões da escola, os alunos começaram por procurar uma solução para algo que os preocupava no dia a dia: os conflitos no recreio. «Criámos uma Patrulha Especial de alunos que tenta ajudar sempre que há um conflito», explica Leonor Barbosa, 7 anos. Os lugares da Patrulha são rotativos por todos os alunos e, nos intervalos, há vários grupos responsáveis por diferentes áreas da escola. «Agora há menos confusões no recreio. Com a Patrulha percebemos que com as brigas não se aprende nada», conta Alexandre Rocha, 9 anos. Entretanto, a Patrulha tem mais uma função: manter a escola limpa.
Toda a gente colaborou na formação da associação. A turma do 4.ºH, por exemplo, desenhou a mascote um gato chamado Faísca Cinzentinho. O 2.ºB apresentou um projeto para os Ajudadores pedirem à Câmara Municipal mais áreas cobertas na escola para poderem estar no exterior durante o inverno. O 4.ºI contactou algumas associações que os alunos queriam ajudar, como o Coração na Rua, que apoia pessoas sem-abrigo. Cada um tornou-se num «ajudador» à sua maneira. Também criaram um logótipo, um hino e tiveram de escrever os valores da associação. «Ficou escrito que devemos ajudar o mais possível», diz Ísis Gonçalves, 10 anos. O refrão do hino dos Ajudadores também reflete essa vontade: «Vamos ajudar, ajudar, ajudar!» Nem sempre foi fácil chegarem a acordo sobre as muitas decisões que tiveram de tomar para criarem a associação, mas aprenderam a debater ideias e conseguiram chegar a consensos. «Melhorámos o ambiente, ficámos mais unidos e passámos a conviver mais», admite Sara Ribeiro, 10 anos. João Nogueira, 9 anos, deixa um recado às outras escolas: «Inspirem-se em nós!»
Projeto Solidário do Ano
Ajudadores de Moutidos, EB1 de Moutidos, Maia
Montaram sozinhos uma associação para ajudar os outros
Criaram uma patrulha que resolve os conflitos no recreio, e que garante também que a escola está limpa
Recolheram dinheiro para uma associação que apoia crianças órfãs em Moçambique
Distribuíram comida pelos sem-abrigo do Porto
Juntaram 600 euros para um menino que não conseguia andar
Plantaram árvores com as pessoas de um lar de terceira idade
Projeto Banco de Ajuda
Escola EB1/JI Lidador, Maia – Todos Amigos
Equipas de alunos que, rotativamente, acompanham no recreio os seis meninos com deficiências profundas, brincando com eles
Texto: Vânia Maia