Está quase tudo por fazer no que toca à economia do mar essa é uma das conclusões que se podem tirar da leitura do estudo do hipercluster do mar que a equipa dirigida pelo economista Ernâni Lopes acaba de entregar à Associação Comercial de Lisboa (ACL). Na última década, as actividades económicas tradicionalmente ligadas ao mar transportes marítimos, portos, pescas, construção e reparação naval perderam valor ou, no mínimo, estagnaram. A excepção será o turismo ligado ao mar. Áreas como a aquicultura ou as energias renováveis não passam, por enquanto, de promessas adiadas, com um contributo quase nulo para a produção de riqueza a nível nacional.
No estudo da Saer (Sociedade de Avaliação de Empresas e Risco), que demorou quase um ano a ser concluído, o contributo das actividades económicas ligadas ao mar foi estimado em 5 a 6% do PIB nacional. Um valor que não se afasta muito da média da Europa, onde o mar representa 3 a 5% da riqueza. Nos cálculos lusos foram contabilizados os transportes marítimos, portos e logística; pescas, aquicultura e indústria de pescado; construção e reparação naval; náutica de recreio e turismo náutico.
Face a estas contas, poderá o conjunto dos clusters do mar fazer a diferença e criar condições para que a economia portuguesa possa reduzir o fosso que a separa das suas congéneres europeias? Irá o mar ser o elemento de união que faltava a Portugal para conjugar, a seu favor, os vértices do triângulo Europa, África e Brasil? No início da década, em 2001, um estudo da Universidade Católica, coordenado por João Confraria, quantificava em 11% o peso dos negócios do mar no PIB, mas o trabalho assentava em premissas distintas. O que desde então não mudou foi o subaproveitamento dos negócios do mar. Tiago Pitta e Cunha, ex-coordenador da Comissão Estratégica dos Oceanos (CEO), recorda que há um aspecto ideológico marcante na nossa relação com o mar: “Até ao 25 de Abril, havia o desígnio político do mar e dos antigos territórios ultramarinos. Com a democracia, passou a ser a integração europeia.
O mar passou a ser visto, compreensivelmente, como algo bafiento, ligado ao antigo regime.” A Expo’98 trouxe “uma perspectiva de futuro”, mas não mudou o estado das coisas. “Preocupámo-nos em ser o ‘bom aluno’ da Europa e não nos destacámos. No mundo concorrencial em que vivemos, essa é uma estratégia profundamente errada. Ou nos distinguimos ou morremos”, vaticina aquele que é olhado como o “pai” da política marítima europeia, e para quem o mar pode ser o elemento diferenciador que nos falta. “Sem saudosismos e sem lirismos “, conclui. “Faltava-nos uma visão conjunta sobre a economia do mar”, justificou, à VISÃO, o presidente da ACL, Bruno Bobone, frisando a preocupação das empresas promotoras do estudo (algumas delas ligadas ao mar) em “traçar uma estratégia de longo prazo, a 10 ou 15 anos”. O documento vai agora ser apresentado ao Presidente da República e ao primeiro-ministro, e só depois será tornado público.
GESTÃO CONJUNTA NOS PORTOS
Há duas grandes linhas de orientação no estudo de Ernâni Lopes que, a serem seguidas, podem revolucionar uma das áreas mais estreitamente ligadas ao mar: a dos portos. O posicionamento geográfico de Portugal permite captar, por si só, parte importante do tráfego marítimo entre a Europa, África e América. “É preciso procurar mercados e desenhar uma política de vendas”, mas “o que não faz sentido é ter os portos a competir uns com os outros”, defende Bruno Bobone.
Por isso, vai ser proposta a gestão conjunta entre os portos de Leixões e de Aveiro, por um lado, e de Lisboa e Setúbal, por outro. Juntando Sines, a costa portuguesa passaria a ser servida por três grandes pólos portuários, capazes de constituírem uma plataforma de distribuição de mercadorias, por via rodoviária e ferroviária, para o resto da Europa. Ao serem geridos pelo Estado, esse entendimento pode ser facilitado, “desde que esteja subjacente uma lógica de transformar os portos em pólos de serviços dotados de boas acessibilidades”, explica o presidente da ACL. “Precisamos de uma boa estrutura portuária, não de portos com estratégia”, acrescenta.
Dados do INE indicam que entraram 15 226 embarcações nos portos nacionais em 2007, sensivelmente um terço dos quais no porto de Lisboa números sensivelmente idênticos aos do ano anterior. O movimento de mercadorias cifrou-se em 68,2 milhões de toneladas, traduzindo-se por um ligeiro recuo de 3,6% em Sines mas por um aumento de 7,2% em Lisboa e de 6,2% em Leixões.
PESCAS DE VIVEIRO
O abate da frota de pesca de longo curso tem tido, ao longo dos anos, causas várias os barcos eram antigos, as licenças para pescar em águas internacionais acabaram mas, no que toca à frota costeira, Portugal tem a quarta maior em número de embarcações da União Europeia (8 700), e emprega cerca de 30 mil pessoas na actividade. Mas a produtividade é muito baixa, a segurança das embarcações reduzida e os recursos piscícolas são cada vez mais escassos.
