“Em termos científicos, a verdade é que não há razão nenhuma para ter esperança que exista um planeta alternativo para os seres humanos”, começou por dizer a astrofísica molecular Clara Sousa e Silva, que entrou em direto no VISÃO FEST Verde para procurar responder à pergunta “Temos de procurar um planeta B?”.
O seu sonho de final de carreira, confessou, não é entregar um novo planeta aos seres humanos, que já provaram ser uma “forma de vida completamente incompetente” enquanto inquilinos planetários. “A minha missão é encontrar um planeta habitável, mas eu quero clarificar que não tenho intenções nenhumas de procurar um planeta B, no sentido de achar algo como a nossa Terra, que seja habitável por nós”, esclareceu a partir de sua casa, nos EUA.
Em vez de procurar um planeta alternativo, a astrofísica sugere que os seres humanos façam por “merecer o planeta A”, a Terra, e lamenta que isso não esteja a acontecer.
Porém, não descarta a hipótese de ser encontrada vida noutros planetas, que serão habitáveis por outras espécies, mas não por humanos. “Podemos encontrar um planeta habitado ou habitável, mas nunca por nós”, explicou. E, na verdade, acredita que os cientistas estão próximos de o encontrar.
No ano passado, a investigadora portuguesa foi coautora de um artigo científico que revelava a deteção de fosfina na atmosfera de Vénus. A fosfina é um possível marcador de atividade biológica microbiana, ou seja, de algum tipo de vida. Provavelmente, uma estranha forma de vida.
“Uma pessoa, uma molécula, um super computador muito caro e quatro anos da minha vida”, foi desta forma que Clara Sousa e Silva, conhecida como Doutora Fosfina entre colegas e amigos, resumiu o seu empenho nesta investigação, sublinhando que seria impossível tê-la feito sozinha.
Podemos encontrar um planeta habitado ou habitável, mas não por nós
Clara Sousa e Silva, astrofísica molecular
Nascida no Porto, há 33 anos, Clara Sousa e Silva decidiu ser astrónoma depois de assistir a um eclipse solar com os pais. Tinha 12 anos. Quando a mãe lhe explicou que era possível prever fenómenos astronómicos como aquele, ficou siderada. “Parecia o maior poder imaginável e eu queria tê-lo. Quando os meus pais me disseram que isso podia ser uma profissão, decidi na hora que um dia seria eu a prever o movimento dos céus”, recordou.
O que a movia não era apenas descobrir outros planetas, mas também vida. À medida que foi crescendo, foi ficando desiludida por não receber sinais vindos da galáxia e, então, decidiu procurá-los ativamente. Afinal, “só recentemente conseguimos enviar sinais para o espaço, apesar de sermos uma forma inteligente de vida”, sublinhou. Por isso, o melhor é procurar em vez de ficar à espera que outros o consigam fazer.
No VISÃO FEST Verde, a astrofísica molecular aproveitou para desmistificar a ideia de que a vida extraterrestre tem de ser necessariamente antropomórfica. “Quando pensamos em vida fora da Terra, pensamos em formas de vida inteligentes que conseguem comunicar através de distâncias interestelares, mas devemos considerar qualquer forma de vida, inteligente ou não”, explicou, antes de acrescentar: “Eu ficaria feliz só por encontrar algas noutro planeta.”
Um sol “medíocre”
A investigadora de Harvard colocou o cenário de extraterrestres inteligentes apontarem os seus poderosos telescópios para a Terra em busca de vida, à semelhança do que fazem os humanos em relação a outros planetas, mas a verdade “é que o nosso sol, que é tão especial para nós, é uma estrela relativamente medíocre, quase indistinguível das outras”.
Clara Sousa e Silva explicou que é possível, a partir da análise da luz branca e pura de uma estrela, fazer muitas descobertas, usando a representação espectroscópica do sol. “Cada molécula deixa uma marca única na luz de uma estrela”. No limite, os extraterrestres poderiam estudar o nosso arco-íris e descobrir a vida na Terra.
Cada molécula deixa uma marca única na luz de uma estrela. Os extraterrestres poderiam estudar o nosso arco-íris e descobrir a vida na Terra
CLARA SOUSA E SILVA, ASTROFÍSICA MOLECULAR
É precisamente este tipo de técnica de observação que utilizam hoje os cientistas. “Diferentes formas de vida, em diferentes planetas, produzem moléculas distintas. Por isso, como sabemos o que procurar?”, questionou, apressando-se a responder: “Devemos considerar não o que a vida pode ser, mas o que a vida tem de fazer. A vida extraterrestre pode ser muito diferente da nossa, mas fará uso da mesma Química e Física. Na Terra, toda a vida metaboliza e produz gases que são compostos por milhares de moléculas”, ilustrou. O mesmo deverá acontecer num outro planeta com vida.
De acordo com os cálculos dos cientistas, há cerca de 16 mil moléculas que a vida pode produzir. E é fundamental estudar como cada uma delas interage com a luz. Uma dessas moléculas é a fosfina, a sua preferida. Aliás, concluiu uma tese de doutoramento sobre esta molécula na University College de Londres, precisamente sobre as sombras que ela imprime no arco-íris solar.
