Ao regressar a casa após tão intensa expedição, a Campanha M@rBis 2013/Algarve, aflora-me um sentimento misto de missão cumprida e início de uma nova era no campo do conhecimento científico do mar português. Viver vinte dias integrado no restrito clã de biólogos e cientistas apaixonados, ligados umbilicalmente ao tema marinho, permitiu-me abrir horizontes não só no plano fotográfico mas, sobretudo, na visão mais focada sobre a biodiversidade marinha portuguesa e todos os outros temas que gravitam neste vasto e ainda desconhecido universo.
A bordo do Navio de Treino de Mar Creoula, autêntica plataforma de ciência, vivi, observei e fotografei, escrevi e sobretudo mergulhei num oceano de conhecimento sobre um Portugal desconhecido para o comum dos mortais. A infinita quantidade de espécies, a sua diversidade e características preencheram o convés do navio por completo, ocupam agora um lugar maior no respeito por um mar que é muito mais que um bom gigante. Este manto aquoso que nos cercou e inundou de conhecimento quer apenas ser conhecido e respeitado na sua essência e pela vida que alberga.
À medida que o Creoula desliza pelas águas calmas da costa portuguesa, rumo a norte e ao Tejo que nos lançou nesta aventura, intriguei-me sobre o futuro. Surge-me a famosa pergunta: então e agora? Encontrei o Professor Manuel Pinto Abreu, na ponte do navio. Prescutava a doce vaga que afagava o casco do Creoula e o mar, a sua verdadeira segunda casa, pois assume o cargo de Secretário de Estado do Mar. Intimamente ligado aos oceanos, não obstante o facto de assumir um cargo político, sempre foi um verdadeiro apaixonado pelo mar português. É pai de surfistas, considera-se marinheiro, e acompanhou uma das últimas saídas de mergulho da campanha, tripulando a embarcação da EMEPC à Selvagem, apoiando assim os mergulhadores em mais um mergulho de prospeção. Esteve na génese das campanhas M@rBis e está perfeitamente consciente da importância do conhecimento desta temática marinha. Conhece bem os problemas e dificuldades na gestão desta pasta. Considera vital, para Portugal, vencer a grande batalha do reconhecimento desta missão maior, que é a extensão da Plataforma Continental portuguesa. Aqui fica a opinião do governante sobre o tema:
“O grande desafio desta geração é criar as condições para que o Mar possa ser, definitivamente um veículo de afirmação, de desenvolvimento e de crescimento económico. Para tal é de grande importância a delimitação e demarcação dos espaços marítimos sob soberania e jurisdição de Portugal, onde se incluem os limites da Plataforma Continental estendida, é essencial concretizar a investigação que crie o conhecimento para demonstração inequívoca do potencial do mar de Portugal e, por último, atrair e mobilizar todos os que queiram investir no nosso mar e conseguir a concretização efetiva do seu imenso potencial. Com a conclusão da missão da EMEPC Portugal terá um território alargado, na dimensão, no potencial e nas oportunidades, terá uma geografia renovada na importância estratégica, política e económica, e terá criado as condições para ser sempre, e cada vez mais, Mar. O M@rBis (Marine Biodiversity Information System) é um sistema de informação georeferenciada da biodiversidade marinha nacional, iniciado com o objetivo de apoiar a extensão da Rede Natura 2000 (RN2000) ao meio marinho, no quadro dos compromissos internacionais assumidos por Portugal. Hoje o M@rBis continua a prosseguir o objetivo inicial mas em resultado da aposta do XIX Governo Constitucional no Mar de Portugal, o M@rBis está apto a apoiar outras ações de importância estratégica fundamental, nomeadamente as enquadradas na nova Política Comum de Pescas, da Política Marítima Integrada e da Estratégia da União Europeia para o Atlântico. O projeto é coordenado pela EMEPC (Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental) no quadro dos requisitos técnicos e científicos recomendados pelo ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas), pela Direção Geral de Política do Mar (DGPM), pela Direção Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM), em colaboração com a comunidade científica portuguesa e internacional, com os laboratórios de estado, em especial o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), com os laboratórios associados portugueses e com outras instituições de relevo nacionais e internacionais. O M@rBis será uma ferramenta fundamental de apoio à decisão, muito para além do que se refere à extensão da RN2000 ao meio marinho, e constituirá um poderoso instrumento de planeamento e análise para a comunidade científica logo que seja disponibilizado a todos via web. As campanhas M@rBis iniciadas em 2010 com um cruzeiro de grande dimensão às Ilhas Selvagens, revisitadas agora em 2013, tiveram continuidade em 2011 com um cruzeiro às Ilhas da Madeira, Porto Santo, Desertas e Formigas, no Arquipélago dos Açores, em 2012 às Ilhas Berlengas, em 2013 ao Algarve, têm sido um motor ímpar para o conhecimento da biodiversidade dos espaços marítimos de Portugal e da investigação, desenvolvimento e inovação no mar em Portugal. As muitas amostras e imagens recolhidas durante as campanhas têm vindo a aumentar a informação carregada no M@rBis e têm permitido concretizar ou iniciar múltiplos projetos de investigação. Os resultados da investigação suportada pelas campanhas M@rBis está já a dar acrescida projeção à capacidade nacional de pesquisa no mar, incluindo o oceano profundo e ultra-profundo. Considero, no entanto, que merece destaque especial o papel das campanhas M@rBis na promoção da cooperação alargada entre instituições e investigadores, portugueses e internacionais. Sobre o facto de estar a bordo e acompanhar os trabalhos, tenho de dizer que foi um prazer voltar a ver tanta gente conhecida, empenhada como sempre em fazer um trabalho de excelência. Este projeto teve início quando era Responsável pela EMEPC e é gratificante perceber que o projeto já faz o seu próprio caminho e envolve cada vez mais competências. Quando verificamos que estão envolvidos neste cruzeiro mais de 40 investigadores de universidades nacionais e estrangeiras, no que será uma das maiores operações de investigação que se fazem no país, o balanço só pode ser positivo. Melhor ainda é a vontade de continuidade e de futuro por todos manifestada.”
