Promovida pela Clinton Foundation, a Clinton Global Initiative (CGI) é um espaço para decisores de todos os setores e geografias refletirem e agirem sobre o futuro. É, aliás, no agir que esta ganha vida e consequência, e se distingue das demais conferências desta semana, dado que ao longo dos seus dois dias se vão assumir compromissos de ação, acompanhados de planos e envelopes financeiros significativos.
As empresas, fundações ou instituições multilaterais que não cumpram os compromissos assumidos, ficarão de fora da CGI seguinte – e até os cumprirem. Ou seja, há realmente a preocupação de não ser mais um momento para gerar conteúdos jornalísticos, mas sim para promover a ação em prol das pessoas e do planeta. No final, todos os compromissos ficarão disponíveis para consulta online.
O mote deste ano é “Keep Going” – e foi precisamente um presidente Bill Clinton algo frágil que procedeu à sua abertura. A energia e o sorriso carismáticos já não são os mesmos de outros tempos, e as pausas e o andar por vezes já se arrastam. Mas, por outro lado, Clinton parece ter ganho uma tranquilidade e uma profundidade também contagiantes. Logo após a abertura, conversou com o Papa Francisco (este a partir do Vaticano), outro exemplo de força contagiante que emerge da fragilidade. Se esses dois senhores, já de uma certa idade, keep going (e keep trying), que desculpa temos nós?
Sendo impossível resumir um dia de múltiplos debates – e todos interessantes –, aqui ficam duas ideias chave do dia de hoje:
- Transitar do paradigma da sustentabilidade, para o paradigma da regeneração:
Há limites e equilíbrios críticos do planeta que estão de tal modo fragilizados que, para nove ou 10 mil milhões de pessoas viverem bem no planeta Terra em 2050, temos de rapidamente transitar do paradigma da sustentabilidade (impacto nulo), para o paradigma regenerativo (impacto positivo). Já sabemos que “não herdámos a Terra dos nossos avós, pedimo-la emprestada aos nossos netos”. Ora, para a entregarmos em condições, temos de começar a remendar alguns disparates do últimos 100 anos. Não basta passarmos a ter impacto nulo.
Num painel sobre o setor agroalimentar, ficou claro que a agricultura industrial, assente em químicos altamente poluentes e na sobre-exploração de solos e ecossistemas, não só se encontra esgotado, como obriga à recuperação de solos e ecossistemas. Uma abordagem regenerativa à agricultura (o que inclui a agricultura biológica), não só teria impactos muito positivos na nossa saúde, como no planeta. E não parece haver quaisquer dúvidas acerca da sua capacidade de alimentar 10 mil milhões de pessoas – e sem necessidade de recorrer a mais áreas agrícolas do que seria necessário com uma agricultura industrial.
Os testemunhos deste painel foram todos bons. O realizador dos documentários “Kiss the Ground” e “Common Ground”, chamou a atenção para a importância de as crianças terem, desde cedo, uma relação com o solo, em família ou nas escolas – por exemplo, através da construção de hortas comunitárias –, dado que tal contribuirá para maiores níveis de empatia face ao mundo que as rodeia, em particular em relação à natureza. Temos muito a aprender com as comunidades indígenas neste domínio. Também o CEO da Whole Foods, uma cadeia de retalho com um volume de negócios anual superior a 13 mil milhões de euros, que procura seriamente ser regenerativa em toda a sua oferta e cadeia de valor, teve uma intervenção cristalina. As mudanças disruptivas são complexas, mas possíveis. Em Portugal, nenhuma cadeia de retalho se equivale a esta.
- Reformar de vez o capitalismo com base na cooperação
A única forma de virmos a ter modelos de desenvolvimento sustentáveis ou regenerativos é através do reforço significativo da cooperação. Assim, o paradigma dominante na economia deve passar a ser o da coopetition, em vez da competição pura que caracterizou o século XX. Um bom exemplo das virtudes da cooperação entre concorrentes foi a rápida resposta dada à pandemia Covid-19. Outro bom exemplo, é o projeto da Fundação Clinton na área do combate ao VIH/SIDA, lançado há 20 anos e com resultados significativos em muitos países de África.
Com uma estratégia de intervenção assente em parcerias, a Fundação Clinton conseguiu que o custo anual do tratamento de uma pessoa com VIH/SIDA passasse de 10 mil dólares para apenas 60 dólares. E tal conseguiu-se sem que a indústria farmacêutica fosse lesada, dado que o mercado deixou de assentar em baixos volumes e margens altas, passando a assentar em margens baixas e volumes elevados (infelizmente). A universalização do acesso a tratamento fez diminuir drasticamente a mortalidade associada a esta infeção nesses países e melhorou seriamente a qualidade de vida das pessoas que vivem com o vírus.
Por último, outro exemplo de necessidade de maior cooperação é a relação entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Não faz sentido estes terem de se endividar para pagar o esforço de transição para modelos de desenvolvimento sustentáveis – por exemplo, o esforço de descarbonização –, quando essa necessidade se deve sobretudo aos facto de os países desenvolvidos o serem devido ao uso dos combustíveis fósseis – ainda por cima, provocando desequilíbrios ainda maiores nos países em desenvolvimento.
A fechar este primeiro dia, ainda passei por um evento sobre Inteligência Artificial, promovido pela House of Beautiful Business, em Columbia University. Bem usada, a tecnologia pode ser um aliado importante, tanto para um regresso à natureza, como para a reforma do capitalismo.