A fosfina, o nome comum do hidreto de fósforo (PH3), é uma molécula altamente tóxica, que pode ser produzida naturalmente por algumas espécies de bactérias anaeróbicas (organismos que vivem em ambientes com pouco oxigénio).
Ao conhecer como esta ou outras moléculas interagem é possível traçar a sua impressão digital. E, quem sabe, descobrir vida.
Fazer dos estudantes cientistas
“É extraordinário”, afirmou Clara Sousa e Silva, sem esconder o entusiasmo perante a recente investigação, da qual foi coautora, que indica a presença de fosfina na atmosfera de Vénus.
“Quando eliminas todas as possibilidades comuns, todas as implausíveis têm de ser verdade”, afirmou, citando o escritor Conan Doyle. A hipótese mais provável, neste momento, é que seja algum tipo de vida a estar na origem da fosfina detetada.
Mas há duas fontes de incerteza: “Será que é mesmo fosfina ou outra molécula com um padrão semelhante?” Para desfazer a dúvida, a equipa irá continuar a observar o fenómeno em diferentes espectros.
Por outro lado, é preciso esclarecer se a fosfina identificada tem realmente origem biológica – e esta é uma questão muito mais difícil de resolver. Quer seja sinal de vida ou não, a investigadora não tem dúvidas de que se trata de uma descoberta “fantástica”.
Atualmente, Clara Sousa e Silva é diretora do Programa de Orientação de Investigação Científica Harvard-MIT.
“Dar aulas foi, de longe, a coisa mais difícil que já fiz na vida”, confessa, ainda mais do que ser astrofísica do MIT. Ensinou Ciências numa escola do ensino secundário de uma zona socialmente desfavorecida de Londres.
Apesar das dificuldades dos alunos, surgiam muitas discussões científicas interessantes. E decidiu envolver os estudantes na pesquisa de moléculas. Até artigos científicos já publicaram em conjunto no âmbito do programa educativo ORBYTS (Original Research By Young Twinkle Students), criado pela investigadora portuguesa. Atualmente, estão envolvidas no programa uma dúzia de escolas e mais de uma centena de alunos que investigam dezenas de moléculas.
Clara Sousa e Silva decidiu envolver os estudantes na pesquisa de moléculas. Até artigos científicos já publicaram em conjunto.
“Envolver os estudantes em investigação de ponta, desde uma idade precoce, elimina a ideia de que a Ciência é só para os cientistas e dá condições ao jovens para explorarem assuntos científicos, além de destruir estereótipos sobre quem é adequado para este tipo de carreira”, afirmou.
“Na nossa galáxia existem 300 milhares de milhões de estrelas, 3 mil milhões de planetas para estudar e triliões de formas de vida possíveis”, por isso, são necessárias milhares de pesquisas para estudar as moléculas libertadas para a atmosfera. “Existem milhares de jovens cientistas de escolas secundárias que podem contribuir” e, quem sabe, encontrar novas formas de vida, incentiva.
Agora, enquanto diretora do Programa de Orientação de Investigação Científica Harvard-MIT, a sua missão é colaborar com o maior número de possível de pessoas, de todas as idades, para explorar mundos distantes por toda a galáxia até encontrarem vida.
“Vida que pertence ao planeta dela e que olha para nós não como planeta B, mas como um planeta que não lhe pertence, da mesma maneira que o planeta deles não nos pertence a nós”, sublinha.
Questionada pela assistência sobre a possibilidade de o projeto também ser implementado em Portugal, a investigadora mostrou-se disponível para ajudar a elaborar um plano, já que basta estabelecer contacto entre investigadores e escolas.
Clara Sousa e Silva acredita que, a existir, a vida extraterrestre não estará contente com a nossa forma de tomar conta do planeta. “Por isso, em vez de procurarmos um planeta B, talvez o esforço que devamos fazer seja concentrarmo-nos no planeta A – e não considerarmos a nossa galáxia como algo para nós conquistarmos, como se fosse tudo nosso”, defende.
A sua recomendação para todos é tentar fazer estes extraterrestres hipotéticos ficarem orgulhosos dos seres humanos: “Espero que eles nos vejam a não desperdiçar o nosso planeta A”.
O público do VISÃO FEST Verde também a interrogou sobre a inevitabilidade de existir vida noutros pontos da galáxia. A astrofísica respondeu que “os planetas do nosso sistema solar não são especiais”. Portanto, seria estatisticamente improvável que, sendo o nosso sistema solar “tão medíocre”, fossemos especiais. E, se houver vida em Vénus, será um sinal de que a vida “é não só inevitável, mas comum. E haverá imensa vida espalhada pela galáxia”. Por isso, “não há razão nenhuma para acharmos que somos especiais”.
Já sobre a possibilidade de a vida se prolongar indefinidamente na Terra, explicou que não há dúvidas de que o sol vai destruir o planeta mas, curiosamente, a resposta trouxe algum otimismo: “Tenho grande esperança de que o planeta acabe assim, em vez de nos matarmos uns aos outros”, por exemplo, não agindo contra as alterações climáticas.
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