Regressando à pergunta inicial e sobretudo ao cruzamento de universos e horizontes entre conhecimento, ciência biodiversidade, política e indústria, nem sempre fáceis de gerir o Secretário de Estado do Mar esclarece-nos:
“A Comissão Interministerial para os Assuntos do Mar tem importância fundamental na articulação interministerial, articulação que é agora possível em permanência com a nova orgânica adotada pelo XIX Governo Constitucional. A articulação será uma realidade em todos os domínios estratégicos de desenvolvimento, eixos de ação e de suporte e em todos os Programas e Projetos contidos na Estratégia Nacional para o Mar 2013 – 2020 (ENM2013-2020), a qual será aprovada oportunamente em reunião de CIAM. Como é conhecido, a ENM2013-2020 foi criada para ter um efeito transversal sobre a economia portuguesa de Mar, para o que integra múltiplas políticas públicas: da Governação do Mar – Administração, Pensamento e ação estratégica, Educação , Ciência e tecnologia, Identidade e cultura, Proteção e salvaguarda; do Sistema Natural – Oceano, Atmosfera e Sistema integrado; dos Recursos vivos – pesca, aquicultura, indústria do pescado e biotecnologia; dos Recursos Não vivos – energia e minerais marinhos; e dos Outros Usos e Atividades – Portos, transportes e logística, Recreio, desporto e turismo, Construção, manutenção e reparação naval e Obras marítimas. A concretização destas políticas e do plano de ação contido na ENM2013-2020 supõe uma cooperação estreita entre os vários ministérios a fim de conseguir alcançar os objetivos previstos, tornando realidade a Visão de Portugal marítimo adotada. A pesca em Portugal é um sector estabilizado quanto às capturas anuais que são da ordem das 200.000 toneladas, cerca de três quartos provenientes das águas nacionais e um quarto das águas internacionais. Não se vê atualmente possibilidade de as capturas nas águas nacionais permitirem aumentar significativamente a quantidade total capturada. Quanto às águas de países terceiros só será possível através da celebração de acordos, no quadro da UE ou bilaterais. É uma possibilidade que estamos a avaliar. Portugal é hoje reconhecido pela quantidade de peixe consumido, terceiros a nível mundial a seguir ao Japão e à Islândia, e também por a pesca nacional ser considerada como a mais sustentável do conjunto da OCDE. Uma prova da nossa determinação quanto à sustentabilidade é o a gestão da captura da sardinha, levada a cabo por uma comissão permanente constituída pelos pescadores, pelos industriais, pela proteção e conservação da natureza e pela administração central. O plano adotado obrigou à redução drástica das capturas anuais de sardinha com o objetivo de garantir a recuperação do bom estado biológico da espécie. Quanto à balança comercial o setor é deficitário em quantidade e em receita. Pescamos cerca de 23 kg/habitante/ano, ou seja a média europeia, e consumimos cerca de 57 kg/habitante/ano. Para melhorar esta situação, garantindo um melhor nível de vida aos pescadores, a redução das importações terá que passar pelo fomento da aquicultura e a promoção da captura e utilização de novas espécies, como tem vindo a ser feito com a cavala. O aumento da receita terá que ser conseguido com a valorização do pescado e dos seus transformados, para o que estão a ser levadas a cabo a nível nacional ações de promoção de novos produtos e de espécies alternativas. O futuro da pesca nacional será sempre enquadrado pela prática internacional, fundamentalmente pela Política Comum de Pescas da UE, e pela especificidade nacional. No quadro global e da UE a sustentabilidade da atividade, considerada nos seus três vetores primários – o ambiental, o económico e o social, é a preocupação. As avaliações feitas mostram que a prática de uma pesca sustentável tem associada uma valorização económica da atividade muito significativa, logo com importante impacto social. Conseguida como está a prática de uma pesca sustentável por Portugal, o futuro da pesca nacional terá que ser, de novo, equacionado em todas as vertentes, frota nacional de pesca, portos de pesca e lotas, indústria de transformação, comercialização e distribuição, e preparando, como previsto na Estratégia Nacional para o Mar 2013-2020, planos de ação que assegurem a melhoria contínua de um setor que tem importância nacional fundamental.”
