Nos dias de hoje, é impossível fugir ao ambiente, no mundo dos negócios. “Não há empresa que não esteja a trabalhar na sua estratégia de sustentabilidade”, garante Ana Ferreira, da Miele Portugal, na Conversa Verde desta semana. É impensável, por exemplo, “lançar no mercado um equipamento que venha a contribuir excessivamente para um desastre ambiental, se o podemos fazer de outra forma.”
Essa é a posição da multinacional alemã, acrescenta, o que passa pela aposta em produtos de grande longevidade. “O objetivo é fazer eletrodomésticos com um consumo energético reduzido e que daqui a 20 anos continue a manter esses resultados.”
Mas, nesta época de consumismo desenfreado, em que impera o efémero, como é que uma empresa pode sobreviver produzindo equipamentos duradouros? Afinal, enquanto o aparelho não se avaria, o cliente não compra outro, emperrando a roda consumista. Ana Ferreira conta com a memória de consumidores satisfeitos para fazer valer a estratégia. “Alguém que hoje compra uma máquina de roupa, talvez amanhã compre uma máquina de secar [da mesma marca], e depois uma de passar a ferro, um forno, uma placa, um exaustor, um frigorífico… Um cliente satisfeito é um cliente fidelizado. É esse o conceito que pretendemos.”
Um dos problemas é que, ao contrário de antigamente, hoje fica muitas vezes quase tão dispendioso reparar um eletrodoméstico como comprar um novo, o que implica o gasto de mais recursos e energia, levando a um aumento exponencial dos impactos negativos do consumo no planeta. A representante da Miele assegura que este é outro dos pontos em que há uma mudança de paradigma. “O nosso conceito passa também pela fácil reparação. Comprometemo-nos a ter peças de substituição durante 15 anos após o fim da produção desse eletrodoméstico. E por outro lado construímos eletrodomésticos que, ao serem desmontados, requerem o mínimo de tempo possível para aceder às peças. Tempo perdido também representa um valor na fatura da assistência técnica.”
Lavar à mão ou na máquina?
Os consumidores estão mais atentos do que nunca aos temas da sustentabilidade, e já recompensam as empresas com valores mais “verdes”, diz Ana Ferreira. “A etiqueta energética chega a praticamente todos os equipamentos elétricos e eletrónicos. O consumidor sabe que, se comprar um eletrodoméstico de baixa eficiência, vai ter uma conta de eletricidade maior, e por isso cada vez mais quer eletrodomésticos eficientes.”
Mas nem todos tomam essa opção, à partida, seja por desconhecimento, seja porque não têm dinheiro para fazer o investimento no momento da compra. “Comprar um eletrodoméstico barato que não cumpre acaba por ser uma conta cara, porque vai gastar mais no dia a dia. Compramos aquecedores baratos e depois ficamos escandalizados por termos uma conta da eletricidade muito alta. Vários estudos provam que ter um aquecedor que consome muita energia tem um impacto imediato na conta de eletricidade. O barato pode sair caro. Pode representar mais consumo de água e de energia, ou uma avaria antes do tempo. Muitas pessoas compram coisas sem pensar na durabilidade, mas, se diluirmos um equipamento caro ao longo de 20 anos de utilização, é uma compra mais acessível do que outro três vezes mais barato mas que tem uma duração cinco vezes inferior. É este equilíbrio que o consumidor tem de fazer: pensar na durabilidade e no consumo energético, e fazer contas.”
E a questão não se prende apenas com a energia. Numa altura em que Portugal vive uma das suas piores secas do século, Ana Ferreira aproveita para desmontar um velho mito, que se recusa a morrer: lavar a loiça na máquina é mais sustentável do que à mão. “Temos máquinas que lavam com seis litros de água. Lavar loiça de 14 pessoas com seis litros é uma grande poupança. Mesmo passar a loiça por água antes de a pôr na máquina é um duplo consumo. O detergente não tem uma ação mecânica, como a nossa mão com o esfregão. É tudo com água em movimento. E o detergente precisa da gordura para ser ativado. Este efeito químico é necessário. É bom que os pratos vão com alguma gordura, para ter uma lavagem com bons resultados.”
Ana Ferreira diz ainda que a economia circular é fundamental para resolver o paradoxo do crescimento económico infinito num planeta de recursos finitos. “As tecnologias ao nosso dispor para reutilizar os recursos e matérias-primas são muitas.” Por exemplo, “a nossa fábrica na Alemanha de máquinas de lavar roupa tem uma fundição própria, onde são fundidas todas as peças de ferro, depois reutilizadas em equipamentos novos.”
Para isso, porém, há que melhorar a reciclagem – e Portugal encontra-se, nesse aspeto, numa péssima situação, cronicamente longe das metas a que se comprometeu com a União Europeia. “Tem sido feito um trabalho de fundo de consciencialzação. Mas há também um papel das marcas. A recolha de um eletrodoméstico na hora de entrega de um novo é importante, porque assim não vai parar a um sítio desadequado e tornar-se uma fonte de poluição.” Essa recolha é uma obrigação legal, recorda Ana Ferreira. “Quando compramos um eletrodoméstico novo, pagamos uma taxa que implica que essa marca fica responsável por, quando vende um novo, recolher o velho e fazê-lo entrar no circuito de reciclagem.”
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