A estes factores, somou-se a facilidade na obtenção de subsídios europeus para a redução da frota e o retrato do sector foi refeito. Mas Portugal é o país europeu com maior consumo de peixe da Europa, ascendendo a 56,5 quilos per capita quase o triplo da média europeia. A dimensão do mercado, aliada às condições naturais da costa portuguesa, abre portas à aquicultura, ainda em fase incipiente da ordem das 10 mil toneladas por ano.
MARINHA MERCANTE EM DECLÍNIO
Nas últimas duas décadas, a capacidade de transporte por via marítima reduziu-se em cerca de 80 por cento. O número de embarcações registadas sob bandeira portuguesa reduziu-se de 70 para pouco mais de 20. O sector nunca soube refazer-se do golpe que constituiu o fim do monopólio das ligações com as ex-colónias ultramarinas, mostrando-se incapaz de explorar novas rotas. Praticamente só restam hoje a Madeira e os Açores.
A agravar o cenário, temos a legislação fiscal sobre transportes marítimos mais penalizadora de toda a Europa. Hoje, restam três grandes grupos de armadores: a Empresa de Tráfego e Estiva (ETE), fundada por Luiz de Figueiredo, que reúne a Socarmar e a Transinsular; a Portline, do empresário macaense Stanley Ho, e a Mutualista Açoreana. A construção e reparação naval também já conheceu dias melhores. A Lisnave, outrora um gigante a nível mundial, está reduzida a um estaleiro de média dimensão. A concorrência asiática “roubou” todo esse mercado dos navios de médio e grande porte a Portugal. Segundo dados da Direcção-Geral dos Assuntos Marítimos da UE, a actividade ainda mantém cerca de 4 mil postos de trabalho.
TURISMO E NÁUTICA DE RECREIO
Do conjunto dos negócios ligados ao mar, o turismo costeiro é, sem dúvida, a actividade de maior peso no PIB. No conjunto dos seus vários produtos, contribui com 11% para a produção nacional de riqueza e com 10% do emprego. Directamente, são quase 40 mil os postos de trabalho que giram na sua órbita, Sabe-se que 90% dos turistas estrangeiros procuram Portugal por causa da sua costa marítima um recurso natural que precisa de se manter “saudável”.
O que nem sempre é acautelado da melhor forma, nem sequer pelas autoridades que regulam o sector. Mesmo assim, “vender as praias não chega”, acredita Tiago Pitta e Cunha. “Se não soubermos vender a imagem do País, as nossas praias serão compradas pelos coreanos a desconto, e não com um prémio.” Essa ausência de estratégia conjunta para os assuntos do mar reflecte-se, por exemplo, na imagem do turismo. “Portugal não pode mudar de imagem todos os quatro ou cinco anos, que é o que faz o ICEP e o Turismo de Portugal”, sublinha. Como não há uma interiorização de que o mar é importante como recurso nacional, nada parece ser planeado nem pensado de forma conjunta. “Se houvesse uma definição desse interesse estratégico, tudo estaria feito à medida”. “Poderia, até, haver um’ simplex’ para o mar”, conclui.
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Alcântara – Uma nova Ota?
O estudo de Ernâni Lopes também aponta o caminho a seguir para acabar com a polémica sobre a ampliação do terminal de Alcântara, em Lisboa. “Temos de ter certezas sobre o melhor sítio para o porto de Lisboa. Se for Alcântara, não deve sair daí. Mas há pelo menos duas localizações alternativas que devem ser analisadas”, defende Bruno Bobone. São elas a Trafaria, na margem sul, e o Alto da Boa Viagem, entre Pedrouços e Caxias (margem norte). “Mas fez-se como no caso do novo aeroporto: começou-se pelo fim”, conclui o gestor, que é também presidente do grupo Pinto Basto, ligado aos negócios do mar. Nenhuma destas localizações alternativas é nova. O fecho da golada língua de areia entre o Bugio e a Trafaria foi “chumbado” no início da década de 90, por razões técnicas. A avançar, implicaria a construção da ligação, por ponte ou túnel, entre Algés e Trafaria por muitos defendida como a forma de descongestionar a ponte 25 de Abril. Mas, para Bruno Bonone, esta solução “tem o inconveniente do custo de transporte” até à margem norte do Tejo, o que iria aumentar o preço das mercadorias. Já a hipótese do Alto da Boa Viagem tem a vantagem de estar localizada na margem norte, numa zona de rio contígua à doca de Pedrouços em vias de reconversão, com bons acessos à CREL, CRIL e A5 e à linha férrea. Situado no sopé de Caxias, nas imediações do Estádio Nacional, o impacto visual da “parede” de contentores seria bem mais reduzido do que em Alcântara.
NÚMEROS:
90% dos turistas estrangeiros são atraídos pela costa marítima de Portugal. O turismo representa 11% do PIB e 10% do emprego
100 mil postos de trabalho dependem directamente do turismo costeiro, pesca, marinha, construção naval, transportes marítimos, náutica de recreio e portos
8 700 embarcações compõem a frota pesqueira nacional. É a quarta maior da UE. Mas 86% dos barcos têm menos de 12 metros