Sobre o idílico futuro do Mar Português, destacando os seus desejos e ambições, Manuel Pinto Abreu conclui:
“Portugal só pode assumir-se como uma grande nação marítima se a preservação e monitorização dos nossos recursos naturais forem uma prioridade efetiva. A Estratégia Nacional para o Mar 2013- 2020 tem como traves mestras para o desenvolvimento a investigação, a exploração e a sustentabilidade. Os portugueses tem que estar conscientes da importância em assegurar a salvaguarda da biodiversidade para o futuro. Estamos por isso a fazer um grande esforço de mobilização dos portugueses desde que chegam à escola, procurando através dos mais novos trazer todos para esta causa nacional. Para o efeito está em desenvolvimento o programa Kit do Mar, criado em 2008 pela EMAM e pela Agência Cascais Atlântico, continuado pela EMEPC e que chegou este ano a 100.000 alunos de 1.000 escolas de todo o país que foram convidados a escrever sobre o Mar no âmbito do Programa de Nacional de Leitura do Ministério da Educação e Ciência. Os vencedores desse concurso estiveram este ano neste cruzeiro do M@rBis.
O meu maior sonho, político e pessoal, é que o Mar de Portugal seja uma realidade porque para o conseguir terá que ser alcançado um conjunto ambicioso de objetivos que tornam possível cumprir Portugal no Mar. Teremos então sido capazes de reinventar Portugal como grande país marítimo e teremos sido capazes de gerar o conhecimento e a competência necessários à criação de valor a partir do imenso Mar de Portugal para benefício de todos os portugueses.”
Junta-se à conversa Frederico Dias, responsável pelas campanhas M@rBis, no fundo, para mim, um autêntico “Sea Lord”. Comparo-o ao chefe das operações navais da marinha. Um homem da física que gere toda a operação, sempre com boa disposição e diplomacia para com todos os biólogos e cientistas a bordo. “Trago aqui os números desta campanha. Em vinte dias no mar ao largo da costa algarvia, reunimos um total de 89 participantes entre cientistas, biólogos professores e estudantes. Neste espaço temporal, em que o Creoula serviu de ilha da ciência, possibilitámos aos mergulhadores um total de 500 imersões com vista à prospeção e sobretudo poderem colocar em prática os projetos que os motivaram para esta campanha. Foram cerca de 600 horas de exploração dos fundos marinhos do Algarve. Em termos documentais e apesar de sabermos que terão que ser triados, para o M@rBis conseguimos um total de 800GB de informação visual em fotografia e vídeos essencialmente dos fundos marinhos e da sua biodiversidade. Mas o mais impressionante é o número de amostras e registos biológicos, foram 5000 as amostras catalogadas de fauna e flora que vêm enriquecer o sistema de informação da biodiversidade marinha de forma considerável”, diz-me Frederico Dias, com um sorriso rasgado e felicitando o secretário de estado em jeito de missão cumprida.
Também para mim constitui uma honra ter sido instruendo da marinha e da ciência. Na ponta de um iceberg de conhecimento, projetou-se a expansão de um pais que, em terra é pequeno demais para acolher tanta história, tanta vida. Infinitos tesouros naturais que são razão maior para o futuro do Ser português.
Estas crónicas são apenas fragmentos do tanto que há por dizer neste capítulo. As fotografias, um pequeno espelho da minha visão. Cabe a partir de hoje, a todos os que participaram nesta campanha enaltecer e projetar esse conhecimento. Engrandecer Portugal com a publicação de estudos e projetos, promover debates que defendam o nosso mar. Espalhar aos quatro ventos a notícia, de que há terra à vista, mesmo que se localize nas profundezas do leito oceânico. Este foi um pequeno passo dado por investigadores portugueses mas que certamente será um passo de gigante, no mapa do conhecimento português e na conquista de novos mundos.
Já dizia Miguel Torga: “Em qualquer aventura o que importa é partir, não é chegar.”